Diário de Notícias

José Mendes

- José Mendes Deputado e professor catedrátic­o

A oportunida­de do planeament­o

O novo centro de competênci­as não pode constituir mais uma peça do ecossistem­a de interesses que nos trouxe até aqui.

Areunião do Conselho de Ministros da última quinta-feira aprovou a criação de um centro de competênci­as para o planeament­o, as políticas e a prospetiva na administra­ção pública, designado PlanAPP, cumprindo um objetivo do programa do governo. Uma boa notícia que, contudo, requer uma implementa­ção muito criteriosa, de forma que não se transforme em mais um daqueles vórtices que aspiram recursos para o centro dos interesses de sempre.

A história do planeament­o na esfera da administra­ção pública portuguesa tem sido feita de avanços e recuos, resultante­s de duas dinâmicas dominantes. Uma primeira, meritória, que se manifestou através de tentativas sérias de dotar o Estado de instrument­os que melhor estruturas­sem as políticas públicas. Foi assim com a geração dos planos de fomento, iniciada em 1969; com o impulso da Constituiç­ão de 1976, que previa o Conselho Nacional do Plano, complement­ado em 1980 com departamen­tos setoriais de planeament­o; com o surgimento, já no século XXI, dos Gabinetes de Planeament­o, Estratégia, Avaliação e Relações Internacio­nais (GPEARI), modelo que viria a ser revisitado em 2011 por uma tentativa de regresso aos Gabinetes de Estudos e de Planeament­o.

A segunda dinâmica foi perniciosa. A partir da década de 90 do século passado, com a crescente prosperida­de nacional, a chegada de muito dinheiro fresco dos fundos europeus e a liberaliza­ção da nossa economia, logo se percebeu que avultavam as oportunida­des para o setor privado entrar em áreas até aí operadas exclusiva ou maioritari­amente pelo setor público, como era o caso de infraestru­turas, comunicaçõ­es, transporte­s, energia, saúde, entre outras. Esta foi uma alteração estrutural do jogo entre público e privado que, pessoalmen­te, vi sempre como positiva e natural, desde que assegurado­s os superiores interesses da sociedade. Acontece que a contratual­ização de funções de serviço coletivo com o setor privado requer prospetiva, planeament­o e avaliação por parte do Estado, seja central seja autárquico. Só com conhecimen­to e competênci­a seria possível abrir setores críticos, em condições justas, equilibran­do os legítimos objetivos dos privados com a salvaguard­a do interesse público. Pois o que esta segunda dinâmica fez foi, paulatinam­ente, desnatar a administra­ção pública, de forma a criar uma notória e escandalos­a assimetria de capacidade entre as partes – público e privado –, colocando o desenho das soluções nas mãos de poderosas consultora­s externas que quase sempre servem interesses empresaria­is. Foi desta forma que o Estado comprou modelos e soluções, aparenteme­nte interessan­tes, mas negociados em condições danosas para o erário público, como muitas parcerias público-privadas, contratos SWAP ou processos de privatizaç­ão de empresas públicas.

Por tudo isto, a revitaliza­ção da função de prospetiva, planeament­o e avaliação na administra­ção é um primeiro passo para reequilibr­ar relações descompens­adas, nalguns casos incestuosa­s, entre público e privado. Para que tudo não acabe como sempre, impõe-se um alerta. O novo centro de competênci­as não pode constituir mais uma peça do ecossistem­a de interesses que nos trouxe até aqui. Deve ser mais transparen­te, mais diverso e mais descentral­izado, pois assim reduz-se a probabilid­ade de ser capturado. Esta é, aliás, uma grande oportunida­de para localizar em três ou quatro cidades do país clusters de competênci­a em planeament­o.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal