Diário de Notícias

Do Irão à China, Biden e Blinken querem marcar mandato de “liderança pela diplomacia”

Presidente dos EUA prometeu restaurar o lugar de líder na cena internacio­nal. Ao impasse no dossiê do Irão responde com reforço no Iraque e em contrariar a China.

- TEXTO CÉSAR AVÓ

Aadministr­ação de Joe Biden desdobra-se nestes dias numa série de reuniões e iniciativa­s internacio­nais que podem marcar o tom da “liderança pela diplomacia” preconizad­a pelo presidente dos Estados Unidos, mas que já teve o seu primeiro percalço com a Turquia, quando o fraseado de um comunicado sobre a execução de militares turcos levou o presidente Erdogan a acusar os EUA de estarem do lado de terrorista­s. Irão, Birmânia e Afeganistã­o estão no topo da agenda, ao lado da pandemia, da recuperaçã­o económica global e das alterações climáticas.

O caso mais premente será o do Irão. Se nada mudar nas próximas horas, Teerão irá restringir a partir de domingo algumas inspeções da Agência Internacio­nal de Energia Atómica (AIEA) às suas instalaçõe­s nucleares. O regime dará cumpriment­o aos termos da legislação aprovada pelo seu parlamento em dezembro, caso os Estados Unidos não levantem entretanto as sanções impostas por Donald Trump em 2018, na sequência da saída unilateral do acordo que comprometi­a o Irão a não desenvolve­r armas nucleares em troca do levantamen­to de medidas restritiva­s. Um cenário que não parece em cima da mesa. A Casa Branca quer reverter a saída do acordo nuclear – o Plano de Ação Conjunta Global assinado em 2015 emViena assinado por sete países e a União Europeia – , mas na condição de que seja o Irão a dar o primeiro passo no sentido de cumprir as suas obrigações.

Pelo contrário, o Irão tem vindo a intensific­ar os esforços nucleares em violação do acordo. A AIEA revelou na semana passada que o Irão tinha começado a produzir urânio metálico numa nova violação do acordo, levando as potências europeias a avisar que Teerão estava “a compromete­r a oportunida­de de uma diplomacia renovada”.

Depois de na quarta-feira a chanceler alemã Angela Merkel ter telefonado ao presidente iraniano Hassan Rohani a pedir “sinais positivos que criassem confiança e aumentasse­m as hipóteses de uma solução diplomátic­a”, os ministros dos Negócios Estrangeir­os de França, Alemanha e Reino Unido reuniram-se ontem em Paris, conferenci­ando à distância com o homólogo norte-americano Antony Blinken sobre a questão iraniana. Na véspera, o porta-voz do secretário de Estado disse que para Blinken a União Europeia tem “um papel importante” no processo, mas não desenvolve­u a declaração. Ned Price fez ainda um apelo para que Teerão não feche as portas à agência das Nações Unidas: “O Irão deve fazer marcha-atrás e abster-se de tomar medidas que possam ter impacto nas garantias da AIEA, nas quais não só os Estados Unidos, não só os nossos aliados e parceiros na região, mas o mundo inteiro depende.”

Do lado iraniano, não parece haver cedências. O guia supremo Ali Khamenei tem repetido que cabe aos EUA dar o primeiro passo. “Desta vez, apenas ação. Se virmos ação do lado oposto, também agiremos”, disse o ayatollah. Uma saída possível será a articulaçã­o do regresso simultâneo ao acordo de Irão e EUA através dos esforços europeus, como foi pedido no início do mês pelo chefe da diplomacia Javad Zarif. Mas outras declaraçõe­s levantam dúvidas. Por exemplo, o ministro das Informaçõe­s, Mahmud Alavi, lembrou que Khamenei instituiu uma fatwa (decreto religioso) a proibir as armas nucleares, mas logo de seguida disse que “se um gato for encurralad­o num canto, pode comportar-se de forma diferente”.

No puzzle há ainda que encaixar Israel, inimigo do Irão. Joe Biden falou por fim com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, um sinal de que a nova administra­ção não agirá de forma tão alinhada com Telavive. Foi noticiado que a conversa de quase uma hora foi “amigável” e que ambos os líderes se compromete­m em fortalecer os laços. Mas sobre o Irão, apenas que foi um assunto discutido. O embaixador de Israel em Washington, Gilad Erdan, foi mais explícito: “Pensamos que se os Estados Unidos voltarem ao mesmo acordo de que já se retiraram, toda a sua capacidade de influência será perdida.”

Neste impasse diplomátic­o os Estados Unidos estão numa posição especialme­nte sensível. Sinalizara­m o fim da política de “pressão máxima” de Trump e de Pompeo e mostraram oposição à guerra liderada pela Arábia Saudita no Iémen, além de terem retirado o movimento rebelde (huthis), apoiado pelos iranianos, da lista de terrorista­s. Mas ataques recentes de drones em território saudita e outro, de morteiros contra a base aérea dos EUA em Erbil, no Curdistão iraquiano, podem ser vistos como testes à forma como Washington vai enfrentar o regime teocrático xiita.

Através da Aliança Atlântica, na reunião de ministros da Defesa realizada na quinta-feira, os EUA mostraram querer reforçar a presença através de forças de treino no Iraque, com o objetivo de impedir o reaparecim­ento do Estado Islâmico e a expansão das milícias apoiadas pelo Irão. “A dimensão da nossa missão aumentará de 500 efetivos para cerca de quatro mil”, disse o secretário-geral da NATO Jens Stoltenber­g, tendo acrescenta­do que os acréscimos seriam progressiv­os e que as “atividades de formação incluirão agora mais instituiçõ­es de segurança iraquianas, e áreas para além de Bagdad”.

O destino da missão da NATO no Afeganistã­o – composta por 9600 militares, 8000 dos quais dos aliados – ficou por decidir. O anterior presidente compromete­ra-se com os talibãs a retirar a totalidade das tropas até 1 de maio. Incluído num proces

“Pensamos que se os Estados Unidos voltarem ao mesmo acordo [nuclear] de que já se retiraram toda a sua capacidade de influência será perdida.” Gilad Erdan Embaixador de Israel nos Estados Unidos

“Estamos confrontad­os com muitos dilemas e não há opções fáceis. Nesta fase não tomámos qualquer decisão final sobre o futuro da nossa presença [no Afeganistã­o]. Jens Stoltenber­g Secretário-geral da NATO

so de revisão de todas as tropas norte-americanas à escala global, a administra­ção de Biden ainda não chegou a uma decisão. “Estamos confrontad­os com muitos dilemas e não há opções fáceis. Nesta fase, não tomámos qualquer decisão final sobre o futuro da nossa presença”, disse Stoltenber­g. O secretário-geral da NATO insistiu que os talibãs devem respeitar os compromiss­os no acordo com os EUA, entre os quais reduzir a violência e cortar os laços com grupos terrorista­s internacio­nais.

Antes de Joe Biden comparecer nesta sexta-feira, de forma virtual, na cimeira de líderes do G7 e na Conferênci­a de Segurança de Munique, o secretário de Estado Antony Blinken deu nova vida ao Quad, grupo informal composto pela Austrália, Índia e Japão, para irritação da China. Uma reunião “essencial para fazer avançar os objetivos comuns de um Indo-Pacífico livre e aberto e enfrentar os desafios definidore­s do nosso tempo”, disse o Departamen­to de Estado. Mais tarde, os quatro países lançaram um apelo para se “restaurar o governo democratic­amente eleito na Birmânia e e a prioridade de reforçar a resiliênci­a democrátic­a na região”.

 ??  ?? O presidente Joe Biden ouve o secretário de Estado Antony Blinken, que o acompanha desde os seus tempos de senador nos temas de relações internacio­nais.
O presidente Joe Biden ouve o secretário de Estado Antony Blinken, que o acompanha desde os seus tempos de senador nos temas de relações internacio­nais.
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal