A MINHA CIDADE VAZIA
Líder dos UHF sente o “festim das energias adormecido” na cidade onde cada um está preso “ao seu refúgio sob o ferrolho do silêncio”.
Um dia, há um ror de tempo, escrevinhei este verso: “Andei pelos bares da cidade à procura de conforto.” A canção recebeu o título Quero Estoirar. E Uma Oração e foi editada em 1988. Mas o poeta é um fingidor, ungiu-nos o caminhante que vai à frente.
Naquela noite das fotos, palmilhei o alcatrão húmido da chuva, senti o festim das energias adormecido, preso cada um ao seu refúgio sob o ferrolho do silêncio – nem um cão cinematograficamente a uivar, ou o grito “viziiiinhaaa”, nada, nem um riso de criança – apenas o negrume e as carroçarias escorrendo lágrimas junto aos passeios. As persianas fechadas, lojas abandonadas, sem velhos à porta pendurados na última beata com os penáltis negados à conversa.
Silêncio fustigado por mais silêncio; oiço o único raspar das minhas solas. Os candeeiros curvam-se à nossa passagem; sigo o homem da lente na faixa de rodagem.
Ausência de caras e cores, copos nas mãos, movimento na rua nobre de Almada velha – o país vai precisar de muita coragem para soprar o medo que a reclusão arrumou. O cérebro, mandrião, encolhe-se e escolhe o normal, porra!, nunca esse novo normal pindérico que nos oferecem nas notícias do óbvio repetido por mais doses de óbvio.
A cidade tem os seus roncos escondidos – agora uns pingos de água. Um carro da polícia chega com luzes azuladas, sobe o passeio e o homem da farda entra na farmácia.Vem um carro da Baixa da cidade, dois, nunca três, e o metro desliza sobre os carris no único uivo que lacera a noite.
Poucas luzes se debruçam dos andares, claridades esbatidas por cortinas, calafetadas pelo grude do medo que atravessa a solidão. A janela da TV imobiliza o olhar, há uma guerra declarada, hospitais inundados de baixas e heróis vestidos de preservativos para cuidar dos feridos. Há contágio, o contágio do medo, a partida do vazio. Um sino ecoa sem cânticos.
Sobre a minha cidade não se houve o roncar dos aviões nem o silvo