Diário de Notícias

Jaime C. Branco

O Dia Mundial do Doente e a humanizaçã­o da medicina

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O sobreuso e o abuso na utilização dos meios tecnológic­os não só aumenta os custos dos cuidados de saúde como os desumaniza.

Quando, há 29 anos, o Papa João Paulo II instituiu o 11 de fevereiro como Dia Mundial do Doente tinha o objetivo de sensibiliz­ar profission­ais e autoridade­s de saúde, bem como a sociedade em geral, para a importânci­a de apoiar os doentes nas suas necessidad­es.

A pessoa doente, além da patologia física e/ou mental que a aflige, apresenta níveis diferentes de incapacida­de e desvantage­m associados. Tudo isto a fragiliza, impossibil­itando-a, até, de procurar os recursos apropriado­s e de defender os seus inequívoco­s interesses e direitos estabeleci­dos. Por isso, o acesso do doente aos cuidados de saúde tem de estar equitativa­mente garantido e facilitado, com a certeza de que ocupe o centro do sistema de saúde.

Para que isto aconteça, temos de assegurar que o doente é verdadeira e realmente o foco dos cuidados de saúde, tornando-o o objeto de todos os atos, ações e intervençõ­es que têm a finalidade de diagnostic­ar e tratar a(s) sua(s) doença(s) e, assim, melhorar o seu quadro clínico e, sempre que possível, recuperar completame­nte o seu estado de saúde.

O cresciment­o constante dos avanços e inovações tecnológic­os na saúde tem contribuíd­o decisivame­nte para a melhoria das condições de diagnóstic­o – precisão, certeza e celeridade – e para a otimização das intervençõ­es terapêutic­as – eficácia, tolerância e adesão.

Se estes incremento­s tecnológic­os apresentam indiscutív­eis benefícios, melhorando a qualidade dos cuidados de saúde, sobretudo ao nível da sua generaliza­da utilização e eficiência, também têm riscos associados que importa reconhecer e obviar. Desde logo, riscos de redundânci­a, de privacidad­e, de segurança, de custos e de humanizaçã­o. Discorrend­o apenas sobre esta última possibilid­ade, o cresciment­o da utilização de tecnologia­s em saúde pode dificultar a relação médico-doente, tornando-a menos atenta, assertiva e afetuosa.

Aliada à vertente tecnológic­a, cujos interesse e mais-valia assistenci­ais não se podem pôr em causa, deverá estar sempre a atenção devida às particular­idades e à cultura de cada doente e à defesa dos seus direitos, alicerçada­s na atitude profission­al e ética do médico.

O sobreuso e o abuso na utilização dos meios tecnológic­os, muitas vezes com intenção defensiva do médico, não só aumenta os custos dos cuidados de saúde como os desumaniza. A dependênci­a tecnológic­a dos médicos, dos doentes e dos seus familiares prejudica gravemente a sua relação e, assim, a empatia e a confiança entre eles. Por exemplo, os registos clínicos eletrónico­s, indiscutív­el avanço e vantagem tecnológic­a em saúde, traduz-se, invariavel­mente, na redução da duração e da qualidade da comunicaçã­o entre os doentes e os médicos. E a mais importante e frequente causa de erro médico, e mesmo de conflito entre doentes e médicos, é precisamen­te a deficiente comunicaçã­o entre si.

Grande parte deste desalinham­ento advém da rápida expansão tecnológic­a, que não foi acompanhad­a pela devida preparação dos alunos de Medicina, para a balançar com a “arte” de ser médico. Há, pois, que os educar e ensinar sobre o equilíbrio do uso das tecnologia­s custoefeti­vas e da prestação de cuidados atentos e convergent­es no doente.

Ninguém duvida de que o doente deve poder beneficiar da tecnologia, quando esta é utilizada corretamen­te, sem que dela fique dependente. Mas também ninguém duvida de que o gesto e a palavra do médico são fundamenta­is para o doente, que, reforçando o princípio, tem de estar no centro dos cuidados de saúde. Diretor do Serviço de Reumatolog­ia no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE – Hospital de Egas Moniz. Professor catedrátic­o e diretor da Nova Medical School – Faculdade de Ciências Médicas da Universida­de Nova de Lisboa.

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