Na fronteira entre Portugal e Espanha que a covid-19 quase fechou
Portugal e Espanha voltaram ao controlo transfronteiriço, depois de o terem feito no ano passado. Em Caia há um movimento muito maior: portugueses que trabalham em Espanha ou ali têm casa e o mesmo se passa com os espanhóis. Quase todos trazem a declaração.
Os pesados de mercadorias vão para um lado e os ligeiros para outro. Os primeiros têm à vista a razão da viagem para Portugal ou para Espanha. “Ninguém arranja um camião para passear”, ironiza um camionista. Já os ligeiros têm de mostrar a justificação da circulação transfronteiriça, mesmo que tenha uma viatura de empresa identificada e muitos são já reconhecidos pelos militares. Em Caia, o terceiro posto de fronteira português com maior circulação, poucos são impedidos de entrar. Aconteceu mais no início, quando havia quem desconhecesse ser precisa uma declaração a justificar o motivo da viagem. Atualmente, acontece mais com os imigrantes que não estão legalizados em Portugal.
Paulo Fialho, 47 anos, e António Roque, 64, têm casa em Badajoz e trabalham em Campo Maior, que fica a cerca de 20 Km da fronteira portuguesa de Caia com Espanha. O primeiro é taxista; o segundo, trabalha
numa herdade. “Somos trabalhadores transfronteiriços, fazemos este percurso mais que uma vez por dia, não temos tido problemas, é mais uma paragem. Este controlo não alterou as nossas vidas”, assegura o Paulo.
Atravessam a fronteira para o lado espanhol, Badajoz, e a policia espanhola cumprimenta-os. Eles mostram as respetivas declarações das entidades patronais e esperam que um cão inspecione o carro à procura de estupefacientes, como faz com todos as viaturas mandadas parar. Neste caso, não há nada a registar.
É sexta-feira, perto da hora do almoço, os dois homens dirigem-se a casa, já que o confinamento em Portugal os impede de se sentarem à mesa de um restaurante. E, neste dia 12, a Estremadura desconfinou totalmente durante o dia, mantendo-se o fecho de alguns estabelecimentos à noite. Por exemplo, os restaurantes passaram a abrir entre as 07:00 e 18:00 e encheram as espanadas na sexta-feira, ainda por cima, dia de sol.
Junto à Alfândega espanhola, os condutores de cinco camiões da empresa portuguesa Gtt, da Bobadela (Loures), esperam a autorização para seguirem com a mercadoria para o porto de Setúbal, de onde vai embarcar com destino a Cuba. Carregaram os contentores em Zafra (Espanha) com os produtos destinados a uma cadeia internacional de supermercados, também em Cuba.
“O controlo de fronteiras não interfere nada com o nosso trabalho. Os pesados não precisam de parar, a única diferença é que os serviços públicos estão fechados e temos que levantar os papéis aqui na alfândega para, depois, mostrar à polícia. Para o meu ramo até são melhores estas restrições nas fronteiras, há menos trânsito. O que nos prejudica é estar tudo fechado, nomeadamente os restaurantes”, explica Paulo Neves, 42 anos, motorista há 22.
SEF e GNR em equipa
Em Portugal são duas as forças policiais que estão de vigilância às fronteiras: o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a Guarda Nacional Republicana (GNR). O SEF controla as pessoas e os documentos, a GNR faz a fiscalização rodoviária e garante a segurança no controlo policial.
A reposição do controlo de fronteiras faz este domingo 15 dias e vai manter-se pelo menos até 1 de março. A pandemia já o ano passado, entre 16 de março e 30 de junho, tinha levado à reposição do controlo de fronteiras entre os dois países.
“Agora, há mais movimento do que no início da pandemia, há uma maior circulação de viaturas, mas as pessoas estão mais bem informados, conhecem as suas obrigações. Desta vez, houve uma ou outra pessoa que desconhecia a obrigatoriedade de trazer uma declaração a justificar os motivos da viagem, mas já não acontece tanto”, explica o inspetor Hélder Tavares. Só podem entrar portugueses ou quem aqui tenha autorização de residência, os trabalhadores e os condutores de veículos em situação de emergência.
Xavier Sneyers, 28 anos, viaja numa carrinha desde a Bélgica para trabalhar em Portugal, mais concretamente na Marinha Grande. “Sou carpinteiro e, normalmente, faço montagens das instalações e palcos em festas, festivais, esse tipo de eventos, o que deixou de existir com a covid-19. Tenho um amigo em Portugal que me deu esta hipótese, resolvi vir, não podemos estar parados”, justifica.
Xavier é uma das exceções a nível das nacionalidades que atravessam a fronteira ibérica. Tem a vantagem de ser cidadão europeu e basta-lhe a declaração do responsável da empresa que o contratou para entrar no país. Os estrangeiros
naturais de países terceiros à UE têm de ter a sua situação regularizada em Portugal, ou em Espanha, para atravessar a fronteira.
Uma carrinha com imigrantes para trabalhar numa herdade portuguesa é obrigada a dar a volta para trás. As polícias portugueses acompanharam-nos à fronteira espanhola de Badajoz. “O documento que trazem é francês. Tinham pedido o estatuto de asilo em França”, argumenta Hélder Tavares. São estes os casos em que as pessoas são impedidas de continuar a viagem, 156 desde 31 de janeiro, significa 1 % das pessoas fiscalizadas nesta fronteira.
Duas semanas depois da reposição de fronteiras, são já poucos os casos de quem não traz a declaração, com uma ou outra exceção.
Mónica Espada, 24 anos, trabalha na Cruz Vermelha em Elvas e teve de se deslocar à fronteira porque a mulher, que é espanhola e trabalha em Badajoz, a esqueceu. “Estivemos a tratar dos papéis de residência na junta de freguesia de Elvas. Levámos uma série de documentos e acabámos por nos esquecer de trazer o original da autorização para circular”, justifica. Nada que não ficasse resolvido com um telefonema.
João Lourenço, da GNR, reside em Elvas, ao contrário de muitos outros militares, como Hélder Tavares, que tiveram de se deslocar para as passagens transfronteiriças acordadas entre Portugal e Espanha. “É muito equilibrado o número de portugueses e de espanhóis que atravessam as fronteiras. Há muitos portugueses a trabalhar em Espanha mas também há muitos espanhóis a trabalhar em Portugal, o mesmo se passando em relação aos que têm a habitação num e noutro lado, acaba por ser normal numa zona de raia como esta”.
As minhas contas são feitas por Hélder Tavares, acabando por concluir que são mais os espanhóis que têm propriedades junto a Elvas. A questão da existência de propriedade em ambos os territórios e cujos proprietários se têm de deslocar, nomeadamente para tratar dos animais, é uma das que não está contemplada na lei, alerta. Valha o bom senso das forças da ordem para perceber que os devem deixar passar.
O inspetor serve-se da aplicação SEF Mobile para analisar os documentos apresentados e aceder a todos os dados dos cidadãos – basta mostraram o cartão de identificação. É o que faz com José António Casas, 60 anos, espanhol de Badajoz. Trabalha numa instituição de solidariedade espanhola, o Comité de Ação Social (CAS), que tem projetos nos dois países. “Levo géneros alimentares para famílias espanholas e portugueses que vivem em São Vicente (uma freguesia de Elvas). Passo por aqui uma ou duas vezes por semana, sempre que há necessidade”, conta.
Controlo prolongado
Esta semana, os governos de Portugal e de Espanha decidiram manter o controlo de pessoas nas fronteiras terrestres e fluviais até 1 de março. E acrescentaram dois pontos de passagem aos 14 já existentes: Melgaço e Montalegre. Estes, estão a funcionar nos dias úteis, das 06:00 às 09:00 e das 17:00 às 20:00, a partir desta segunda-feira.
Os que funcionam 24 horas, sete dias por semana são Valença, Vila Verde da Raia , Quintanilha, Vilar Formoso , Caia , Vila Verde de Ficalho e Castro Marim. Um balanço do controlo de fronteiras terrestres do Ministério da Administração Interna, entre 31 de janeiro e 11 de fevereiro, permite concluir que Valença (52 792), Vilar Formoso (18 223) e Caia (17 174) registam o maior volume de circulação entre os dois países. Isto, quando houve 129 926 cidadãos e 118 000 viaturas a entrar em Portugal.
São contas até quinta-feira. E nesta sexta-feira havia a contabilizar mais 17 965 pessoas em todo o país, das quais mais 1 687 na fronteira de Caia, segundo os últimos dados indicados pelo SEF.
É a fronteira Caia/Badajoz que bem conhecem Joaquim Inácio, 50 anos, há 22 na empresa, e José Carlos Oliveira, de 57, há 26 na Tracopol. Conduzem tratores (cabines), onde estão acopladas cisternas de azeite que vão encher a lagares em toda a Andaluzia e trazem para o território nacional, para uma conhecida marca portuguesa. Trabalham ambos para a Tracopol, no Entroncamento. A passagem na fronteira é motivo de paragem para descansar e almoçar, comida que normalmente trazem de casa.
“Fazemos isto duas a três vezes por semana, não tem havido problemas. O problema é estar tudo confinado, a Espanha já esteve mais confinada, agora, tem vindo a abrir os estabelecimentos, depende de cada província”, conta Joaquim. Já José Carlos recorda um dia em que a passagem na fronteira não foi assim tão rápida: “Na terça-feira, ainda estivemos uns 20 minutos parados para entrar em Espanha. Acontece quando há mais ligeiros, eles têm que parar, nós não”.
As viagens demoram em regra dois dias, um para chegar a uma localidade da Andaluzia, onde abastecem e dormem no camião junto às fábricas, e outro para regressar ao Entroncamento. Recordam os meses de março a junho do ano passado em que havia menos mais trânsito. “Nós sempre trabalhámos, mas estava tudo parado”, conta o José Carlos. Conseguiu descobrir uma máquina de onde tira um café para espanto de Joaquim. “Nem sabia que havia café, em Portugal não há nada, nem pensam nos camionistas, mas também não paramos nas áreas de serviço, é muito caro. Em Espanha, fazem 30% de desconto aos motoristas e, mesmo com o confinamento, havia restaurantes à beira da estrada que estavam abertos para nós”.
“É muito equilibrado o número de portugueses e de espanhóis. Há muitos portugueses a trabalhar em Espanha mas também há muitos espanhóis a trabalhar em Portugal, o mesmo se passa em relação aos que têm a habitação num e no outro lado.”