Aubrey de Gray É possível reparar os danos nas células? Sim, e isso vai prolongar os anos de vida
ENTREVISTA Diretor de Ciência da SENS Research Foundation publicou o livro Ending Aging e defende que é provável que se possa viver até aos 1000 anos num futuro próximo.
Bem, espero ter feito isso na minha palestra “Building the Future” [que teve lugar no final de janeiro]. Essencialmente, digo que estamos muito perto de poder realizar uma “manutenção preventiva” abrangente no corpo humano, removendo os danos que se acumulam ao longo da vida como resultado do funcionamento normal do corpo, de forma que os danos não sejam tão grandes ao ponto de nos deixar doentes. Portanto, é tudo uma questão de reparação de danos.
É a esse processo que chama medicina regenerativa?
A medicina regenerativa é um subconjunto da reparação de danos. Principalmente, está focado na substituição de células que o corpo já não consegue substituir automaticamente quando morrem pela divisão de células próximas. Essa é uma grande parte da reparação de danos e será particularmente importante para abordar certos aspetos do envelhecimento, como a doença de Parkinson. Mas também existem muitos aspetos da reparação de danos que não são classificados como medicina regenerativa, como a remoção de resíduos. Nas suas intervenções públicas e escritas, defende que o ser humano poderá viver até aos 1000 anos e que o primeiro ser humano a poder chegar a essa idade já nasceu e deve ter atualmente entre 50 e 60 anos. Como se pode defender essa ideia?
Não é bem isso que digo. Na verdade, digo que essas coisas provavelmente serão verdade. Nunca é possível fazer previsões categóricas (ou seja, não probabilísticas) sobre eventos futuros que dependem da taxa de progresso da tecnologia pioneira. Mas fora isso, você está certo, é o que eu digo. A lógica disso é algo a que chamei de “velocidade de escape da longevidade”. Acho que temos pelo menos 50% de hipótese de desenvolver medicamentos nos próximos 15-20 anos que podem ser dados a pessoas que já estarão com 70 anos naquela época, e que vão reparar os danos no seu corpo – ou, por outras palavras, rejuvenescê-las. Isso fará que sejam necessários mais 20 a 30 anos para que voltem a ter os mesmos problemas que enfrentavam antes de utilizarem os medicamentos. E durante esses anos os cientistas terão melhorado os remédios para que essas mesmas pessoas possam ser “rejuvenescidas” de novo – e isso pode continuar indefinidamente. Portanto, a longo prazo, espera-se que essas pessoas (que, como você diz, já têm 50 anos), vivam tanto como se o risco de morte em qualquer ano fosse o mesmo de quando eram jovens. E isso é menos de um em mil, então, a implicação é que essas pessoas viveriam, na sua maioria, até aos 1000 anos.
O que ganha o ser humano por viver mil anos, ou mesmo 150 anos como diz que pode acontecer consigo?
Não tenho ideia e não vejo razão para precisar de saber isso. Não trabalho para acabar com o envelhecimento a fim de permitir que as pessoas vivam mais do que o fazem naturalmente. Eu trabalho para acabar com o envelhecimento, com o sofrimento, a doença, a dependência, a debilitação e a miséria geral que o envelhecimento causa às pessoas enquanto estão vivas. A longevidade é um efeito colateral. É um ótimo efeito colateral, porque a maioria das pessoas saudáveis não quer morrer tão cedo, não importa há quanto tempo nasceram, mas ainda é apenas um efeito colateral.
Qual é o papel da inteligência artificial [IA] nas suas investigações? Não usamos IA para o tipo de trabalho que é feito na SENS Research Foundation, mas é muito importante em outros aspetos da pesquisa de rejuvenescimento, e vários dos grupos e empresas com os quais trabalhamos estão a usar a IA. Atualmente, o seu papel principal está relacionado com a descoberta de remédios. Além disso, espero que os fantásticos avanços recentes na previsão da estrutura tridimensional das proteínas com IA acelerem muito inúmeras áreas da pesquisa médica, incluindo o rejuvenescimento. Considera-se, como acho que já foi apelidado, o “profeta da imortalidade”?
De modo nenhum. Esse é o tipo de coisa que é escrita por jornalistas que são pagos para serem sensacionalistas.
E quanto ao financiamento do seu trabalho? Tem dificuldades para o obter?
Tornou-se muito mais fácil nos últimos anos, à medida que avançamos mais e persuadimos mais pessoas de que isso poderia realmente ser possível. Em particular, agora tornaram-se [as suas investigações] interessantes para investidores e não apenas para filantropos. O que diz às pessoas que são céticas sobre o seu trabalho? Explico o meu trabalho, claro. Às vezes, são céticos porque só leram comentários sobre o que faço feitos há 15 anos por pessoas que não entendiam o meu trabalho. Agora é fácil, pois as minhas ideias não são novas e foram também utilizadas e trabalhadas por muitos outros especialistas. Gostaria ainda de frisar que é muito importante para mim dar palestras como esta [“Building the Future”] e entrevistas. É assim que ajudo o mundo a ver o quão perto estamos de acabar com o envelhecimento.
“Trabalho para acabar com o sofrimento, a doença, a dependência, a debilitação que o envelhecimento causa às pessoas enquanto estão vivas. A longevidade é só um efeito colateral.”