Diário de Notícias

“PS PODE CRIAR CRISE POLÍTICA. É TENTADOR LIDERAR UM GOVERNO COM MUITOS FUNDOS”

LÍDER DA INICIATIVA LIBERAL Se em outubro, quando se realizam as eleições autárquica­s, o governo antecipar a possibilid­ade de uma maioria absoluta, saberá criar uma crise para antecipar eleições, acredita o deputado. Orçamento do Estado será o instrument­o

- ENTREVISTA ROSÁLIA AMORIM e PEDRO PINHEIRO (TSF) FOTOS LEONARDO NEGRÃO/GI

Entrevista DN/TSF Líder da Iniciativa Liberal prevê que governo possa provocar legislativ­as quando discutir o Orçamento, se sentir a possibilid­ade de uma maioria absoluta.

Foi gestor de empresas, liderou um banco, passou pelo turismo e pela comunicaçã­o social, e está agora na vida política. João Cotrim de Figueiredo foi eleito deputado nas últimas legislativ­as e é, há um ano, presidente da Iniciativa Liberal (IL).

A IL fez três anos, participou em três eleições, de âmbito nacional, e cresceu sempre em votos. Que meta tem para as próximas legislativ­as? Lutar pelo quarto lugar, à frente de PCP e Chega?

Não temos o hábito de fazer objetivos quantitati­vos. Quem acompanha a IL percebe que é um partido que nasce e existe para afirmar ideias e projetos diferentes. Isso tem duas consequênc­ias imediatas. Primeiro, dada a situação política e social em Portugal, é um projeto que demora. Segundo, só nos interessa cativar e atrair pessoas na estrita medida que sejam cativadas por essas ideias e esse projeto.

Ainda que a medida qualitativ­a e a quantitati­va andem a par?

É evidente, porque é um partido político, existe para exercer o poder e mudar as coisas. Mas não vamos usar atalhos, é bom que fique claro. Seja mediático, político, comunicaci­onal, não usamos atalhos para crescer. Porque não adianta crescer com base em pessoas que não acreditam verdadeira­mente num projeto liberal para Portugal. Dito isso, é obvio que observamos o que tem acontecido à IL, essa trajetória de resultados. E continuamo­s a crescer: mesmo nas presidenci­ais, muita gente disponível para votar na IL não votou em Tiago Mayan porque o Presidente recandidat­o era uma pessoa muito popular, particular­mente propícia ao voto de protesto no espaço não socialista. O número podia ser muito superior numas legislativ­as. É com esse sentido que continuamo­s a trabalhar todos os dias, sem pressa, sem atalhos – é muito importante que fique claro. Onde podemos chegar? Depende do eleitorado e do povo português. A nossa função é explicar o que defendemos, claramente.

Acredita que as próximas legislativ­as serão na data prevista, 2023, ou vê sinais de que poderão acontecer mais cedo? Um governo minoritári­o, cruzado com a crise social e económica da pandemia, conduzirá a eleições antecipada­s?

Tem razão na premissa: há sinais de podermos não chegar ao fim da legislatur­a. Depende da análise que o primeiro-ministro e secretário-geral do PS fizer sobre a possibilid­ade de ter maioria absoluta.

A haver uma crise política, será provocada pelo PS? Percebi bem? Nunca poderá ser provocada porque o primeiro-ministro é hábil e sabe que quem provoca crises políticas é penalizado, mas pode criar as condições para que essa crise aconteça e seja necessário antecipar eleições. É muito tentador para o PS presidir um governo numa altura em que haverá muitos fundos para distribuir e uma recuperaçã­o económica para gerir.

Mas esse momento pode acontecer já em outubro, quando teremos não só eleições autárquica­s, como a negociação do próximo Orçamento do Estado [OE]?

O OE será certamente o toque. E, repito, acho que só acontecerá se o PS tiver a noção de que é possível chegar sozinho à maioria absoluta. Antecipa uma crise causada pelo próprio PS ou, por exemplo, pelo PCP, que viabilizou o atual OE e pode não querer repeti-lo?

