70% do emprego destruído foi entre os menos qualificados, mal pagos e jovens
Duas classes profissionais menos qualificadas foram responsáveis por quase 70% da destruição de emprego entre final de 2019 e final de 2020.
Portugal perdeu 48,1 mil empregos entre o final de 2019 e o último trimestre de 2020, período marcado pela pandemia. De acordo com os dados do novo inquérito ao emprego do Instituto Nacional de Estatística (INE) foram os pouco ou nada qualificados, os trabalhadores mais pobres e os mais jovens (e precários) que arcaram com o grosso do ajustamento.
No global, tendo em conta a dimensão da recessão em 2020, o volume do emprego até se aguentou, sofrendo uma contração de apenas 1% no quarto trimestre face a igual período de 2019 e de 2% no ano 2020 como um todo (face a 2019). Este último valor até foi cerca de metade da contração prevista pelo governo.
Os dados do INE deixam claro que quem tinha um contrato mais seguro, mais ligado a altas tecnológicas, mais qualificações, quem auferia um salário mais elevado e não estivesse ligado a dois setores cujos negócios assentam na proximidade entre pessoas (comércio e a dupla alojamento/restauração) conseguiu manter o posto de trabalho, indicam os grandes números do inquérito. O apoio do lay-off simplificado também foi decisivo para a manutenção de muitos destes empregos.
Fora destes universos, cenário negro
Quando se olha para o rol dos dez grupos profissionais principais, por exemplo, vê-se que houve perda líquida de empregos em sete deles, tendo sido responsáveis por uma destruição de emprego na ordem dos 270 mil postos de trabalho. Os grupos que mais perderam empregos foram o dos trabalhadores de serviços pessoais, segurança e vendedores e o dos trabalhadores não qualificados. Estes dois, que configuram trabalhos pouco ou nada qualificados, arcaram com quase 70% do ajustamento laboral em baixa entre o final de 2019 e o final de 2020.
A destruição de uns foi compensada com o forte aumento noutras profissões. Por exemplo, os chamados “especialistas de atividades intelectuais e científicas”, grupo ao qual pertencem médicos, enfermeiros, professores, engenheiros informáticos, conseguiu adicionar uns impressionantes 181 mil empregos novos no período da pandemia. Um aumento homólogo de quase 19%.
Já o binómio comércio (por grosso ou retalhista) e oficinas de reparação de veículos perdeu 48,3 mil empregos ao longo do ano passado. Foi seguido de muito perto pelos alojamentos, restaurantes e cafés, onde a destruição de emprego ascende já a 48,1 mil. Antes da pandemia, este setor que está profundamente ligado ao turismo empregava mais de 330 mil pessoas. Agora, são pouco mais de 282 mil.
Em contrapartida, as atividades de informação e de comunicação, as consultorias, atividades científicas e técnicas, e a educação conseguiram adicionar uma média de 31 mil novos postos de trabalho cada uma.
Os jovens e os vínculos mais precários continuam a ser os que mais sofrem com o ajustamento. Há menos 124 mil pessoas com contratos a prazo, uma quebra de quase 18%.
O grupo dos jovens com menos de 25 anos registou uma destruição de empregos superior a 18%. Há menos 56 mil pessoas empregadas nestas idades do que antes da pandemia. Os salários mais baixos, normalmente associados aos mais jovens, precários ou menos qualificados foram, também eles, os que mais desapareceram neste ajustamento. O INE dá conta de uma redução de quase 39 mil empregos na classe salarial dos 310 aos 600 euros líquidos por mês. E uma destruição de 94 mil postos de trabalho nos ordenados que vão dos 600 aos 900 euros.
Em termos absolutos, a classe salarial que mais cresceu foi a dos 1200 aos 1800 euros, onde agora há mais 123 mil trabalhadores do que antes da pandemia. Todos os salários mais elevados aumentaram em número de empregos.
Estes dois movimentos explicam por que razão o salário médio líquido da economia subiu durante a crise pandémica. Atualmente, está nos 968 euros. Dá um aumento superior a 6% face ao final de 2019.
O INE também publicou os resultados sobre o mercado laboral para o conjunto do ano. Em 2020, registou-se uma média de 350,9 mil pessoas desempregadas, mais 3,4% face a 2019. No entanto, a incidência do desemprego foi menos agressiva do que se esperava. A taxa de desemprego foi de 6,8%.
O indicador clássico do desemprego sofreu um problema grave em 2020. Por causa das medidas de confinamento, do encerramento obrigatório de muitos negócios e das barreiras à circulação, muitas pessoas ficaram sem trabalho, mas também não conseguiram sequer procurar ou encontrar ativamente emprego.
O INE tem indicadores alternativos. Por exemplo, a subutilização do trabalho, indicador que agrega desempregados, subemprego de trabalhadores a tempo parcial e inativos nas margens do mercado de emprego. Em 2020, estas várias formas de desemprego ou quase desemprego afetaram 751,8 mil pessoas, mais 9%.
Os acordos – que nem todos os sindicatos assinaram ainda – conseguiram salvar 1200 trabalhadores da TAP de irem para o desemprego através de medidas voluntárias. Mas há, ainda assim, cerca de 800 que deverão mesmo sair da empresa, de acordo com informações apuradas pelo DN/DV junto de fonte ligada ao processo. O número definitivo ficará claro depois de concluída a reestruturação. O plano, enviado para Bruxelas em dezembro, previa a saída de duas mil pessoas.
O sindicato que representa os tripulantes, na informação que enviou aos associados, indicava que “após uma longa maratona negocial, foi possível alcançar um acordo que protege 580 tripulantes do excesso identificado pela TAP. Este número não se encontra fechado, sendo certo que mais postos de trabalho poderão ser salvos em função da quantidade de tripulantes que aderirem às medidas laborais de adesão voluntária”. Podem ter de sair 170 tripulantes de cabine.
O sindicatos dos pilotos indicou também aos associados que se não for atingida a meta do plano de reestruturação, “a empresa terá de recorrer a medidas alternativas para o atingimento desse dimensionamento, nomeadamente em sede de cessação de contratos de trabalho”, sem quantificar.
Há sindicatos representativos dos trabalhadores da TAP que já assinaram os acordos de emergência, como o SITEMA, que indicou recentemente que “acordou um modelo de mitigação do impacto que reduz a zero os despedimentos entre os seus associados”. Para estes, os acordos entram em vigor, aplicando-se assim as medidas acordadas. Mas nem todos firmaram já os documentos. Tal como indicava ontem o Negócios, os pilotos, por exemplo, encontram-se divididos.