Doentes com enfartes agudos chegam tarde ou não vão ao hospital
Números oficiais sobre o impacto da covid-19 nas doenças coronárias ainda não há, mas quem está nos hospitais sabe que pandemia agravou a sua mortalidade e a sua morbilidade. A situação é preocupante porque é a doença que mais mata em Portugal.
Apandemia não travou as doenças cardiovasculares. Pelo contrário, o coordenador do Programa Nacional para as Doenças Cérebro Cardiovasculares, Filipe Macedo, diz mesmo que quem está nos hospitais sabe que houve um agravamento na mortalidade, porque os doentes não chegam e quando chegam já é tarde para os tratar, mas também na morbilidade. “A nossa perceção é a de que os doentes ficam com mais complicações após serem tratados a um enfarte do miocárdio” e isso deve-se ao facto de que vão para o hospital “tardiamente”.
Por isto, no Dia Nacional do Doente Coronário que hoje se assinala, uma data definida pela Fundação Portuguesa de Cardiologia, faz três alertas: “O primeiro vai para o facto de os portugueses terem de estar atentos aos sinais do que pode ser uma suspeita de um enfarte do miocárdio e o segundo tem a ver com o uso dos meios adequados. É fulcral que liguem para o 112 para serem diagnosticados, e não desvalorizarem a dor e irem pelos próprios meios, porque isso faz perder tempo”.
Filipe Macedo, médico cardiologista no Centro Hospitalar Universitário São João, no Porto, sublinha: “Embora ainda não haja números oficiais sobre o impacto da pandemia nas doenças coronárias, uma coisa que já se sabe é que o INEM tem sido muito pouco solicitado pelos portugueses para estas situações”. Segundo refere, foi chamado em menos de 40% das situações, “o que é francamente muito pouco”, sublinhando que, em tempos de pandemia, este dia é um marco, sobretudo para se deixar algumas das mensagens que podem salvar vidas.
Até porque, a doença cardiovascular continua a ser a primeira causa de morte em Portugal e no mundo ocidental. Foi neste sentido que se criou “uma organização de socorro – designada como Via Verde – através do INEM que permite salvar vidas. Um doente com 50 ou 60 anos que tem uma dor no peito e suspeita de que pode estar a fazer um enfarte deve ligar para o 112”, reforça. “Refere os sintomas e o INEM envia alguém a casa ou onde o doente se encontrar, e se for mesmo um enfarte, é de imediato encaminhado para o hospital, sem ter necessidade de passar pela inscrição ou pela triagem dos serviços de urgência. Isto permite ganhar tempo”, explica o cardiologista, afirmando que uma das grandes mensagens deste dia e que os portuguesas precisam de saber é: “A Via Verde dá acesso aos melhores tratamentos, aos mais adequados e mais rápidos.”
A questão é que só menos de 40% das situações que chegam aos hospitais é que foram encaminhadas pelo INEM. A maioria dos doentes ainda vai pelos próprios meios e alguns já muito tarde. “É uma situação que já acontecia antes da pandemia e que acontece ainda mais desde março até agora. As pessoas acabam por revelar que têm medo de ir ao hospital porque julgam que não é seguro, ou que uma dor no peito não justifica essa ida, porque há outras situações mais importantes para tratar, mas um ataque cardíaco (ou um enfarte agudo do miocárdio), deve ser tratado nos primeiros 90 minutos, se a pessoa fica em casa, se bebe um chá ou toma uns comprimidos para atenuar a dor ou a má disposição, deixa passar a janela terapêutica ideal, que lhe pode salvar a vida ou até deixar com menos complicações”. O coordenador do Programa Nacional acredita que o hábito de as pessoas irem pelos próprios meios para as unidades de saúde quando têm uma dor suspeita de enfarte tem a ver com o facto de não conhecerem detalhes da doença e de não conseguirem identificar os sinais. “Em Portugal, há claramente uma falta de cultura e de literacia na área das doenças cérebro cardiovascular. Uma das prioridades do programa nacional é exatamente essa, melhorar a literacia em saúde de forma a poder contribuir-se para um melhor esclarecimento”.
Dor no peito e indisposição
A dor no peito é um sinal vital da doença cardiovascular. “Uma pessoa que tem, de repente, uma dor no peito acompanhada por suores, uma dor que, muitas vezes, tem radiação para o pescoço ou para os braços, deve ter a noção de que isto é muito relevante de um enfarte, sobretudo no sexo masculino”, aponta. A doença atinge mais os homens do que as mulheres, mas nestas os sinais não são tão clássicos. “As mulheres podem sentir uma dor no peito, mas esta não é um dos sinais tão característicos, é mais uma pequena indisposição geral”, acrescentando: “Se for uma mulher com mais de 50 anos, na menopausa e fumadora, é importante que ligue para o 112 atempadamente para ser socorrida e tratada adequadamente”.
“Hoje sabemos que as pandemias e as guerras ou um desgosto de amor ou a perda de um familiar podem agravar a doença cardiovascular”, diz o médico, dando como exemplo o síndrome de Takotsubo, ou síndrome do coração partido, que faz parte deste tipo de doença.
Basta referir que, e segundo os últimos dados oficiais, a doença coronária, em 2018, foi responsável por 32 731 mortes no nosso país. A esta causa seguiram-se os tumores, 28 451 mortes, e as doenças do aparelho respiratório, 13 217 mortes. O médico explica ainda que é preciso saber-se que quando falamos de doenças coronárias estamos a falar de doenças relacionadas com problemas cardíacos, cerebrais, pulmonares, vasculares e outros. Os problemas cardíacos podem ter causas relacionadas com as coronárias (as artérias que irrigam o músculo cardíaco), com as válvulas cardíacas, com o ritmo cardíaco, com insuficiência cardíaca e outros. A doença das coronárias, conhecida como Doença Cardíaca Isquémica, é, de entre todas, a que causa o maior número de óbitos no grupo das doenças do aparelho circulatório.
Segundo explicou ao DN, a Doença Cardíaca Isquémica ocorre quando as artérias coronárias deixam de cumprir a sua função de irrigarem partes do coração, podendo no limite provocar a morte de uma parte do músculo cardíaco (uma zona do coração), que é a situação mais conhecida, o enfarte agudo do miocárdio.
Embora seja a primeira causa de morte no país, os dados oficiais indicam também que as mortes têm vindo a diminuir, em parte devido aos “avanços clínicos alcançados nos últimos anos”, como o método de tratamento que é hoje considerado o mais eficaz: a angioplastia coronária (desobstrução das artérias). “Existe evidência científica de que se o doente for tratado, através deste método, nos primeiros 90 minutos, a taxa de mortalidade por enfarte cai significativamente”.
Desgosto de amor é um risco
Filipe Macedo, e por ser também o Dia dos Namorados, lembra que um dos fatores importantes que evitam as doenças cardiovasculares “é a pessoa sentir-se feliz, estar bem humorada, fazer caminhadas – os portugueses são em regra geral muito sedentários – e desenvolver um estilo de vida saudável que contribua para a eliminação dos fatores de risco – como a obesidade, o tabaco, o colesterol elevado, a hipertensão arterial e, por último, a diabetes. “Todos estes fatores, de forma isolada ou em conjunto, podem acionar as doenças coronárias”, afirma.
Mais. “Hoje sabemos que as pandemias e as guerras, um desgosto de amor ou a perda de um familiar, podem agravar a doença cardiovascular”, dando como exemplo o síndrome do coração partido, o Síndrome de Takotsubo, que pode desencadear uma doença coronária.
A pandemia não veio fazer alterações no modo como os doentes são tratados, mas veio permitir que “se reforçasse o SNS quer em recursos humanos quer em equipamento. Por exemplo, a telemedicina é uma forma expedita de se acompanhar estes doentes”. Mas o mais importante, diz, “é a divulgação dos sinais de alerta para que todos estejam melhor esclarecidos sobre estas doenças”.