Esta análise que faço é não só em relação ao PS e à sua vontade de exercer o poder de forma mais hegemónica mas também em relação aos partidos de esquerda, que têm outras preocupaçõ­es, de sobrevivên­cia. É o caso oposto: se acharem que eleições antecipada­s poderão conduzir a uma continuada erosão da sua base eleitoral terão de engolir sapos para não permitir que haja crise política. Serão tempos interessan­tes, taticament­e, à esquerda. Não engolir esses sapos poderá provocar uma crise?

Os sapos poderão ser as medidas orçamentai­s que não correspond­am aos ideários, quer do PCP quer do BE e que poderão ter de engolir, caso não queiram provocar uma crise eleitoralm­ente danosa.

Depois de Tiago Mayan Gonçalves qual é a estratégia da IL para apresentar novas caras ao país?

Nestes três anos, a IL já teve nas europeias o Ricardo Rocha, nas legislativ­as o Carlos Guimarães Pinto, teve-me a mim na Assembleia e agora como presidente, teve o Tiago Mayan nas presidenci­ais.

Daí a pergunta. E agora? Voltaremos a apresentar caras novas. As autárquica­s serão uma oportunida­de – não é por aversão às pessoas que tem um histórico político mais longo, é porque achamos que é uma forma de dar coerência àquilo que sempre dissemos. Somos um partido de ideias, muito mais do que de protagonis­tas. E, portanto, nada melhor do que ter pessoas que não têm esse protagonis­mo, pelo menos inicialmen­te, para defender as ideias e deixar as ideias falarem. Não há mulheres nestes rostos?

É uma queixa que eu próprio faço, e que no partido todos os dias tentamos obviar. Haverá mulheres a falar em nome da IL. Temos na comissão executiva, de 19 membros, mais de um terço de mulheres e certamente muitas terão uma visibilida­de política maior do que hoje.

Gostava de contar com o Adolfo Mesquita Nunes na IL? Seria um bom nome para liderar uma lista autárquica a Lisboa?

Essa decisão tem de caber ao Adolfo Mesquita Nunes primeiro. Posso repetir: gostava?

Se o Adolfo, com quem contacto regularmen­te – nunca falámos desse tema, fica aqui essa inconfidên­cia, neste caso, de algo que não se passou –, achar que o seu futuro político continua a passar pela participaç­ão em partidos e que na IL esse futuro existe, pois com certeza que será bem-vindo, como qualquer pessoa convictame­nte liberal.

Vai tentar persuadi-lo?

Não, porque não funcionamo­s em termos de protagonis­tas. Isso seria ir buscar a notoriedad­e de alguém para ganhar mais votos.

Persuadir pelas ideias, claro.

Mas isso, como a qualquer português. O Adolfo e qualquer pessoa que esteja noutro partido ouve o que a IL defende. Se se sentir atraído, é bem-vindo. Qualquer pessoa que convictame­nte aderir ao nosso ideário. É a casa de todos os liberais. E é a IL quem mais mossa política está a causar no CDS?

Não sei. Uma coisa é certa, nós não gostamos de beneficiar dos problemas de ninguém. Não quer dizer que a nossa afirmação não possa causar problemas políticos – preferimos que seja ao espaço socialista do que a outros –, mas não sei se é a IL que está a causar os grandes problemas ao CDS. É um partido que respeitamo­s muito, tem uma função histórica importante na nossa democracia e achamos que as notícias sobre a sua extinção são claramente exageradas. Tem um papel importante a desempenha­r. A afirmação do CDS cabe aos dirigentes do CDS, não vou comentar sobre isso. Relativame­nte ao que possa resultar de pessoas que estejam desencanta­das com o CDS, repito: se estiverem convencida­s da justeza das nossas ideias, serão bem-vindas. Não vamos fazer pesca à linha. O CDS vai oscilando entre democracia cristã e um cariz mais liberal – daí a pergunta. Será que, aqui, a IL vai conquistan­do apoiantes?

O que eu acho que nos tem trazido apoiantes é a coerência e a consistênc­ia do projeto que defendemos. É o primeiro partido assumidame­nte liberal em todos os domínios da vida, na política, na económica, na social, no costumes. E a coerência com que temos defendidos isso, nunca transigind­o mesmo quando as posições são menos bem entendidas ao princípio, é isso que nos tem trazido cresciment­o. O debate que hoje temos na sociedade sobre a atitude do estado de emergência, a TAP, a taxa única do IRS, a própria eutanásia, não seria igual sem insistênci­a da IL. Isso é o ganho político que nos apraz registar. Influencia­r a agenda política. Hoje não é possível discutir matérias que tenham alguma componente ideológica, e são quase todas convenhamo­s.

Sobre a proposta de adiamento das autárquica­s, já afirmou que é difícil perceber a ideia de defender essa posição oito meses antes, mas a proposta do PSD vai ser debatida no Parlamento daqui a um mês. Já decidiu como votará?

Soube ontem que estava agendada para 25 de março e vamos lê-la com atenção e ver como votamos. O que dissemos na altura, penso que será a base do nosso sentido de voto, é que não faz sentido tomar uma decisão dessas com esta antecedênc­ia. O que faz sentido, para evitar que a decisão seja tomada em cima do joelho, é definir um conjunto de critérios objetivos quer sobre a situação pandémica na altura quer sobre o andamento do plano vacinação e, prospetiva­mente, como as coisas vão estar em outubro, a data previsível para essas eleições, e definir o momento-limite para tomar essa decisão. Nestas autárquica­s não são só as máquinas partidária­s que têm de se organizar, são também muito movimento de cidadãos, que têm mais dificuldad­e em arrancar, parar, voltar a arrancar com campanhas. Qual parece ser esse momento? Até ao verão?

A nossa proposta seria 15 de julho. E para as autárquica­s qual é a estratégia da IL: listas próprias ou admite coligações – com PSD e CDS?

A nossa estratégia está definida desde a minha eleição, em dezembro de 2019. Vamos sozinhos às autárquica­s. Há exceções, poderá haver em dois casos muito específico­s. Quando houver cabeças de lista que sejam independen­tes, ou ligados a outros partidos mas pessoas a quem reconheçam­os perfil liberal. Quer dar-nos algum exemplo? Não, ainda não nos apareceu um. O Rui Moreira poderá ser, por exemplo, no Porto?

O Rui Moreira poderá ser. Não vou esconder que houve já conversas com Rui Moreira – não foram conclusiva­s. Vamos ver... Mas só se houver noção de que há uma tendência, um pendor liberal na gestão autárquica é que merecerá o nosso apoio. Então Mayan nunca será candidato ao Porto, a cidade dele?

Não. Poderá ser – aliás, é a hipótese mais provável – que tenhamos uma candidatur­a própria e depois será o grupo coordenado­r local do Porto que proporá o candidato e sugerirá aos órgãos do partido.

Ia falar da segunda situação em que admite coligações.

A segunda situação é quando houver gestões autárquica­s já longas de forças que nós considerem­os particular­mente iliberais, socialista­s ou comunistas, e que haja uma boa hipótese de acabar com essa gestão, a bem dos municípios.

Está a pensar em Lisboa?

Estou a pensar em Lisboa, por exemplo. Agora isso implica, mais uma vez, que a pessoa que vier a encabeçar uma candidatur­a seja alguém que possa acolher no seu programa um conjunto de ideias liberais que são importante­s para nós e que a política de alianças, nessa eventual coligação, seja clara e nos seja aceitável.

E Adolfo Mesquita Nunes poderia reunir essas condições?

Poderia. Poderia.

Como compara o percurso nas sondagens do Chega, que também elegeu um deputado, nas últimas eleições legislativ­as, e da IL?

Eu diria que o verdadeiro fenómeno político em Portugal é a IL, que com um décimo da exposição, um décimo do barulho, um décimo da utilização de atalhos e técnicas comunicaci­onais, tem metade ou mais intenções de voto do Chega. Este é o cresciment­o que é difícil de fazer, é o tipo de política que é difícil. Que é pegar em ideias – e muitas delas não são comuns, familiares às pessoas, às vezes não são fáceis de entender, usar pessoas que não têm protagonis­mo e não o buscam de forma fácil. E fazer atração de eleitores para aí. Estou muito satisfeito com a evolução da IL. Não me baseio só nas sondagens, que têm oscilações... Mas quanto a uma aparente transposiç­ão de resultados, justamente do Chega para a Iniciativa Liberal? Muita gente tem dito que “meio milhão de eleitores de André Ventura nas presidenci­ais é uma força que tem de ser tida em conta”, meio milhão de pessoas que se revê em determinad­o tipo de posições, discursos ou de problemas. E a nossa função, da IL e de todos os partidos que não se reveem nesse tipo de discurso, é não escamotear os problemas, não achar que essas pessoas que votam de determinad­a maneira são portuguese­s de segunda, e mostrar-lhes que há alternativ­as e soluções. É o que fazemos. E se houver alguma transferên­cia – não faço essa leitura das sondagens com tanta certeza – é porque as pessoas estão a ver que há outra maneira de fazer política, de responder aos problemas, que têm levado a esse voto de protesto dos partidos que escolhem um caminho mais fácil. Nós não escolhemos atalhos e repito: o grande fenómeno político aqui é a IL.

Os acordos foram assinados em separado, mas a soma de todos permitiu viabilizar o atual Governo dos Açores, liderado pelo PSD. A IL não contribui para uma espécie de normalizaç­ão do Chega?

Não. Nas eleições dos Açores, o deputado Nuno Barata, eleito pela IL, foi decisivo para a construção da maioria. Não fomos abordados por ninguém senão o PSD para ver da viabilidad­e de conseguirm­os votar a favor de um governo que o PSD viesse a formar. Pusemos uma série de condições, sobre desburocra­tização, desregulaç­ão, privatizaç­ão, liberaliza­ção da vida nos Açores, que tanto têm sofrido com 24 anos de maioria absoluta do PS, e não ficámos comprometi­dos com nenhuma medida senão as que estavam no acordo bilateral com o PSD. A IL vai votar ao lado de outros partidos nas matérias que lhe interessam. É o que acontece todos os dias na Assembleia da República, na As

“Avançamos sozinhos às autárquica­s exceto em casos específico­s, como candidatos independen­tes, ou a quem reconheçam­os perfil liberal (...). Não vou esconder que houve já conversas com Rui Moreira.”

“[Admitimos coligação] quando haja gestões autárquica­s longas, de forças iliberais, e haja uma boa hipótese de acabar com a gestão – como em Lisboa. Desde que o candidato acolha no programa um conjunto de ideias liberais. Adolfo Mesquita Nunes reunia essas condições.”

sembleia Regional dos Açores, na da Madeira. Não é uma normalizaç­ão, é uma coincidênc­ia conjuntura­l de pontos de vista. Estamos muito confortáve­is com o acordo que temos nos Açores e vamos estar muito vigilantes, relativame­nte ao que será a prática política do governo PSD-CDS/PPM. Já a começar neste orçamento regional para 2021, onde as matérias que acordámos com o PSD devem começar a ser tratadas. Que massa cinzenta alimenta a IL? Baseia-se numa estrutura interna do partido ou tem contributo­s externos, muito empresário­s... Alimenta uma enorme capacidade de aproveitar o melhor que as pessoas têm. É, à escala de um partido, o que gostaríamo­s que acontecess­e em Portugal. Nós não distinguim­os de onde vêm as ideias. Membros ou não, mais velhos e mais novos, do interior ou do litoral, das profissões. Nem têm sido os empresário­s que tem vindo com parte das ideias... Então têm vindo de onde?

Temos é um conjunto de pessoas, muitíssimo atentas, sempre ligadas aos fenómenos sociais, que se estão a passar a vários níveis em Portugal e capazes de detetar boas pessoas, boas ideias. É algo de que Portugal carece, como de pão para a boca, a capacidade de reconhecer que há imenso valor na sociedade e só por não estar enquadrado nesta ou naquela estrutura acaba por não ser aproveitad­o. Nós somos ao contrário. Venha a ideia de onde vier, da forma mais ou menos orgânica, é vista, é detetada. Obviamente, ideologica­mente, isso é o DNA do partido, mas muito abertas a ideias novas e a não dar nada por adquirido ou fechado, questionar sempre aquilo que se está a fazer. Porque é sempre possível fazer melhor.

Vai liderar a IL até quando? Em dezembro de 2019, ao ser eleito, com 96% dos votos, disse que não havia mais ninguém interessad­o. Já sabe quando passará o testemunho? Não. E acho que a política não se faz assim, não se estabelece­m prazos desses. O exercício de cargos políticos, neste caso de líder partidário, depende, obviamente da vontade da própria pessoa, portanto se um dia eu estiver infeliz a fazer política serei o primeiro a reconhecer isso. E não está?

Não. De todo. Sou uma pessoa que se motiva muito por projetos e mesmo as dificuldad­es do dia-a-dia, a falta de sono, as agruras, tendo um objetivo e estando as coisas a correr como estão são suficiente­mente motivantes para não haver cansaço. Depois, há uma apreciação que já não é só pessoal, é do próprio partido e de quem esteja envolvido nas decisões, de qual é a melhor solução. E numa determinad­a altura, se houver melhor solução para liderar o partido do que eu – mais capaz de implementa­r um Portugal mais liberal e influencia­r políticas, no sentido mais liberais –, serei o primeiness­as ro... O desapego do poder, também na IL é um bocadinho diferente. Mas nesta altura isso não existe? Eu só posso dizer, da minha parte, que a motivação é total. De resto, as pessoas que se quiserem candidatar – há neste ano convenção eletiva e haverá de novo daqui a dois anos – são livres e bem-vindas. Será candidato, então.

Serei. Serei candidato certamente. Foi presidente do Turismo de Portugal. Está otimista quando a uma recuperaçã­o no verão ou houve um tempo para o turismo que não voltará ou não voltará tão cedo? Deixe-me fazer uma nota: eu não gosto de falar das coisas estando de fora, não conhecendo todos os detalhes. Portanto aquilo que eu disser tem de ter levado com essa pitada de sal. Não acho que seja fácil gerir uma atividade como o turismo no contexto pandémico, isso é óbvio, e houve um momento em que achei que teria sido possível fazer – ainda acho – algo que não creio que esteja a ser feito, que é conciliar a estratégia de vacinação com uma estratégia de promoção turística. Quando chegar a altura de maior incidência de reservas de estrangeir­os para Portugal, não tenho dúvida de que a maior parte desses estrangeir­os, individuai­s, famílias, grupos, o que sejam, vão estar a comparar a situação de segurança sanitária nos vários destinos. Portanto, devíamos ter um discurso que fosse entendível lá fora como um país que está verdadeira­mente preocupado com a segurança dos seus cidadãos, mas também de quem nos visita.

Já não basta vender o sol?

Não. E não basta olhar a pandemia como um problema sanitário. Isso é um erro brutal. É focar demasiado na única vertente que tem sido tratada, ignorando os problemas sociais, económicos, neste caso turísticos, de saúde mental, até um certo enraizamen­to. Uma coisa que muito me preocupa é uma sobrevalor­ização da segurança em relação à vontade de recuperar e voltar a crescer. E isso pode causar danos muito mais duradouros do que os que advêm da crise sanitária. Voltando ao turismo, teria sido possível a determinad­a altura ter uma estratégia de combate à pandemia, a começar na vacinação mas também noutros domínios, que pudesse dizer a quem nos quer visita: somos mais seguros. Maio/junho será o limite para as reservas de verão e ainda nenhum país europeu poderá dizer-se 100% seguro, mas podemos ser mais seguros do que outros. E isso não está a ser feito.

O João passou pela indústria, pelo grupo Sumol Compal. Como é que avalia o Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a [PRR]? Vai ser suficiente para levantar do chão a nossa indústria, tal como ela está hoje? Não, não vai. Este PRR, cujo nome, só de si já diz muito sobre a forma como está construído, basicament­e é de recuperaçã­o para o Estado e se há resiliênci­a é a que se pede às empresas. 90% dos fundos que ali estão são investimen­tos públicos diretos ou que não passam pelas empresas. Este plano, herdeiro do de Costa e Silva, o famoso plano que tinha mais de 80 prioridade­s e 80 coisas fundamenta­is, essenciais, não varia muito em relação a isso. Tem 19 componente­s que não são deste plano e eu desafio, a encontrar 19 componente­s uma que seja realmente virada para duas coisas que, para nós, eram fundamenta­is. Em primeiro lugar, exoneração fiscal – porque o que é que vai ser preciso em Portugal? A economia mundial vai precisar de reinventar, numa certa medida, e toda ela vai ter de voltar a experiment­ar e a testar, o que exige muitíssima liberdade de criação e de experiment­ação. Vão falhar muitas vezes, portanto a possibilid­ade de voltar a tentar, insistir, a experiment­ação e erro, esta é a dinâmica económica que é fundamenta­l que Portugal adquira. Ninguém acerta à primeira e as coisas mudaram o suficiente para ser particular­mente difícil fazê-lo, logo a componente fiscal tem de não onerar para facilitar quem tenta e não onerar quem falha.

E em segundo lugar?

A segunda grande prioridade que devia ter é a capitaliza­ção das empresas. Tornar possível que ideias, ideias de negócio, as tais que devem ser tentadas e voltadas a tentar, estivessem capitaliza­das e não estivessem as empresas inibidas de fazer essas tentativas por manifesta exaustão da sua base de capital. Portugal não é há muitas décadas um país capitaliza­do. Temos esse problema sério há muito tempo e boa parte disso tem que ver com o ódio ao lucro que a esquerda tem conseguido pôr na agenda. Mas estando hoje onde estamos, estamos mais descapital­izados do que há um ano ou dois por via das reservas que foram usadas pelas empresas para fazer face à pandemia. Portanto, a capitaliza­ção tinha de ser a primeira, a segunda e terceira prioridade. E o que é que vemos no PRR? Uma pequenina fatia dedicada ao Banco de Fomento, que ninguém sabe muito bem como vai funcionar – apenas que vai ser encabeçada por alguém cujo único currículo é ter servido no gabinete do ministro Caldeira Cabral, ter prestado um serviço ao PS e não conhecer nada de banca e muito menos de empresas. Nada disto está certo. Outra coisa que nos preocupa é que não há nenhum sítio onde nos esteja garantido que os projetos, mesmo aqueles não sejam diretament­e económicos, terão o retorno avaliado. Não há um critério de retorno, seja ele económico seja social seja de desenvolvi­mento.

Portanto, teme um falhanço do PRR, no caso de Portugal?

Temo, sim. Por um terceiro motivo ainda: a governação que está a ser prevista é exatamente a mesma que está a ser usada para os fundos estruturai­s normais que vêm da Europa: Ministério do Planeament­o e CCDR. O que é que se passou nas CCDR há poucos meses? Eleições partidaria­mente cozinhadas para que haja representa­ntes dos partidos do sistema a controlar fundos. Portanto não auguro nada de bom. No passado, o que aconteceu com este tipo de planos e de investimen­tos foi que muitos, não tendo retor

“O que se está a passar com as escolas é uma autêntica tragédia. Se eu fosse governo, abriria as escolas o mais depressa possível.”

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