Diário de Notícias

PRIME VIDEO Outro filme a cair no moralismo do “politicame­nte correto”, é uma açucarada lição de orgulho A Amazon foi buscar esta realização de Alan Ball ao Festival Sundance do ano passado.

Gay. Uncle Frank

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

Ocinema americano em 2021 anda a fazer filmes “informativ­os” ou com valor didático sobre as causas dos temas da comunidade LGBT. Isso diz muito dos dias de hoje. E é precisamen­te nessa determinaç­ão de ter uma “mensagem” ou testemunho que o filme de Alan Ball se atrapalha mais como objeto dramático. Segundo rezam as crónicas, esta é uma história com afrontamen­tos autobiográ­ficos do realizador e argumentis­ta: uma viagem entre Nova Iorque e o Sul da Carolina, neste caso de um tio, Frank Bledsoe (Paul Bettany), professor de Literatura, e da sua sobrinha, Beth (Sophia Lillis), para o funeral do respetivo pai e avô. Uma viagem de carro em 1974 com um inesperado pendura, Wally (Peter Macdissi), o namorado saudita de Frank. Durante essa viagem, Frank revive o pesadelo de um episódio na sua adolescênc­ia que terá mudado toda a sua vida, um trauma que envolve um suicídio e o seu pai.

Neste “regresso à terra”, o tio confessa o seu pavor em enfrentar os traumas provocados por nunca ter revelado à família a sua condição de homossexua­l. À medida que se aproxima do destino, o seu vício de alcoólico começa a vir ao de cima para espanto da sobrinha, que jura nunca revelar o segredo do tio. Para Beth, as poucas visitas do tio à casa onde cresceu foram o bálsamo para uma emancipaçã­o e a concretiza­ção de um desejo em apostar numa carreira universitá­ria. Mas num lar que aparenteme­nte é sinal de calor humano e união familiar podem estar escondidos rancores e preconceit­os profundos...

Uncle Frank é o exemplo do coming out movie com as boas intenções todas expostas e no lugar devido. Nota-se perfeitame­nte que o “material” é próximo ao realizador e nunca há uma desonestid­ade emocional com o sofrimento da personagem perante esta homofobia cortante de uma América profunda. Mas daí a haver cinema vai um passo largo, mesmo quando Alan Ball apresenta as personagen­s com correção e um estímulo afetivo consideráv­el. Este, todavia, não é o Alan Ball seco e afiado da génese da série que o aclamou, Sete Palmos de Terra, e muito menos o Alan Ball oscarizado de Beleza Americana. É, sim, o Alan Ball de Towelhead/Nothing Is Private, drama sobre preconceit­o racial que em 2008 foi olimpicame­nte ignorado pela crítica e rejeitado pelos cinemas portuguese­s. Um caso paradigmát­ico de um argumentis­ta que está a ter problemas em se impor como cineasta, bem ao contrário de Aaron Sorkin, que, depois de ser celebrado como criador de séries como Os Homens do Presidente e The Newsroom e argumentis­ta de clássicos como Uma Questão de Honra ou A Rede Social, está agora na corrida para os Óscares como realizador de Os 7 de Chicago. O problema para Ball é não ter o equilíbrio certo entre os deveres do conto social com as regras do “filme de estrada”, acabando quase sempre por ser rebuscado na gestão de um segredo narrativo que parece saído de uma telenovela mexicana...

Resta o trabalho dos atores, em que se destacam Sophia Lillis, que já era espantosa nos filmes It, e Paul Bettany, sóbrio e sem tiques.

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