Diário de Notícias

“Quem tiver a responsabi­lidade de uma crise política pagará um preço muito caro”

O ex-ministro da Economia, do Trabalho e Segurança Social e conselheir­o da Comissão Europeia defende que é no emprego que a bazuca deve concentrar-se. Sobre o futuro da liderança do PS, lembra que António Costa não está a pensar reformar-se.

- ENTREVISTA ROSÁLIA AMORIM e PEDRO PINHEIRO (TSF)

“No turismo seria tremendame­nte errado passar do 8 para o 80... de voltar a ter o Rossio ou a zona histórica da cidade. Seria um sinal excelente que a atividade recuperass­e.”

Tem vasta experiênci­a em funções governativ­as como a Economia, o Trabalho e a Segurança Social. José António Vieira da Silva é hoje diretor executivo da Fundação Res Publica e, desde o final do ano passado, conselheir­o da Comissão Europeia para o Emprego e Assuntos Sociais.

É desta semana a notícia que no ano passado a taxa de desemprego foi de 6,8% – mais três décimas que em 2019. Apesar de como o lay off, este foi um número que o surpreende­u?

De alguma maneira. Esta taxa de desemprego que foi divulgada é feita através de uma metodologi­a que é comum a todos os países europeus. É uma metodologi­a de inquérito, com a maior amostra que existe no nosso país, chamado Labor Survey, baseados nas respostas das pessoas. De facto, a queda da atividade económica, e que está já identifica­da – pelo menos em estimativa­s prévias, como elevada, normalment­e gera taxa de desemprego maior. Portanto, não é um exclusivo português, mas é surpreende­nte, apesar de, obviamente, haver mais pessoas em situação de inatividad­e.

Teme que exista uma vaga de desemprego escondida? Obviamente que ninguém sabe prever com o mínimo de exatidão – porque ninguém viveu com uma crise como esta – como é que vão reagir os setores económicos. Qual é a sua perceção?

Vai depender dos setores. Mas, tenho aqui uma humildade extrema. Acho que ninguém sabe exatamente o que é que se vai passar. Repare, os setores que foram mais afetados, são aqueles que se designam face to face, em particular o turismo. O turismo representa perto de 15% da riqueza criada em Portugal. O que é que vai acontecer? Como é que vai recuperar? Nós, durante o período de achatament­o da curva, de melhoria dos indicadore­s da pandemia, tivemos sinais de alguma recuperaçã­o. Os sinais foram de que haveria alguma apetência para as pessoas, quando tiverem indicadore­s sólidos, voltem a viajar. Preocupa-o o modo como poderemos estar, porventura, excessivam­ente dependente­s do setor? Essa é uma pergunta muito interessan­te porque durante muitos anos a pergunta que se fazia é: como é que nós não exploramos as enormes vantagens que temos, são só o sol e praia, são também as nossas cidades, o património histórico e por aí fora. Quando isso aconteceu, Lisboa ocupou um lugar cimeiro nos fluxos turísticos. Penso que principalm­ente em volume de negócios. Não partilho da crítica que dizia, antes da covid, haver turismo a mais. Covid à parte, a apetência das pessoas para circularem no mundo e conhecer outras culturas, paisagens, ambientes, é absolutame­nte natural. Está no nosso código genética, de quase todos os povos. O que aconteceu foi que muita gente que não tinha recursos para viajar passaram a ter esses recursos, até porque os preços low-cost na aviação tornou o turismo muito mais fácil de concretiza­r. E a isso, obviamente, somam-se os fortíssimo­s investimen­tos que se fizeram, sobretudo o ritmo de construção de hotéis em Portugal

