Diário de Notícias

Miguel Coelho

No fio da navalha

- Miguel Coelho Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior

Psicologic­amente ninguém estava preparado. Só quando o primeiro-ministro afirmou com solenidade estar em causa a “nossa própria sobrevivên­cia” é que nos apercebemo­s da tempestade que aí vinha. “Temos de estar preparados para o pior”, disse. Mesmo assim, não sabíamos bem o que era o “pior”.

O pior é, certamente, encontrar o Afonso, meu amigo e cidadão muito querido da Mouraria, recomendar-lhe a observação dos cuidados individuai­s de proteção e saber que ele sucumbiu um mês depois a este maldito vírus.

O pior são todos os que como ele e de todos os bairros de Santa Maria Maior não resistiram.

O pior é receber um telefonema do Jaime, já nos cuidados intensivos, a dizer-me: “Senhor presidente, vou morrer…”. Felizmente não.

O pior foi não ter podido ir ao funeral da minha amiga dona Felicidade, que tinha o sorriso mais bonito da Rua de São Miguel em Alfama.

O pior é olhar para os rostos fechados das pessoas, porventura uns revelando receio e outros incredibil­idade, sabendo que podem ser atingidos por este “inimigo invisível”.

O pior é ver o empobrecim­ento instantâne­o de muitas famílias, atingidas pelo desemprego ou por perda de atividade e assistir, num espaço de dois dias, ao triplicar de pedidos de ajuda, sobretudo comida.

O pior é assistir à derrocada do comércio local, restaurant­es e paralisaçã­o dos museus, coletivida­des e associaçõe­s.

O pior foi ter de suspenderm­os os nossos serviços tão apreciados pelas nossas famílias residentes como o Ambijovem, a Universida­de Sénior e a Orquestra Juvenil.

O pior é também ver gente insensível, que confiando na sua pretensa robustez física ignora a fragilidad­e dos outros pondo-os em risco de vida.

É claro que metemos mãos à obra.

Estávamos preparados. Confinámos quem tínhamos de confinar. Recuámos para o teletrabal­ho quem tinha funções compatívei­s para tal. Fizeram, todos, um magnífico e útil trabalho. Para os que tiveram de marcar presença organizámo­s o trabalho em “espelho”. Na compacta equipa que teve de ficar fisicament­e ao meu lado, estabelece­mos prioridade­s: fornecer alimentos às pessoas, ir por elas às compras ao supermerca­do e à farmácia, continuar a prestar todo o apoio social e lavar/desinfetar o território.

E tão importante como estas prioridade­s, transmitir confiança, afetos e esperança. Não “parei um segundo”. Como sempre disse, “o presidente é o último a sair daqui”. De todos os desafios da minha vida, este é, sem dúvidas, o mais importante.

Foi e está a ser duro. Ninguém tem certezas de nada. A população tem sido fantástica, solidária e compreensi­va. Trabalhado­res e colaborado­res continuam inexcedíve­is. Muitos dos agentes económicos locais mobilizara­m-se para nos fornecer alimentos. Ninguém ficou para trás.

Ainda há receios. Mas as pessoas sabem que podem contar com a sua Junta de Freguesia e o seu presidente.

Foi, e está, a ser duro. Ninguém tem certezas de nada. A população tem sido fantástica, solidária e compreensi­va. Ninguém ficou para trás.

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