Diário de Notícias

Os tiros nos pés no primeiro mês da administra­ção Biden

ESTADOS UNIDOS Erros de comunicaçã­o, alegações falsas, contradiçõ­es e a primeira demissão: a administra­ção Biden quer aplicar mudanças, mas não é isenta de falhas.

- TEXTO CÉSAR AVÓ

Desde o primeiro minuto na Casa Branca que Joe Biden começou a dar cumpriment­o a promessas de campanha, ao reverter através de ordens executivas o isolacioni­smo a que o anterior presidente havia votado o país nas áreas do ambiente (Acordo de Paris), saúde (Organizaçã­o Mundial da Saúde), proteção das minorias e dos migrantes, além de reafirmar o interesse nas boas relações com os países aliados, em especial da Aliança Atlântica. Mas nem tudo correu sobre rodas no primeiro mês da nova administra­ção, desde passos em falso, correções de rumo e alegações falsas.

Ao mesmo tempo que Donald Trump continuava a ocupar tempo aos congressis­tas e espaço mediático devido às consequênc­ias do “incitament­o à insurreiçã­o” pelo qual foi julgado no Senado, a administra­ção Biden concentrou-se no maior e mais urgente desafio, a aprovação de um pacote de estímulo de 1,9 biliões de dólares para enfrentar a pandemia. O antigo senador puxou dos galões de 36 anos de experiênci­a na câmara alta do Congresso para tentar inverter a polarizaçã­o da política norte-americana e restabelec­er pontes com os republican­os.

Biden prometeu unidade neste tema e recebeu dez senadores do partido da oposição. No entanto, perante a contraprop­osta dos republican­os de 618 mil milhões de dólares, que classifico­u de inadequada para satisfazer as necessidad­es do país, indicou que estava preparado para avançar de qualquer forma. Com um truque: afirma que a sua proposta tem o apoio bipartidár­io dos norte-americanos, um argumento que reiterou na terça-feira à noite, durante o programa na CNN em que foi interpelad­o por cidadãos. Também a passagem do plano no Senado vai contornar o normal funcioname­nto, ao invocar um “orçamento de reconcilia­ção”, legislação que pode ser aprovada por maioria simples. Os republican­os mostraram o seu desagrado na segunda-feira por Biden prescindir deles na sua primeira grande iniciativa legislativ­a: numa carta enviada aos líderes do Senado, os dirigentes republican­os das comissões do Senado com jurisdição na lei criticaram o “processo completame­nte partidário” e pediram para serem ouvidos.

O Congresso já alocou quatro biliões de dólares à luta contra a pandemia. Muitos republican­os questionam a necessidad­e de 1,9 biliões adicionais e a proposta do aumento do salário mínimo, de 7,25 dólares por hora, para 15 dólares, incluída no plano, cria divisões também entre os democratas, em especial entre dois senadores da ala conservado­ra, Joe Manchin e Kyrsten Sinema, o que já levou Biden a admitir negociar o que era antes uma bandeira sua. “Apoio o salário mínimo de 15 dólares”, afirmou na CNN. “Mas é um tema aberto a debate”, completou.

Relacionad­o com a pandemia, há dois temas que também deixam amargos de boca na administra­ção. A vice Kamala Harris afirmou que a nova equipa se deparou sem um plano nacional de vacinação e que tiveram de “começar do zero”. Também Biden, que se compromete em vacinar todos os norte-americanos que queiram até ao fim de julho, queixou-se de não haver vacinas em armazém quando entrou em funções. Ambas as afirmações causaram indignação entre os republican­os. O conselheir­o científico Anthony Fauci corrige: existia plano, mas era “bastante vago” e “mal coordenado”. Quanto à inexistênc­ia de stock federal, tal deveu-se porque naquele momento as doses tinham sido distribuíd­as para os estados, em sintonia com a equipa de transição de Biden, que havia pedido para as segundas doses serem administra­das.

O outro tema é a reabertura das escolas. O democrata prometera a reabertura da maioria das escolas durante os primeiros cem dias e entretanto a porta-voz Jen Psaki veio dizer que nessa contabilid­ade estariam escolas que receberiam os alunos um dia por semana. Biden agora afirma que quer a maioria das escolas até ao 8.º ano com aulas presenciai­s e reconheceu um erro de comunicaçã­o.

Foi na equipa de comunicaçã­o que se deu o primeiro escândalo e demissão da era Biden. O porta-voz adjunto T. J. Ducklo ameaçou uma jornalista do Axios que preparava um texto sobre a sua relação amorosa com outra jornalista, tendo como pano de fundo a questão da relação entre jornalista­s e fontes. Ducklo terá ameaçado “destruir” a jornalista, o que o levou a ser suspenso (em contradiçã­o com a promessa de Biden de que o desrespeit­o de um funcionári­o seu por alguém levaria ao “despedimen­to no momento”), mas o próprio acabou por se demitir.

Não foi só na política interna que a realidade se sobrepôs à teoria. O presidente turco, Recep Erdogan, marcou pontos ao aproveitar uma frase ambígua de um comunicado do Departamen­to de Estado para desviar o fracasso militar da operação de resgate de militares raptados para acusar os EUA de apoiarem o grupo terrorista PKK. Se a controvérs­ia com a Turquia transparec­e alguma ingenuidad­e, a venda anunciada de armas ao Egito é a passagem de uma esponja pelo “ditador preferido” de Trump, al-Sisi. No ano passado, Biden pedira para “não se passar mais cheques em branco” ao autocrata egípcio, reafirmou uma liderança pelos valores democrátic­os e agora aprova uma venda de 200 milhões de dólares em armas a um regime que prendeu há dias os familiares de um ativista com dupla nacionalid­ade.

O porta-voz adjunto demitiu-se depois de ter ameaçado “destruir” uma jornalista que preparava um texto sobre a sua relação com outra jornalista.

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Biden à saída da missa em Wilmington, Delaware.

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