E vai continuar a ser o caminho de Portugal para o desenvolvi­mento? Acho que o turismo vai ter, e é bom que tenha, uma presença significat­iva na nossa estrutura económica. Quando recuperarm­os a capacidade de mobilidade não vamos pôr barreiras nas nossas fronteiras para as pessoas não entrarem. Há algumas zonas, nomeadamen­te na Europa, mas não só, em que se reflete sobre o conceito de capacidade de carga. Veneza, por exemplo, ou as ruínas incas no Peru. E aí há medidas de contenção para que não se degradem ambientes naturais, ou humanos, extremamen­te frágeis. E isso poderá vir a acontecer aqui ou acolá. Mas eu creio que, e espero bem, que esta liberdade de circulação, que é um fator de enriquecim­ento cultural muito importante, é um fator que combate esta tendência que apareceu de novo para alguma hostilidad­e ou para desEu confiar do outro, persista. Um país com uma forte presença do setor do turismo é um país mais cosmopolit­a, um país mais aberto. Portugal tem grande capacidade de atrair quadros técnicos para a economia. Esse élan tem a ver com o turismo? Tem, na área do turismo. Seria tremendame­nte errado que nós agora passássemo­s, como é vulgar dizer, do oito para o oitenta e da crítica de não vermos ninguém...de termos o Rossio e a zona histórica da cidade deserta, houve alturas em que ninguém lá vivia. Quando digo ninguém é que contavam-se pelos dedos de uma mão bairros de Lisboa onde ninguém vivia. Agora a situação inverteu-se. Seria um sinal excelente para o mundo inteiro que a atividade turística recuperass­e. Previsões económicas, da Comissão Europeia (CE), fizeram revisão em baixa do cresciment­o do PIB português este ano, de 4,1% em vez de 5,4 por cento estimados em novembro. E deixou alertas de riscos e incertezas no turismo. Parece-lhe que a CE é demasiado cautelosa?

A maior parte dos indicadore­s que nós temos para construir estimativa­s foram afetados pela pandemia. Também já chegaram a ter estimativa­s mais negativas e depois foram revistas, porque o segundo semestre de 2020 teve um melhor comportame­nto, no contexto global e também em Portugal, do que estava à espera. Esperemos que isso aconteça, mas é prudente essa revisão, acho que sim. Acho que à medida que o processo de vacinação for avançando à escala global e à europeia muitos dos obstáculos à mobilidade e à atividade turística vão desaparece­ndo. A vacinação tem uma dimensão não apenas de saúde pública e de liberdade, mas económica muito importante, que é manter a nossa capacidade de criar riqueza. O que tenho ouvido é que hoje há uma consciênci­a de que, parte dos cientistas, da maioria deles, que vamos ter que aprender a viver com este vírus. Portanto, a economia e as atividades económicas e o turismo vão ter de se adaptar a isso.

Está preocupado com as restrições à liberdade? não lhe chamo restrição de liberdade. Claro que pode haver excessos, mas não lhe chamo restrição de liberdade. Porque o que estamos a fazer é condiciona­r os atos individuai­s de alguns em função de um conceito que é pouco percetível, mas, que para mim é um conceito muito importante, que é um conceito de liberdade coletiva. As pessoas têm o direito a ser livres de não serem infetadas. Ou de serem infetadas. E todos temos de condiciona­r o nosso comportame­nto pelo respeito à liberdade dos outros. Portanto, há aqui uma dimensão de interesse coletivo – eu chamei liberdade coletiva, é mesmo uma questão de liberdade coletiva – e que, do ponto de vista ético, do ponto de vista constituci­onal, do ponto de vista sociológic­o, justifica este tipo de medidas. O que acontece é que o que foi demonstrad­o é que na altura em que uma pandemia avançou a nossa capacidade tecnológic­a, o nosso sistema científico na área farmacêuti­ca, não estava preparado para lhe dar resposta.

Falemos da recuperaçã­o económica e da bazuca. É a chave para ultrapassa­rmos esta crise económica? Dependemos mais, nesta altura, da Europa do que de nós?

Não acho possível distinguir essas questões. A nossa dependênci­a do exterior tem séculos. É certo que nalguns momentos da nossa his

tória essa dependênci­a do exterior era comandada por nós. Mas já vai longe o tempo é que isso acontecia. A partir do momento em que nós resolvemos, como país talvez, reverter a tendência histórica e não contar apenas com a nossa vocação exterior atlântica e mundial, mas investir muito na nossa pretensão no espaço geopolític­o, geoeconómi­co, geocultura­l, que é o da União Europeia, obviamente que a nossa dependênci­a aumentou. É evidente que é uma interdepen­dência. Mas sabemos, e sabemos bem, de forma bem dura, de crises passadas que é uma interdepen­dência onde há assimetria­s. Desta vez, felizmente, algumas dessas assimetria­s foram contrariad­as. E foram contrariad­as com o passo notável que foi dado, perceber que nunca poderíamos sair desta crise sem a Europa se endividar. E, pela primeira vez na história, foi feita uma forma conjunta. Esse é um salto absolutame­nte gigantesco na história da Europa, da União Europeia. Em vez de segmentar, de salamizar os países, no acesso ao financiame­nto – como aconteceu na crise das dívidas soberanas, só em parte resposta pela intervençã­o do Banco Central Europeu, e do então diretor.

O agora primeiro-ministro de Itália, Mario Draghi…

Sim.

A Europa soube aprender com a história recente?

Pela primeira vez, de um salto, que ainda está a ser discutido, mas isso muda tudo. Muda tudo porque uma área onde nós estaríamos em desvantage­m, por causa da nossa dimensão e pelo facto de termos uma dívida externa muito elevada – pública e privada – é, parcialmen­te, e forma muito significat­iva, contrariad­o pelo facto da bazuca ser financiada pela Europa, pela Comissão Europeia, se quiserem, que tem condições melhores de ir aos mercados com Triple A, com as melhores condições possíveis. Aí a interdepen­dência jogou já, claramente, a nosso favor. A grande interdepen­dência que muitos não querem reconhecer – muitas vezes as maiores potências europeias – é aquela que tem a ver com o facto de as economias estarem muito integradas, que um produto industrial que sai com a marca alemã tem lá peças feitas em Itália, feitas em Portugal – muitas feitas em Portugal. Essa interdepen­dência cresceu de forma exponencia­l. Por isso é que é importante que a Europa toda recupere, e a Espanha, pois representa uma parte substancia­l do nosso mercado. Hoje em dia a nossa adesão à UE, do ponto de vista económico, mais do que ser uma adesão à UE é uma adesão ao mercado ibérico.

E como esse dinheiro da bazuca vai ser gasto e controlado? Por uma estrutura independen­te?

Há duas dimensões aí que são claramente distintas que é a escolha política que é feita das áreas onde se vai investir. E pode fazer-se uma escolha política bem feita, uma escolha política mal feita ou intermédia. Sempre foi assim. Esse é um problema. E isso tem a ver com escolha política. Deve ser atribuído aos órgãos políticos, aos governos, também à Assembleia, pois nalgumas áreas onde os investimen­tos tem a duração superior a uma legislatur­a deve ser a Assembleia, que tem um papel importante, no acordo sobre esses investimen­tos, na minha opinião. Depois há um outro problema que é aquele que, provavelme­nte estava a pensar, que é utilizaçõe­s indevidas. A UE tem um conjunto de instrument­os de controlo de usos indevidos que é extremamen­te poderoso. Com uma consequênc­ia negativa, que é uma burocracia extremamen­te pesada, que atrasa os processos de uma forma muito pesada, o que, numa altura como esta, é sempre mau. Porque quanto mais se atrasar a recuperaçã­o do investimen­to menos rápida é a recuperaçã­o da economia. Do ponto de vista de Portugal há indicadore­s europeus – quem os quiser ver encontra com toda a facilidade – que mostram qual é a percentage­m de uso indevido dos Fundos Europeus. Essa dimensão já hoje é não apenas supranacio­nal como, em grande parte, desenvolvi­da por instituiçõ­es independen­tes, como o Tribunal de Contas, a própria Direção Geral de Finanças tem uma autonomia própria, os próprios programas comunitári­os que existem em Portugal, eles próprios têm a primeira linha, essa avaliação, e depois há os mecanismos europeus. Não há a possibilid­ade de haver aqui ou acolá utilizaçõe­s indevidas? Segurament­e que há. Essa é uma luta eterna entre quem procura manter as regras e quem procura fugir delas. Agora eu creio que, olhando para o passado e olhando para o futuro, onde nós podemos ganhar ou perder mais é na escolha dos investimen­tos com exemplos. No passado não tenho dúvidas em dizer que fizemos investimen­tos em setores que não provaram ter capacidade de resistênci­a e de desenvolvi­mento. Esse foi um erro. Erros políticos.

E hoje? Deveria cair sobre alguma em particular? Sobre alguma área em particular? Para que a escolha seja certeira?

Nós temos aqui a bazuca, não foi construída sem condições.

E concorda com os critérios ou escolheria um como aposta central? Eu acho que há um critério que foge um pouco aqueles que têm sido mais discutidos e que, para mim, é absolutame­nte decisivo – devemos aplicar o dinheiro de forma a que a resposta, na criação de emprego e na defesa do emprego, seja a mais rápida possível. Porque eu temo os efeitos destrutivo­s, imediatos e a prazo, na área do emprego e das qualificaç­ões da crise que vivemos. Imaginemos quanto tempo é que vai demorar a recuperar o setor da aviação civil. O setor da aviação civil não é apenas as companhias, porque as companhias usam aviões. Os aviões são produzidos. Temos em Portugal fábricas que trabalham exclusivam­ente para os grandes produtores mundiais. No mercado português até são três: Airbus, Boeing e Embraer. Nós temos empresas, por exemplo, a trabalhar para a Airbus, com peças sofisticad­as, de alta precisão. Eu não penso que a preocupaçã­o imediata dos planos estratégic­os das companhias de aviação seja começar a comprar centenas de aviões de passageiro­s. Ora isso vai ter um impacto na indústria. E esse impacto é um impacto com riscos para o emprego. Podia dar mais meia dúzia de exemplos, mesmo em setores ditos mais tradiciona­is.

“A UE tem instrument­os de controlo de usos indevidos [da bazuca], com a consequênc­ia negativa que é uma burocracia extremamen­te pesada e que atrasa processos.”

“Devemos aplicar o dinheiro de forma a que a resposta na criação e na defesa do emprego seja a mais rápida possível. Temo efeitos destrutivo­s imediatos e a prazo no emprego e nas qualificaç­ões.”

O comissário europeu da Economia disse que o forte impacto da nova vaga da pandemia em Portugal é desafiante para a recuperaçã­o económica do país. Considera que o governo descurou, de alguma, desta consequênc­ia quando tardou em regressar ao confinamen­to?

Não sei se tardou. Tenho, do ponto de vista económico, alguma dificuldad­e em compreende­r a capacidade de utilizar aquilo que alguns chamam confinamen­to preventivo. Porque para isso era preciso que nós soubéssemo­s quando é que os riscos de evolução pandémica se podiam agravar. Aqui há também fatores que nós devemos levar em linha de conta que é o facto de um dos riscos dos confinamen­tos ser a sua saturação. A saturação que provocam nos seus destinatár­ios. Ou seja, ser o cansaço do confinamen­to. Se recordarem o que é que era o comportame­nto dos órgãos de comunicaçã­o social na primeira vaga da pandemia e a agressivid­ade com que se dirigiam, no bom sentido, neste caso, com que se dirigiam aos portuguese­s e portuguesa­s, no sentido de terem cuidado, ficar em casa, e por aí fora, não foi a mesma quando, nem sequer é a mesma, que agora que regressou de novo e com efeitos. Essa mensagem de fique em casa, estamos a salvar a vidas, a sociedade ela própria não a manteve tão ativa, tão intensa. Depois houve alterações na pandemia que não eram expectávei­s e que nos atingiram particular­mente. Nesta terceira vaga, claramente, a reputação do país lá fora ficou afetada, porque tivemos um número de mortos altíssimo, tivemos um número de contágios muito muito grande...

As contas vão ser feitas no fim. Exato. Mas será que o governo falhou? Respondeu tarde?

Eu sou daqueles que nunca agitei bandeiras quando nós estávamos com valores muito mais baixos do que os nossos vizinhos, espanhóis ou franceses ou italianos, também não o faço quando temos situações mais difíceis. Também não tenho facilidade em apontar o dedo onde é que esteve o problema. Acho que nestas situações devemos aprender com os erros, obviamente, e naquilo que se passou aos meses atrás e, nomeadamen­te a incapacida­de que houve de prever a rapidez de circulação, ou melhor, a agressivid­ade de infeção da chamada variante britânica, teve consequênc­ias negativas importante­s. Obrigou a corrigir. Resta saber de quem são as responsabi­lidades de, tardiament­e, ter conhecido o impacto dessa variante. Na rapidez com que circulou. Só os grandes países é que têm sistemas de deteção de evolução dos vírus com uma qualidade elevada. Como também não achava que os resultados mais favorádos veis que acontecera­m em Portugal, durante a primeira fase, tivessem a ver com a excecional capacidade dos portuguese­s para reagirem numa pandemia, também não acho que esses agora tenham a ver com uma excecional incapacida­de para reagir a outra fase da pandemia. São circunstân­cias que têm que ser estudadas com maior frieza, com maior perceção dos números, com a certeza de que estamos a comparar coisas comparávei­s, que todos estão a utilizar as mesmas métricas. E isso, hoje em dia, não está nas prioridade­s. A prioridade é combater a pandemia. Chegará o momento em que iremos ver se toos países registaram da mesma forma, se todos os países divulgaram informação da mesma maneira. Haverá tempo para que essa avaliação seja feita. Neste momento parece-me um pouco prematuro, mas é natural que isso faça aqui uma dimensão de debate político. A intensidad­e com que essa dimensão existe é discutível. Mas vivemos num país democrátic­o. E num país democrátic­o nem em situações de guerra deixa de permanecer a democracia a funcionar. Portanto, é perfeitame­nte lógico que haja oposição e haja governo e que a oposição critique o governo. Avançando para uma área que conhece bastante bem: a segurança social. Alguns dados, dos últimos dias que recolhi, mostram: na primeira quinzena de janeiro 100 mil pedidos de apoio de trabalhado­res independen­tes, 24 mil de sócios gerentes. Esta semana em apenas dois dias 23 mil pedidos de apoio extraordin­ário ao rendimento, com fecho das escolas 61 mil pedidos de apoio de pais que tiveram que ficar em casa. Como é que a Segurança Social vai resistir?

As medidas, algumas daquelas que falou, de apoios às famílias que têm filhos em casa porque as escolas estão fechadas, são, obviamente, essenciais e foram decisivas, são medidas de natureza extraordin­ária. Elas são pagas pela Segurança Social mas têm que ser suportadas pelo conjunto da sociedade.

E vai ser possível manter o equilíbrio desses dois pratos da balança?

Há componente­s que são suportados pelo sistema se Segurança Social, mas têm que ser financiada­s autonomame­nte. Ou seja, financiado­s através dos impostos. Porquê? Porque, como estava a dizer, a Segurança Social é financiada através das contribuiç­ões, a célebre TSU, principalm­ente, para o risco de desemprego, o risco de doença, o risco de invalidez, o risco de morte, naquele tempo chamava de invalidez e agora se chama-se pensões de sobrevivên­cia. Tudo isso está previsto e é face a esses riscos que o sistema tem que estar financiado. E esse equilíbrio, obviamente, que é um equilíbrio que é difícil, mas é possível. Quando não há nenhuma previsão para uma pandemia. A pandemia afeta toda a sociedade. Portanto tem de ser toda a sociedade a ser responsabi­lizada. E é isso que está no nosso enquadrame­nto legislativ­o.

Seja o que for, exclui, portanto, a hipótese, e se bem percebi, do sistema de Segurança Social português, tal como como o conhecemos hoje, poder entrar em rutura, na pós pandemia?

A Segurança Social não existe fora da economia. A resposta a esta questão é sempre se a economia vai funcionar. Quando a economia entra numa situação de retração, e chamo retração dura, os problemas da Segurança Social são muito grandes. São duplos. Deixa de ter uma parte das receitas e passa a ter muito mais despesas. Quando a economia recupera é exatamente o inverso. Passa a ter muito mais receitas e passa a ter muito menos despesas porque, nomeadamen­te o subsídio de desemprego tem uma elasticida­de muito grande, ou seja, reage com grande rapidez. Ou seja, aqui voltamos à bazuca. Se a bazuca funcionar, a economia portuguesa vai reagir rapidament­e. Quanto mais diversific­ada for a economia maior é a capacidade de ter uma resposta rápida. Por isso, é que as economias que se concentram em poucos setores. Lá está o problema do turismo, é muito importante que haja o turismo, mas é muito importante que haja mais coisas para além do turismo, porque se uma economia está muito concentrad­a nalguns setores, se esses setores afundam ela afunda. Se uma economia é diversific­ada há sempre ritmos diferentes de resposta.

E a economia vai responder?

Hoje a economia portuguesa tem um ritmo de resposta muitíssimo maior. Temos muitas pequenas

“Resta saber de quem são as responsabi­lidades de, tardiament­e, ter sido conhecido o impacto dessa variante [inglesa do vírus] e na rapidez com que circulou.”

empresas, mas também médias e grandes. E foram elas que, na recuperaçã­o do emprego que nós tivemos, desde o pico, desde a baixa da última crise até ao máximo, foram as médias e grandes empresas que criaram mais emprego. Depois as pequenas empresas vêm atrás. Obviamente. Uma grande empresa tem, normalment­e, um sistema de satélites de pequenas empresas que trabalham para elas. Isso é verdade. Nós fazemos autocarros, quase completame­nte. As empresas que fazem, não são muitas obviamente, têm, à volta de si, um complexo de empresas, podemos quase chamar um cluster de pequenas e médias empresas ou, às vezes quase que micro. Externaliz­am uma parte do que fazem. Temos essa maior riqueza de economia. Os problemas que se põe não falámos ainda deles. A bazuca como coloca condições as condições são muito bem dirigidas: ambientais, economia verde e das transições… E ainda a digital e energética...

Essa dupla transição, associada aos problemas demográfic­os da nossa sociedade. Aos desafios democrátic­os, não lhe vou chamar problemas. E associar os efeitos da pandemia, tudo em conjunto é que pode levar à escala europeia, as dificuldad­es mais sérias do eventualme­nte utilizando modelos regulares de previsão se pode chegar. E, quando eu falei desse impacto é a esse nível. Essas exigências são muito grandes e eu, não sendo catastrofi­sta, também não sou um otimista incorrigív­el e, portanto, gosto de olhar para a natureza dos problemas e este cruzamento, perdoem a utilização desta expressão, mas alguns chamam megatrends, as grandes tendências. E as grandes tendências são: vamos ter que reduzir o consumo energético, vamos ter que mudar o consumido energético, vamos ter que, inevitavel­mente, sofrer as consequênc­ias, boas ou más, da digitaliza­ção e da robótica, da inteligênc­ia artificial e, ao mesmo tempo, estamos a viver uma crise de uma pandemia. Quer dizer, é quase a tempestade perfeita, não é? Há tendências pesadas que eu acredito que para Portugal são positivas, porque nós temos condições para aproveitar vantagens, nessas megatrends. Porquê? Porque fizemos algumas coisas mais cedo que outros. Não tanto quando poderíamos, mas fizemos. No ponto de vista, por exemplo, da revolução energética. Depois da economia vamos fazer uma viagem política. Vamos ter eleições autárquica­s em outubro – já não falta muito – o debate está lançado, e pergunto-lhe se considera que, por causa do risco de contágio deverão ser adiadas estas eleições? Rui Rio já veio defender esse adiamento, também Santana Lopes, aqui no Diário de Notícias. O que lhe parece?

Não tenho uma opinião formada, com toda a sinceridad­e, sobre esse assunto. Nós vivemos as Presidenci­ais há poucas semanas, e vivemo-las em plena crise pandémica.

E o seu PS? Parece-lhe que a sucessão de António Costa está lançada e que um dos sinais pode ter sido o que aconteceu nas Presidenci­ais, com os apoios dos dirigentes e dos militantes a dividirem-se entre vários candidatos? Pode ter sido um prenúncio do que aí vem?

Do que eu me recordo, a divisão entre vários candidatos, no eleitorado do PS, nas presidenci­ais, já aconteceu várias vezes. Nós já tivemos até um Secretário-geral, o Secretário-geral do Partido Socialista, que interrompe­u o seu mandato, de Secretário-geral do PS, porque não concordava com o voto que o partido fez no então candidato e depois presidente Ramalho Eanes.

Mas, por exemplo Pedro Nuno Santos já se colocou nessa corrida? Para mim o mais importante é aquilo que ouvi, já há uns tempos. E não ouvi desmentir, ou pôr em causa, por parte do António Costa que disse, claramente, que não está a pensar reformar-se. Ou seja, não está a pensar seguir o meu exemplo. Até porque é muito mais novo do que eu. Isso é aquilo que é mais importante. Está ultrapassa­do, o debate relativame­nte às presidenci­ais. Agora, sobre o futuro é muito difícil fazer previsões sobre a evolução das lideranças partidária­s.

O PS é um partido que dá-nos muitas lições porque é um partido muito aberto, é um partido muito plural e dá-nos muitas lições de que certas longas preparaçõe­s para a liderança, por vezes, são muito bem-sucedidas, outras vezes não são. Não quero fazer nenhuma previsão sobre isso.

Acho que a concentraç­ão agora é o trabalho autárquico, até porque há eleições a curto prazo. É no trabalho do governo e já é um grande encargo que o Partido Socialista tem que, como se costuma dizer, dá água pela barba. Tenho toda a confiança na liderança do Partido Socialista e também tenho, como militante socialista, orgulho na pluralidad­e e na vivacidade do debate que já vai muito longe o momento em que levava a tensões, que levavam a fraturas. As ruturas que pode haver, aqui ou acolá não são ruturas que levam a fraturas. Uma rutura trata-se com alguma facilidade. Uma fratura é mais complexa. E, às vezes, leva tempo a cicatrizar. E o PS já teve essa experiênci­a. E, portanto, o PS é o partido com maior equilíbrio, do ponto de vista territoria­l. O PS é sempre um grande partido, em qualquer zona do país. E isso dá-lhe uma força muito grande. É uma garantia para todo o sempre? Não. Vivemos um momento muito muito perturbado­r, do ponto de internacio­nal, sobre as tendências, das opiniões públicas, o impacto de novas formas de comunicaçã­o. Hoje os passos identitári­os são diferentes que era ano passado, ou seja, há pessoas que se mobilizam por pertencere­m a um outro tipo de pensamento comum. Isso viu-se muito nas eleições dos Estados Unidos, mas também já se começa a ver na Europa. Nenhum partido está imune a riscos.

E deviam ser adiadas ou não as autárquica­s? Ainda não respondeu... O país deu uma muito positiva, desse ponto de vista, porque não aconteceu a catástrofe de abstenção que alguns previam. Se calhar alguns gostariam que tivesse acontecido. Não aconteceu. Os portuguese­s foram votar. É certo que muita gente ficou em casa, com receio, mas muitos outros foram à rua... eu pela primeira vez desde as eleições de 75 e 76 estive numa fila para votar. Mas as pessoas estavam a dois metros, três metros, passava uma pessoa, de vez em quando a dizer vão para a mesa tal

Isso deixa-o otimista em relação às autárquica­s, à participaç­ão nessas eleições? Sem adiamento?

O país é capaz de fazer. Agora, mais uma vez, é uma questão em que eu acho que se tem de ouvir, basicament­e, os especialis­tas e se deve aprender com as lições das presidenci­ais. Porque se correu bem, do ponto de vista geral, também podíamos ter feito melhor, certo. O que tenho ouvido é uma proposta de um ou dois meses de adiamento das eleições autárquica­s. Não tenho condições para ter a garantia que isso produziria uma mudança muito significat­iva. Agora tenho a certeza de que Portugal deu uma resposta nas presidenci­ais que nos deve honrar.

Falando ainda das autárquica­s, vão coincidir com o processo de negociação do próximo Orçamento do Estado. A conjugação destes dois momentos poderá originar a tal crise política de que se tem falado tantas vezes. Nesta sexta-feira, por exemplo, a direção do Bloco de Esquerda veio criticar a via centrista do governo, e também o PCP por dar conforto ao executivo. Pergunto-lhe se são sinais de que não devemos excluir, realmente, uma crise política a seguir o verão?

Todas as democracia­s estão sujeitas a crises políticas. Obviamente que, em momentos tão complicado­s como este, uma crise política é algo de que todos têm de pensar bem muito bem nas suas consequênc­ias. Para si próprio, para o país, para o funcioname­nto da democracia, para os resultados eleitorais. É certo que tivemos uma crise política em Itália, no meio da pandemia. A solução que eles encontram foi uma solução que não passou pela realização de eleições. Está a produzir uma espécie de terramoto no sistema partidário italiano. Portanto, cada partido, cada força política, a que têm responsabi­lidades e que pode levar, ou não, uma crise deve refletir sobre todas essas dimensões. Eu estou profundame­nte convicto que seria muito mau qualquer solução, não digo a italiana, que a Itália é uma situação diferente, mas à italiana. Porque diz-se que é um governo presidenci­al. De facto, não é bem. É um governo dirigido por um político, aliás, com muita experiênci­a. Portanto, a solução de governos técnicos e que fogem a lógica partidária não é, normalment­e, uma boa solução. Já tivemos algumas experiênci­as em Portugal. Há algumas décadas. Não correram particular­mente bem. Uma delas nem sequer passou no Parlamento. É preciso lembrar que os governos têm de passar no Parlamento e às vezes esquecem-se desse pequeno pormenor. Creio que é altura para todos terem a consciênci­a de que uma crise política não é vantajosa para... Não apenas a pandemia. É porque a seguir à pandemia vem o pós-pandemia. O pós-pandemia, do ponto de vista decisões que temos de tomar e da mobilizaçã­o que o país tem que fazer, é menos dramático. Esperemos que seja menos dramático, do ponto de vista das vidas humanas e da situação do Sistema de Saúde. Mas não é menos exigente do ponto de vista dos recursos que têm de ser mobilizado­s. Quem tiver a responsabi­lidade de uma crise política pagará um preço muito caro por isso. É a minha convicção.

“O equilíbrio obviamente que é difícil, mas é possível. A Segurança Social não existe fora da economia, quando entra em retração os problemas são muitos grandes. São duplos.”

“António Costa disse claramente que não está a pensar reformar-se... O PS dá-nos muitas lições de que certas longas preparaçõe­s para a liderança, por vezes, são muito bem-sucedidas, outras vezes não são.”

“Uma rutura trata-se com alguma facilidade. Uma fratura é mais complexa. E, às vezes, leva tempo a cicatrizar. O PS já teve essa experiênci­a... O PS é um grande partido, em qualquer zona do país. É uma garantia para todo o sempre? Não.”

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