Diário de Notícias

“Voltar a pôr o cachecol no leão do Marquês de Pombal? Seria muito giro”

A viver na Bulgária, e com a esclerose múltipla controlada, o antigo capitão do Sporting não esconde o entusiasmo com a liderança folgada dos leões na I Liga e recorda com muita emoção e saudade os dez anos passados em Portugal.

- ENTREVISTA ANDRÉ CRUZ MARTINS

Para os adeptos do Sporting, Ivaylo Iordanov era um perfeito desconheci­do quando no verão de 1991 assinou pelos leões, provenient­e do Loko Gorna, do seu país natal. Mas rapidament­e ganhou a simpatia e a admiração dos sócios. Chegou como ponta-de-lança e foi nessa posição que cumpriu boa parte dos 222 jogos (com 70 golos marcados) em que defendeu as cores do clube, mas também foi médio defensivo e até central. Fez parte da equipa que se sagrou campeã nacional em 1999-2000, época em que era o capitão de equipa. Hoje está com 52 anos e vive na Bulgária. Garante que nunca esquecerá o Sporting e confessa que está a torcer pela conquista do título de campeão nacional, algo que até o poderá fazer regressar a Portugal.

Tem acompanhad­o a época do Sporting? Está surpreendi­do com o atual primeiro lugar destacado? Claro que sim! Não consigo ver todos os jogos, mas sempre que consigo, assisto. É óbvio que estou muito feliz por as coisas estarem a correr tão bem e desejo que tudo continue assim. E, claro, espero que no final da época o Sporting esteja a festejar o título de campeão nacional, tantos anos depois da última conquista, em 2002. Um clube com a grandeza do Sporting não pode estar tanto tempo sem ganhar um campeonato.

Para além dos bons resultados, agrada-lhe o futebol que a equipa está a praticar?

Sem dúvida, por isso são líderes. O importante é que o Sporting jogue bem e ganhe. Até porque, pela lógica, tem mais hipóteses de vencer se jogar bem.

A diferença pontual sobre o FC Porto e sobretudo os 11 pontos de avanço sobre Sp. Braga e Benfica são uma almofada tranquila?

De forma alguma. Ainda faltam disputar muitos jogos e tenho a certeza de que não vai ser uma caminhada fácil. Certamente que o FC Porto e o Benfica não vão ‘baixar a bandeira’, mas o mais importante é que o Sporting depende apenas de si próprio e se ganhar os jogos todos, será naturalmen­te campeão.

O Sporting voltou de novo a apostar na formação. O que tem achado desta nova política desportiva?

O Sporting sempre foi conhecido por ter bons jogadores nas suas escolas de formação, não é novidade esta aposta e basta recordar que ali nasceram por exemplo o Cristiano Ronaldo e o Luís Figo, que eu conheço bem, pois jogou muitos anos comigo. Na atual equipa não destaco nenhum jogador, até porque acho que um dos segredos do Sporting tem sido o facto de valer pelo seu todo e não por ter uma ou duas estrelas. Já quando jogava, eu pensava que um grande ponta de lança só consegue marcar golos devido ao trabalho de toda a equipa. Sozinho não conseguiri­a fazer nada.

Já falou com Frederico Varandas? O que tem achado do trabalho dele como presidente?

Não o conheço pessoalmen­te, nunca falámos. Mas se o Sporting está em primeiro lugar, está certamente a fazer um bom trabalho. No final, o que conta para avaliar a gestão dos presidente­s é se a equipa de futebol está a ganhar ou a perder.

Está a viver na Bulgária. Tenciona voltar a Portugal no caso de o Sporting ser campeão, para festejar essa conquista?

Gostaria muito, mas sabe… é complicado prever, por causa da pandemia.Vamos ver...

E gostaria de colocar um cachecol do clube no leão da estátua do Marquês de Pombal, à semelhança do que aconteceu nos festejos do título em 2001/2002?

Voltar a pôr um cachecol no Marquês? Eh pá… Isso seria mesmo muito giro! Por que não? Se o Sporting me convidasse teria muito prazer.

A grande temporada que o Sporting está a realizar segue-se a um período de grande turbulênci­a, com vários episódios negativos, sobretudo o ataque à Academia de Alcochete, em maio de 2018. Como viu à distância esse dia?

Nunca pensei que um acontecime­nto horrível desses pudesse acontecer no Sporting. Eu nem queria acreditar no que estava a ver e a ouvir, pois conheço bem os sócios e adeptos do Sporting e achava-os incapazes de um ato daqueles. Não conheço a fundo as razões para que aquilo tenha acontecido, mas fiquei chocado. Foi um dos dias mais tristes da história do clube, algo inqualific­ável.

Sente saudades dos tempos que viveu em Alvalade?

Muitas, muitas! Afinal de contas, sou um ‘filho’ do Sporting, passei lá dez anos. Quando cheguei ao clube nunca imaginei que iria ficar tanto tempo e que iria ser tão feliz. Quero aliás agradecer esta oportunida­de para dizer que uma parte do meu coração estará sempre em Portugal, um país que me recebeu muito bem. Aliás, passo muitos dias por ano em Portugal, pois visito frequentem­ente a minha filha, que é advogada aí. Lembras-te do Mihaylov antigo guarda-redes internacio­nal búlgaro e ex-presidente da Federação Búlgara de Futebol]? Ele está aqui ao pé de mim e manda um abraço para Portugal.

O Iordanov continua a trabalhar na Federação Búlgara de Futebol? Quais as suas funções?

Sim, continuo, ajudo no que for preciso, como por exemplo nos treinos da seleção de sub-21, nos treinos específico­s dos avançados, entre outras coisas.

Um pouco como nos tempos de jogador, em que só lhe faltou jogar a guarda-redes… Qual era a sua posição preferida?

A minha posição preferida era fazer parte do onze inicial (risos). Sabe que para mim a vida só faz sentido se dermos tudo de nós, independen­temente das funções que exercemos. No que respeita à minha polivalênc­ia dentro de campo, apenas cumpri com a minha obrigação de dar tudo o que tinha.

Foi colega de equipa durante quatro anos do seu compatriot­a Balakov. Como o recorda dentro e fora do campo? Mantêm o contacto hoje em dia?

Estive há poucos dias com ele, aqui na Bulgária e, claro, falámos do Sporting. Todos sabem o jogador fantástico que ele foi. O que podem não saber, mas eu conto, era o empenho que ele colocava todos os dias nos treinos e o exemplo que era para os jovens acerca da forma como se deve encarar a profissão de futebolist­a. Sabe quem é que ele me faz lembrar? O Cristiano Ronaldo. Ou melhor, o Cristiano Ronaldo, porque é mais novo, é que me faz lembrar o Balakov.

E o Cristiano Ronaldo?

Sobre o Ronaldo, eu via-o na equipa B do Sporting com apenas 16 anos e já percebia que ia tornar-se um grande jogador.

Que outros futebolist­as dos plantéis do Sporting destaca nesses dez anos que jogou de leão ao peito?

Ui, tantos… Para além do Balakov, posso falar no Luís Figo, no Emílio Peixe, no Oceano… mas tive a sorte de jogar com tantos e tão bons jogadores que não quero referir nomes, pois tenho medo de me esquecer de alguns.

E o Peter Schmeichel? Como o recorda? Foi uma surpresa na altura ter assinado pelo clube...

Ah, o grande Schmeichel! Impossível esquecer-me dele! Ele impunha grande respeito, pois era uma grande figura e quando chegou ao Sporting tinha acabado de ser campeão da Europa, ao serviço do Manchester United. E impunha respeito não só aos adversário­s, mas aos próprios companheir­os de equipa. Lembro-me bem dos berros que ele dava durante os jogos para os nossos defesas.

Conte-nos a história da sua apresentaç­ão aos adeptos do Sporting, no verão de 1991, que meteu o Sergei Bubka...

Estava a decorrer um meeting de atletismo no Estádio José Alvalade e o presidente Sousa Cintra ordenou que parassem tudo para me apresentar. Entrámos pela pista de tartan, numa altura em que o Sergei Bubka tentava bater o recorde mundial do salto com vara. Ainda hoje me lembro da cara de espanto que ele fez, mas acabou por me cumpriment­ar e depois eu fui para a frente da bancada central e recebi uma ovação dos adeptos. Naquele instante percebi a grandeza do clube. Teve alguns dissabores ao longo da sua carreira. Foi-lhe diagnostic­ada esclerose múltipla e sofreu um grave acidente de viação na Bulgária, que o afastou dos relvados durante meses. Onde foi buscar forças para dar sempre a volta por cima?

Não gosto de me queixar. Tive esses azares, mas fizeram parte da vida. Hoje em dia felizmente tenho estado bem e apesar de a esclerose múltipla ser para toda a vida, tenho conseguido controlar a doença.

Que mensagem quer deixar aos adeptos do Sporting?

Sei que agora não podem ir aos estádios, mas que continuem a apoiar a equipa da forma possível, independen­temente dos resultados. Ser do Sporting é um privilégio e não é para qualquer um.

“Estava a decorrer um meeting de atletisno em Alvalade e o presidente Sousa Cintra ordenou que parassem tudo para me apresentar, numa altura em que o Sergei Bubka estava a tentar batero recorde mundial do salto com vara.”

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O jogador búlgaro teve direito a um jogo de homenagem em Alvalade em maio de 2010.
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Iordanov foi campeão pelo Sporting na época 1999-2000.

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