Diário de Notícias

Eanes, o Império e a Catalunha

- Leonídio Paulo Ferreira Diretor adjunto do Diário de Notícias

“Sem Império dificilmen­te teríamos mantido a independên­cia em certas épocas. Seríamos uma Catalunha ‘menos’”, disse o general Eanes, reagindo à retirada dos brasões coloniais da Praça do Império. Mesmo proferida noutro contexto, a afirmação do antigo Presidente sobressai quando se está em fim de semana eleitoral na Catalunha, região de Espanha em que, em vez de escolher um governo, cada votação se tornou um braço-de-ferro entre os campos espanholis­ta e independen­tista. O eleitorado costuma partir-se quase ao meio, mas o sistema tende a dar uma ligeira maioria no parlamento de Barcelona à soma dos partidos que defendem o corte com Madrid e desta vez não deverá ser diferente, mesmo que o socialista Illa, até há pouco ministro espanhol da Saúde, seja o favorito.

No confronto que vem pelo menos desde o referendo de 2017, que levou à prisão de alguns líderes independen­tistas e ao exílio de outros (incluindo o presidente regional Carles Puigdemont), poucos desenvolvi­mentos têm acontecido. E nem mesmo a substituiç­ão do conservado­r Rajoy pelo socialista Sánchez como primeiro-ministro espanhol contribuiu para um verdadeiro diálogo. A própria emergência à direita de um novo partido, oVox, nascido de uma reação espanholis­ta, dificulta a busca de uma solução, que poderá exigir uma revisão da Constituiç­ão de 1978, no sentido do federalism­o.

No argumentár­io independen­tista há referência­s a Portugal .Tentando construir uma narrativa favorável às suas ambições, referem muito 1640, quando D. João IV fundou a dinastia dos Braganças, dizendo que os catalães se revoltaram também contra Filipe IV, que acabou por reprimir a oriente e não a ocidente. Especulam que poderia hoje existir um país Catalunha.

O verdadeiro problema dos independen­tistas catalães é convencer a União Europeia de que a sua luta é legítima, mesmo que não haja opressão nem política nem cultural e sejam mais ricos do que o resto de Espanha. E sobretudo que contem com um claro apoio da maioria da população. Mas tentarem uma analogia histórica com Portugal é abusivo. Quando Espanha nasceu, nesse 1492 da conquista de Granada e da descoberta da América, Portugal já contava com três séculos de história, enquanto a Catalunha, parte de Aragão, tinha como soberano Fernando, marido de Isabel, de Castela.

Enquanto parte da Coroa de Aragão, a Catalunha teve um pequeno império mediterrân­ico, próspero mas nada comparável com o português. Esse império foi respeitado por Filipe II em 1580 (Goa manteve um português como vice-rei) e mostrou lealdade a D. João IV seis décadas depois, jurando-lhe obediência no seu todo, com a exceção de Ceuta. Sem o Império talvez não tivéssemos uma monarquia dual mas sim um anexação, tal como sem o Império D. JoãoVI não teria Brasil onde se refugiar de Napoleão, e sem Império talvez os planos de conquista de Franco não tivessem ficado na gaveta.

Eanes, que foi um bravo militar e um político excecional, é também um amante da história. Quando refere que, sem o Império, Portugal seria uma Catalunha “menos” está a prestar uma homenagem ao “mais” que se tornou essa região, com cultura e língua próprias e pujante economicam­ente. Resta saber se teria essa pujança sem ser parte de Espanha e também o que seria hoje Espanha se a Catalunha não fizesse parte dela. Já Portugal, é Portugal.

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