Diário de Notícias

“O independen­tismo catalão não tem horizonte no curto e médio prazo”

O politólogo e professor da Universida­de Autónoma de Barcelona, em conversa com jornalista­s estrangeir­os, analisa o que mudou desde 2017 e o que esperar das eleições deste domingo.

- ENTREVISTA BELÉN RODRIGO, MADRID

No domingo, os catalães voltam às urnas. Passaram pouco mais de três anos desde as últimas eleições para o Governo da Catalunha, que na altura vivia um dos momentos mais altos do independen­tismo. A situação agora é diferente, mais calma e marcada pela pandemia. O politólogo e professor da Universida­de Autónoma de Barcelona Oriol Bartomeus, em conversa com jornalista­s estrangeir­os, analisa o que mudou desde dezembro de 2017 e o que pode acontecer neste escrutínio.

Que situação se vive na Catalunha a dias das eleições?

Estamos entre uma normalizaç­ão da situação política em relação a 2017 e uma estranha situação por causa da pandemia. Se olharmos para 2017, agora encontramo­s muito menos tensão, um cenário mais relaxado e normalizad­o. Há quatro anos vivemos as sessões parlamenta­res, o referendo de 1 de outubro, a declaração unilateral da independên­cia, a aplicação do artigo 155.º, a intervençã­o da Generalita­t e as eleições com uma participaç­ão muito alta – 79% –, sem esquecer uma polarizaçã­o das posturas.

O que resta do espírito de 2017? Para as pessoas que participar­am, foi um momento épico, feliz, uma experiênci­a da qual sentem orgulho. Viveram tudo de forma mágica, fantástica. Mas terminou com os acontecime­ntos posteriore­s. Uns sentem que foram atraiçoado­s pela elite política independen­tista. Para os partidos políticos, 2017 serviu para se ligarem ao eleitorado, e não podem crer que não resta nada. Resta a nostalgia. Os acontecime­ntos de 2017 dão sentido aos independen­tistas para manter a ideia da independên­cia e mobilizar as pessoas. Mas politicame­nte não deixou nada. Desde então há disputas internas muito grandes e os independen­tistas ficaram sem horizonte. O independen­tismo não tem horizonte político no curto e médio prazo.

Que papel está a ter a pandemia de covid-19 nestas eleições?

Vai provocar duas situações. Por um lado, uma maior abstenção e, por outro, tirou o protagonis­mo ao tema da independên­cia na agenda da campanha.

O que é que pode acontecer no próximo domingo?

Existem dois cenários possíveis. Ou a reeleição da maioria independen­tista sob a forma de um governo de coligação entre o Junts per Catalunya e a ERC [Esquerda Republican­a da Catalunha], ou a possibilid­ade de uma maioria não independen­tista, mas com a participaç­ão de alguns deles. A chave para os dois cenários está na ERC, está nas suas mãos desbloquea­r uma maioria de governo à esquerda ou independen­tista. E há ainda um terceiro cenário, que passaria por acabar num bloqueio e na repetigara­ntido ção das eleições. Não acho que seja muito provável porque acredito que se vai se manter a maioria independen­tista. Mas tudo está em aberto. Está nas mãos dos 13% de indecisos, 750 mil eleitores, que deverão decidir o sentido de voto entre sábado e domingo.

As sondagens falam de uma possível vitória dos socialista­s. É o efeito Salvador Illa?

O PSC apresenta-se a estas eleições com um elemento novo: é um partido que pode ganhar. Fez uma aposta na moderação, com Salvador Illa, e esta mudança na candidatur­a teve sucesso. O PSC representa o voto útil, pode ganhar e governar. O efeito Illa pode levar o PSC a ser o mais votado, mas não é que consiga a presidênci­a do governo. Se Illa conseguir menos de 30 deputados, terá perdido. Ser o mais votado dá legitimida­de, mas o mais importante para formar governo vai ser a posição do Junts e da ERC. Caso Illa ganhe, o Junts ser segundo e a ERC terceira, o socialista pode ficar com a presidênci­a do governo. Se a ERC for segunda, o mais provável é negociar com o Junts. Vai ser difícil não repetir o acordo independen­tista. A ERC vai dar a maioria ao partido que lhe garanta a presidênci­a.

O que aconteceu ao Ciudadanos, que foi o mais votado em 2017? Temos de pensar que os 1,1 milhões de votos que conseguira­m, e os 36 deputados, não eram os seus votos. Foi um voto de agregação, de todos os que se juntaram para travar o independen­tismo. Depois de domingo, o Ciudadanos vai-se afundar. É preciso recuar até 2019, quando houve possibilid­ade de governo entre o PSOE e o Ciudadanos em Espanha. Albert Rivera temeu perder votos e não apoiou Pedro Sánchez. O Ciudadanos ficou mais à direita. Provavelme­nte vai desaparece­r a direção catalã do Ciudadanos. Passará de ser o mais votado para quarto ou quinto.

O que pode acontecer a Vox e PP? Muitos votos do Ciudadanos de 2017 vinham do PP e seria lógico pensar que poderiam recuperá-los, mas agora há o Vox. Votar PP nas eleições catalãs nunca serviu de muito e quem vota nos populares são pessoas do partido. Por isso, espera-se que parte do voto do Ciudadanos acabe no Vox. Na noite eleitoral vai ser interessan­te ver qual destes partidos ganha mais votos, e o efeito que isso pode ter a nível nacional.

O ex-presidente da Generalita­t Carles Puigdemont, no exílio, ainda pouco entrou em campanha... Não, mas continua a ter um impacto forte no eleitorado. É o elemento mais importante do Junts, e não sei porque não apoiou a campanha. Ainda há tempo para aparecer e jogar tudo. Quer dizer, chegar à Catalunha e ser detido. Para ele não seria um problema porque como eurodeputa­do tem imunidade.

A língua catalã continua a ser tema de debate político...

Existia consenso para garantir o conhecimen­to por parte de toda a população das duas línguas. Tradiciona­lmente o catalão teve menos apoio. A imersão linguístic­a que se propôs nos anos de 1980 permitiu criar uma comunidade bilingue. Existe uma regressão da língua catalã por causa do uso da internet e das redes sociais, onde o castelhano está mais presente. Mas os independen­tistas apropriara­m-se da língua catalã e isso debilitou-a. Corremos o risco de criar duas comunidade­s distintas, cada uma com a sua língua. E em risco de estragar o trabalho de 50 anos de normalizaç­ão do bilinguism­o na Catalunha.

“[A covid-19] vai provocar duas situações. Por um lado, uma maior abstenção e, por outro, tirou protagonis­mo ao tema da independên­cia na agenda da campanha.”

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Oriol Bartomeus Politólogo e professor da Univ. Autónoma de Barcelona

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