Pandemia empurra música para a TV. Mas chega para os artistas e para a indústria? A Apple TV+ terá pago 21,5 milhões de euros a Billie Eilish pelo filme que conta a história da ascensão da adolescente ao topo da indústria musical.
Os documentários sobre cantores, bandas e géneros musicais multiplicam-se fora de portas e com estreias marcadas a partir de 2021. Um género que está longe de compensar as perdas originadas pela pandemia, antecipa quem conhece o setor. A aposta dos músic
Os documentários sobre música e artistas estão mesmo para ficar e as apostas de filmes e de streaming para 2021 estão concentradas nas narrativas que recriam a vida e a obra de artistas e bandas. E não é só de pop que se fala, pelo contrário, há de todos os géneros e gostos musicais.
E se esta opção já vinha a ser explorada, ganhou forte impulso com a pandemia, com a restrição dos concertos e com a necessidade de encontrar novos caminhos para quem vive da música. A solução? Ir para onde estava o público, retido em casa, na sala diante da TV ou do telemóvel e pronto para ver – porque não – música.
Billie Eilish é uma das primeiras a chegar ao streaming, neste ano – na próxima sexta, 26 de fevereiro. A Apple TV+ terá pago 26 milhões de dólares (21,5 milhões de euros) pelo filme em torno da intérprete e autora de Bad Guy. The World’s a Little Blurry propõe-se contar a história e a ascensão da adolescente até ao topo da indústria. Esperadas são também as produções em torno de Rihanna – estimam-se mais de 1200 horas de imagens da estrela da pop, da atriz e do trabalho na sua própria marca, a Fenty, a caminho da Amazon – e de Tina Turner, para a HBO. Mas há mais estreias a chegar em 2021 no streaming. Entre elas, The Beatles ou Velvet Underground.
E nem só de artistas ou de bandas icónicas se faz esta reforçada aposta na música que chega através dos distribuidores dos media. Em diversas fases de produção, com agendamentos distintos e a apontar para o futuro, esperam-se mais documentários ou mesmo séries de curta duração que querem explorar géneros musicais, fenómenos e festivais: o punk rock, o grunge de Seattle, nos Estados Unidos da América, e de onde emergiram nomes como Nirvana ou Foo Fighters, ou mesmo a história do célebre festival Coachella são projetos que estão a ser preparados.
Escolhas nacionais ainda são poucas e olham para o passado
Por cá, também começam a avolumar-se as apostas por parte dos canais em produções biográficas ou temáticas em torno da música. Mas elas são ainda escassas, incomparavelmente menores quando comparadas com a indústria de ficção nacional. Muitas têm decorrido, com frequência, de filmes que se transformam em séries, como se espera, por exemplo, da história feita em torno da primeira girlsband nacional, as Doce. A estreia de Bem Bom tem vindo a ser adiada devido à pandemia, mas tem agregada a si a promessa de uma série de sete episódios a ser exibida na RTP.
Mas esta não é a única aposta neste género. A estação pública revela, no seu plano de atividades para 2021, estar a trabalhar com produtores independentes que pretendem explorar o lado da música nacional em documentários. Dos dez projetos enunciados no documento para este ano, um é sobre um artista, Zé Pedro Rock and Roll, e outro sobre u género: Histórias do Fado, relatos feitos por nomes recentes da música nacional, recordando lugares de memória, em seis episódios.
Depois de Eu, Amália, a RTP Memória prepara mais trabalhos biográficos com figuras da música nacional já desaparecidas, como Zeca Afonso e Carlos Paião.
Mas porquê o passado? Para lá do acervo de imagens que a RTP tem, há o círculo vicioso a que a televisão tem de responder: fazer conteúdos para o maior auditório possível. Ora, se este é tendencialmente envelhecido, acaba por se procurar soluções que mais lhes agradem ou nas quais se arrisque menos.
Dos privados, os ecos neste setor são menos audíveis. Pelo menos, por enquanto. E quando o fazem, parecem estar a olhar mais para as novas gerações e para artistas inequivocamente populares. A título de exemplo, o percurso e o trabalho sobre David Carreira, cantor e filho de Tony Carreira, está disponível na nova plataforma de conteúdos da SIC, a OPTO, mas não foi originalmente pensada para essa estrutura, que está a desenvolver acervo documental sobre outras personalidades, entre elas o chef Ljubomir Stanisic.
De volta à música, se lá fora as apostas nestes conteúdos televisivos dificilmente vão compensar as perdas económicas dos artistas provocadas pela pandemia, cá tal nem sequer se aplica porque a maioria das estrelas nacionais recentes não gozarão dessa oportunidade de rendimento, restando-lhes as redes sociais, os projetos paralelos ou, em pouquíssimos casos, os programas de música nos quais se sentam para serem jurados. Mas e o que ganham com as músicas que são transmitidas nos programas de caça-talentos? “Formatos como The Voice, X Factor ou A Máscara têm audiências muito interessantes, mas não se trata exatamente de programas musicais, têm antes a músico incorporada”, distingue o diretor-geral da Audiogest, associação gestora de direitos de autor, Miguel Carretas. Ora, são devidos direitos, claro, aos autores quando a música é cantada ao vivo e aos produtores e artista quando gravada.
Os novos caminhos da música para a sobrevivência
Os documentários feitos fora de portas dão margem aos artistas para rentabilizarem as suas carreiras em tempo de restrições aos espetáculos, mas compensam o que se perdeu em tempo de pandemia? Miguel Carretas crê que não. “A televisão está muito longe de compensar a atividade regular do artista”, analisa.
Os espetáculos ao vivo desapareceram e a multiplicidade de concertos transmitidos nas redes sociais, tão comuns no primeiro confinamento, desvaneceu-se neste segundo período de recolhimento. “É evidente que esta pandemia originou, muito pela necessidade, uma busca pela forma como os artistas chegavam digitalmente ao seu público. No início, o que se procurou fazer de uma forma simples foi tentar transpor para o mundo digital um concerto ao vivo tal como ele é”, recorda. Soluções que, antecipa o especialista em direitos de autor, “não funcionam no pós-pandemia”, em que “as pessoas não terão a mesma disponibilidade para remunerar da mesma forma um concerto ao vivo e imitação digital do mesmo”. Por isso, prossegue o diretor-geral da Audiogest, o caminho tem sido o de “aproveitar esta oportunidade para lançar propostas para a comunidade com conteúdos exclusivos”.
Miguel Carretas fala, com curiosidade, da recente oferta lançada pelos The Gift, a plataforma REV, como uma aposta a ser explorada e analisada. “É uma experiência que é monetizada, uma forma de subscrição para a comunidade que se revê na linha estética dos The Gift, os fãs que, a preços distintos, têm acesso a conteúdos musicais e não musicais, documentos históricos, sessões de estúdios, seleções musicais e podcasts e entrevistas.”