Os idos de março, história política do futuro
Conta Plutarco que, nos idos de março do ano 44 a.C., o ditador Júlio César foi assassinado de forma precipitada por um grupo de senadores republicanos. A falta de um plano posterior levou à desordem e à confusão que originou uma guerra civil feroz e cujo desenlace mudou a história do Ocidente, com o desaparecimento do regime democrático republicano e a consolidação do regime autocrático imperial.
Nos idos de março, mas do ano 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a primeira pandemia do século XXI. Apesar de já se conhecerem desde janeiro as suas trágicas consequências na China, será nesse 11 de março que o Ocidente caiu na incerteza, no meio da incredulidade do presente e o temor pelo futuro. Os efeitos ainda imprevisíveis já têm o regime democrático na sua lista de vítimas e, tal como na Roma Antiga, o desenlace pode ser uma mudança política de grande magnitude.
O filósofo Byung-Chul Han afirma que a rápida expansão, o alto contágio e a mortalidade da covid-19, além da falta de vacinas e métodos de tratamento, revelariam as grandes debilidades e incapacidades dos regimes sociais e políticos democráticos que, por sua vez, poriam em crise os modelos de Estado ocidentais.
No seu relatório de 2020, a Comissão Económica para a América Latina e Caraíbas (CEPAL) destaca que a pandemia acentuou a queda de 5,3% do PIB e o aumento de 3,4% do desemprego com efeitos negativos diretos sobre os rendimentos das famílias assim como a possibilidade de satisfazer as suas necessidades básicas. Em consequência, afirma que a América Latina “não tem outra opção estratégica que não seja avançar para um modelo de desenvolvimento mais sustentável” e acrescentamos que, para cumprir esse propósito, será necessário rever a organização política que sustenta esse modelo.
Aquelas rígidas medidas de prevenção adotadas em março, como o confinamento e o distanciamento social, replicam-se perante a emergência de uma segunda vaga e as vacinações em massa encontram obstáculos na produção do fármaco, na organização e na logística para a sua aplicação. Nestas condições é muito difícil estabelecer prazos para uma possível contenção da pandemia e, portanto, existe a incerteza sobre os efeitos (danos e prejuízos) que a pandemia pode produzir. Confirmam-se as conclusões de López-Calva, diretor regional do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), de que “enfrentamos um desafio colossal” de carácter multidimensional e que se estendeu para além dos sistemas de saúde, vacinas, medicamentos e terapias.
Por outro lado, quando estamos quase a completar o primeiro ano da pandemia, revelam-se as graves debilidades sociais e políticas das organizações estatais e as deficiências dos regimes políticos vigentes. A lógica parecia indicar que os Estados mais pobres e com instituições mais débeis seriam os mais afetados. No entanto, as potências globais mais ricas e sólidas como os Estados Unidos, a União Europeia ou potências regionais como o México, a Índia ou o Brasil, são as que sofrem os efeitos devastadores da pandemia. Os protestos e as manifestações radicais dos seus cidadãos fizeram que a invasão do Capitólio e as escaramuças nas ruas de Amesterdão desviassem as manchetes dos meios de comunicação e a atenção global dos conflitos de países pobres em África ou na América Latina.
A covid-19 põe a nu problemas estruturais preexistentes e confronta as nossas sociedades com acontecimentos complexos e em múltiplas dimensões, que questionam os modelos de organização do Estado assim como os sistemas de gestão para governar. O desafio desta geração será rever e transformar o regime político, e a curto prazo enquanto ocorre a pandemia.
Como repetimos há dois mil anos com o adivinho Espurina, os idos de março já chegaram mas ainda não terminaram. É imperativo aprender com a experiência romana, rever as formas de enfrentar e retificar o modelo de desenvolvimento económico, político e social vigente.