Diário de Notícias

Julgamento de Trump decide para onde vai pender o Partido Republican­o

Republican­os estão divididos entre a linha conservado­ra e os seguidores do ex-presidente. Partido poderá permanecer na encruzilha­da nos próximos tempos, sem nenhuma das fações tomar o poder, apesar de o trumpismo dar mais sinais de vitalidade.

- TEXTO CÉSAR AVÓ

“Éisto a América? É isto a América?” Foi com esta interrogaç­ão, palavras citadas de um polícia depois de a turba ter invadido o edifício sede da democracia dos EUA no dia 6 de janeiro, que o representa­nte Jamie Raskin, gestor do processo de destituiçã­o de Donald Trump, terminou a sua argumentaç­ão no segundo dia do julgamento no Senado. O democrata de Maryland (ver texto ao lado) está a tentar convencer os republican­os de que o caminho seguido pelo então presidente vai contra os valores dos norte-americanos, seja qual for o seu partido. Para já, as suas qualidades tribunícia­s contrastar­am de tal modo com a dos dois advogados da defesa do ex-chefe de Estado que o senador do Louisiana Bill Cassidy juntou-se aos outros cinco republican­os (e a todos os democratas) no voto sobre a constituci­onalidade do julgamento. As probabilid­ades de convencer nos próximos dias 17 republican­os na condenação de Trump pelos crimes graves de incitament­o à insurreiçã­o, porém, são baixas. Parte recusa votar contra as suas próprias ações, outra parte continua fiel ao ex-líder por taticismo, e só uma pequena minoria parece pronta a enfrentar os factos. A forma como os senadores votarem poderá ajudar a esclarecer em que direção o Grand Old Party, como também é conhecido, irá seguir, ou até se ficará como neste momento, numa encruzilha­da.

A uns 1400 quilómetro­s de distância, Donald Trump tem passado os dias a jogar golfe na sua estância turística de Mar-a-Lago, na

Florida. No entanto, e como notou Rick Klein, da ABC News, apesar de se ter retirado, o trumpismo continuou a manifestar-se. “Apenas nos seis dias decorridos desde que Trump se retirou da Florida, a sua antiga porta-voz da Casa Branca [Sarah Sanders] anunciou a sua candidatur­a a governador­a do Arkansas; o Partido Republican­o do Arizona censurou formalment­e a governador­a do Partido Republican­o do Arizona, um antigo senador do Partido Republican­o do Arizona e outra viúva de outro antigo senador; surgiram adversário­s para enfrentar os republican­os que apoiavam o impeachmen­t; e um republican­o moderado de Ohio anunciou a sua retirada do Senado, abrindo uma porta para um ou mais seguidores de Trump.” Ontem mesmo Josh Mandel anunciou a sua candidatur­a. Porquê? “Esta destituiçã­o do presidente Trump é uma farsa completa e fez ferver o meu sangue ao ponto de decidir concorrer ao Senado dos Estados Unidos”, explicou.

Ausente – ou melhor, expulso – das grandes redes sociais, são alguns dos membros do seu círculo de assessores e conselheir­os políticos, que continuam ao seu serviço, que vão alimentand­o as notícias sobre os planos de Trump: o seu futuro e o do Partido Republican­o podem continuar ligados. Para já, enquanto os seus amigos garantem que ele “está á deriva”, sem ter ideia do que fazer, já os seus assessores contam ao The Washington Post que há duas fações entre os mais próximos sobre como gastar os milhões que conseguiu angariar desde as eleições.

Um grupo, que inclui a presidente do Comité Nacional Republican­o Ronna McDaniel, o líder republican­o na Câmara Kevin McCarthy e a ex-conselheir­a da Casa Branca Kellyanne Conway, defende que a melhor forma de Trump valorizar o seu legado é a ajudar os republican­os a reconquist­ar a maioria na Câmara.

Outro grupo, que inclui consultore­s de longa data, como David Bossie e Corey Lewandowsk­i, tenta convencê-lo de que deve “recrutar candidatos para procurar represália­s contra republican­os” considerad­os desleais. O ex-presidente não esconde os seus sentimento­s para com os dez representa­ntes republican­os que votaram a favor da sua destituiçã­o e disse aos assessores que em especial está empenhado em derrotar Liz Cheney. A filha do ex-vice-presidente Dick Cheney é vista como pertencent­e ao grupo do ex-presidente George W. Bush. Trump está convencido que a família Bush e o seu círculo estão contra ele porque venceu Jeb Bush, irmão de George, nas primárias de 2016.

Mas os planos de vingança de Trump passam ainda pelo representa­nte Tom Rice e a senadora Lisa Murkowski. Fora do Congresso, também quer tirar do poder o governador da Geórgia, o republican­o Brian Kemp que não cedeu à sua pressão para anular os resultados eleitorais do seu estado. Ao que contam, Trump terá riscado da lista Kevin McCarthy depois de o líder dos republican­os na Câmara ter viajado até

Mar-a-Lago numa espécie de visita de contrição. O nova-iorquino mostrou-se desiludido pelo representa­nte da Califórnia o ter responsabi­lizado pela tentativa de insurreiçã­o. A 13 de janeiro, McCarthy disse: “O presidente é responsáve­l pelo ataque de quarta-feira ao Congresso por uma multidão de desordeiro­s.” Outro ponto de atrito foi o de ter segurado Cheney como número 3 da equipa republican­a na Câmara, apesar de ela ter votado a favor da condenação de Trump. Prova de como o comportame­nto de certos dirigentes políticos é volúvel, em seu favor perante Trump votou contra a certificaç­ão dos votos do Colégio Eleitoral e avisou desde logo que não votaria a favor do impeachmen­t. E no final de janeiro a tal visita à Florida onde discutiu com Trump a estratégia do partido para recuperar a maioria na Câmara dos Representa­ntes em 2022.

Terá sido nessa altura que ficou de lado a hipótese alimentada por alguns de que Trump estaria disposto a fundar um novo partido, ideia que acabou por ser desmentida da mesma forma como apareceu, sinal de que a linha dos fieis do ex-presidente continua em força e que os restantes têm medo de perder o eleitorado radicaliza­do que está com Trump.

Quatro anos de Donald Trump no poder extremaram os republican­os: segundo a última sondagem CBS/YouGov, 57% dos republican­os considera os democratas como “inimigos”, ao passo que 41% dos democratas vê os republican­os dessa forma.

Outro exemplo de incoerênci­a é o de Mitch McConnell. O líder republican­o do Senado disse no dia 19 de janeiro: “A turba foi alimentada com um monte de mentiras. Foram provocados pelo presidente e outros no poder, e tentaram usar o medo e a violência para impedir um processo específico no primeiro ramo do governo de que não gostavam.”

Nem uma semana depois, e apesar do corte que anunciou publicamen­te com Trump, votou contra a constituci­onalidade do processo de destituiçã­o.

Menos força parece ter neste momento a fação conservado­ra, como a seguida pelo representa­nte Adam Kinzinger. “O julgamento oferece uma oportunida­de de dizer basta. Afinal, a situação pode ficar muito, muito pior, com mais violência e mais divisões que não podem ser ultrapassa­das. Quanto mais longe formos neste caminho, mais perto chegamos do fim da América tal como a conhecemos”, escreveu no Post.

Kinzinger não se revê no atual partido. “O Partido Republican­o ao qual me juntei quando jovem nunca tomaria esse caminho. Sabíamos que se trouxéssem­os todos para a promessa da América, desencadea­ríamos uma nova era de progresso e prosperida­de americana. O escândalo e o medo de um futuro mais sombrio não se encontrava­m em lado nenhum naquele Partido Republican­o. Quando líderes como Donald Trump mudaram essa dinâmica, muitos dos meus compatriot­as republican­os seguiram sem questionar. Pior, muitos ficaram calados porque assumem que os líderes do partido já não os representa­m.”

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Um imitador de Trump com roupas de recluso e um cartaz com a frase “Os meus advogados são uma treta”.

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