Camilo Castelo Branco
pais de ambos, inimigos figadais, jamais consentiriam no casamento que ambos sonhavam. Furioso com a determinação da filha em não se casar com um primo, Baltasar Coutinho, Tadeu de Albuquerque encerrá-la-á num convento e os acontecimentos precipitar-se-ão de forma trágica. O último conforto de Simão será Mariana, filha do ferrador João da Cruz, que, mesmo sem esperança de ser correspondida no seu amor, o acompanhará na desgraça.
Camilo, que nesse inverno de 1861 sentia a aflição de o terem separado à força da sua amada Ana Plácido, resume, neste português sublime, o desespero de Simão: “O pão do trabalho de cada dia e o teu seio para pousar uma hora a face, pura de manchas: não pedi mais nada ao Céu. Achei-me homem aos 16 anos. Vi a virtude à luz do teu amor. Cuidei que era santa a paixão que absorvia todas as outras, ou as depurava com o seu fogo sagrado. Nunca os meus pensamentos foram denegridos por um desejo que eu não possa confessar alto diante de todo o mundo. Diz tu, Teresa, se meus lábios profanaram a pureza de teus ouvidos. Pergunta a Deus quando quis eu fazer do meu amor o teu opróbrio.”
Este tom, que conquistava milhares de leitores em meados do século XIX, não retira a Amor de Perdição o poder da ironia e da acutilância com que o escritor observava a sociedade portuguesa do seu tempo. Como acontece quando se refere à comunidade de freiras que acolhe Teresa de Albuquerque: “Mas quem tem 55 anos de convento tem muita experiência do que vê penar às outras doidivanas. E, para não ir mais longe, estas duas que daqui saíram têm pagado bem o seu tributo à asneira, Deus me perdoe se peco. A organista tem já os seus 40 bons, e ainda vai ao locutório derreter-se em finezas.”
Crente, Camilo, como muitos outros escritores portugueses do século XIX (de Garrett a Eça de Queirós) mostrava-se, no entanto, profundamente crítico com a Igreja, o que lhe valeu não poucos dissabores e polémicas. No entanto – contradições do género humano –, seria, em grande parte, graças à intercessão do bispo de Viseu, D. António Alves Martins, que o rei D. Luís atribuiria ao escritor o título de visconde de Correia Botelho.
“Sou o cadáver representante de um nome que teve alguma reputação gloriosa neste país durante 40 anos de trabalho. Chamo-me Camilo Castelo Branco e estou cego.” Com esta carta, citada na abertura do filme de Manoel de Oliveira, o primeiro autor português a viver exclusivamente da sua atividade literária sintetizava a amargura dos seus últimos anos. Mas a verdade é que a vida de Camilo estiver sempre, em paixão e tragédia, ao nível da sua obra. Nascido na Rua da Rosa, em Lisboa, a 16 de março de 1825, foi registado como “filho de mãe incógnita” já que o avô paterno não considerava a companheira do filho digna da sua linhagem de aristocrata transmontano. Órfão de mãe aos 2 anos e de pai aos 9, foi criado em Vila Real por uma tia paterna, cedo revelando a vocação para as letras, por um lado, e para os amores fatais, por outro. A relação com Ana Plácido, casada com Manuel Pinheiro Alves, nasceria num baile de Carnaval em 1856 e levá-los-ia a ambos à prisão, por adultério, em 1861. Após a morte do marido dela, casar-se-iam e teriam juntos dois filhos. Mas não foram felizes para sempre. Nos últimos anos de vida, passados na quinta de São Miguel de Seide, o escritor viveu a morte precoce de um dos filhos, a loucura de outro e, finalmente, a cegueira. Suicidou-se a 1 de junho de 1890.
As suas obras principais são:
O Dia do Desespero,
A Filha do Arcediago, 1855; Onde Está a Felicidade?, 1856; Vingança, 1858; O Romance dum Homem Rico, 1861; Amor de Perdição, 1862; Memórias do Cárcere, 1862; O Bem e o Mal, 1863; Vinte Horas de Liteira, 1864; A Queda dum Anjo, 1865; O Retrato de Ricardina, 1868; A Mulher Fatal, 1870; O Regicida, 1874; Novelas do Minho, 1875-1877; Eusébio Macário, 1879; A Brasileira de Prazins, 1882. Além destas obras em prosa narrativa, dedicou-se à poesia, ao teatro (de que se devem destacar O Morgado de Fafe em Lisboa, 1861, e O Morgado de Fafe Amoroso, 1865), dezenas de traduções (do francês e do inglês), polémica, prefácios, biografia, história, crítica literária, jornalismo e epistolografia (um conjunto que inclui mais de duas mil cartas).