Diário de Notícias

João Almeida Moreira

Os paralelepí­pedos de Covas

- Jornalista, São Paulo

Políticos do tipo Bolsonaro não nascem do nada: são fruto de juízes justiceiro­s, de fanatismo religioso, de fake news, mas também de muita incompetên­cia da classe política.

Nas últimas eleições municipais, o Brasil festejou a derrota do Bolsonaris­tão – afinal, todos os principais candidatos apoiados pelo presidente haviam perdido.

Do diabólico bispo Marcelo Crivella, sobrinho de Edir Macedo, para a prefeitura do Rio de Janeiro, a Wal do Açaí, senhora a quem, por longos anos, os contribuin­tes brasileiro­s pagaram como assessora de Bolsonaro em Brasília mas que não passava de uma vendedora de fruta em Angra dos Reis, onde concorria a vereadora.

Passando por Carlos Bolsonaro que, de 106 mil votos como vereador do Rio, em 2016, só obteve 35 mil, em 2020, um castigo eleitoral adequado a quem passou os quatro anos do mandato a elaborar dossiês criminosos contra velhos e novos inimigos do papai.

Dessa forma, o candidato de centro-direita Bruno Covas, vencedor na maior prefeitura do país, São Paulo, mesmo batendo um candidato muito esquerdist­a, Guilherme Boulos, do PSOL, arrancou um sorriso da esquerda à direita.

Afinal, além de estar a recuperar de grave doença e de ter deixado para trás logo na primeira volta Celso Russomanno, o sinistro escolhido do Planalto, Covas é adepto de vacinas cientifica­mente comprovada­s e não de remédios tomados apenas pelo gado bolsonaris­ta; tem a certeza de que a Terra é redonda; não acredita que o mundo seja governado por uma aliança de pedófilos satanistas; e dá como certo que John Kennedy esteja morto e que Neil Armstrong pisou a Lua.

Em certa medida, como já foi escrito aqui, Bolsonaro não dividiu o Brasil – teve o mérito até de fazer a direita e a esquerda sãs recordarem que é muito mais o que as une – a democracia, a civilizaçã­o, a ciência, a lógica – do que o que as separa – caminhos económicos e sociais diferentes.

Mas políticos do tipo Bolsonaro não nascem do nada: são fruto de crises económicas, de juízes justiceiro­s, de fanatismo religioso, de fake news, mas também de muita incompetên­cia da classe política tradiciona­l, onde sempre transitou Covas.

Essa incompetên­cia revela-se na construção de muros entre ela, a classe política, e o povo. Razão pela qual Bolsonaro é sempre cuidadosam­ente fotografad­o com roupas casuais, a comer pratos simples, a rir de uma piada alarve, enfim, a mostrar-se igual ao seu potencial eleitor.

Pois Covas precisou de um mês para mostrar essa incompetên­cia. Para criar esse muro. Para nos fazer lembrar como e por que razão o Brasil virou Bolsonaris­tão.

Na véspera de Natal, aumentou, com a conivência da Assembleia Legislativ­a, o próprio salário em 47% porque, alegou, “os números estavam desfasados” – como terá isso soado aos ouvidos de milhões de desemprega­dos em plena pandemia?

No dia da final da Taça dos Libertador­es resolveu ir com o filho ao Maracanã mesmo recomendan­do confinamen­to à população e mandado fechar o comércio da sua cidade. Para fazer chorar as pedras da calçada, alegou ter querido dar uma alegria ao filho e acabado de sair de uma sessão de radioterap­ia, como se o seu herdeiro e a sua doença fossem prioritári­as em relação aos herdeiros e às doenças dos que governa.

E, por falar em pedras da calçada, numa ideia de fazer inveja a Brilhante Ustra, o torturador que Bolsonaro idolatra, mandou instalar paralelepí­pedos debaixo de viadutos de São Paulo para impedir o uso do local pelos sem abrigo paulistano­s.

Com um Brasil assim, não nos admiremos se tivermos mais quatro anos de Bolsonaris­tão, a partir de 2022.

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