Diário de Notícias

PSOE vs. Podemos Combate a uma oposição que está dentro do governo

O caso da detenção do rapper Pablo Hasél foi o último a chamar a atenção para a divisão dentro da coligação. Nesta semana, pela primeira vez, os dois partidos votaram de forma diferente em duas ocasiões no Congresso.

- TEXTO SUSANA SALVADOR

“Émuito simples. Não podem ser oposição e governo. Têm de escolher.” A frase terá sido dita, em finais de janeiro, pela porta-voz da bancada socialista no Congresso espanhol, Adriana Lastra, num encontro com deputados da Unidas Podemos. As divisões entre os dois partidos que fazem parte da coligação do governo têm sido constantes, a começar pela posição em relação à monarquia, mas acentuaram-se no último mês e ganharam nova frente de batalha nesta semana, com o caso da detenção do rapper Pablo Hasél. Até quando conseguirá a coligação aguentar?

“A violência é um ataque à democracia. Consequent­emente, o governo da Espanha confrontar­á qualquer tipo de violência”, afirmou o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, na sexta-feira. O líder socialista rompia assim o silêncio em relação aos protestos contra a detenção do rapper condenado a nove meses de prisão por glorificaç­ão do terrorismo, além de críticas à monarquia e às forças policiais que, desde terça-feira, têm terminado em violência. “Numa democracia plena, e a democracia espanhola é uma democracia plena, é inadmissív­el o uso de qualquer violência”, insistiu.

Sánchez nunca referiu a posição do seu parceiro de governo, mas esta foi a resposta às declaraçõe­s do vice-presidente do executivo, Pablo Iglesias, da Unidas Podemos. No final da campanha para as eleições catalãs do último fim de semana, este disse que “em Espanha não há uma situação de plena normalidad­e democrátic­a”, insistindo durante a semana que a democracia espanhola é “melhorável”.

Depois de Hasél ter sido detido, foi o porta-voz do grupo parlamenta­r, Pablo Echenique, a causar polémica, ao apoiar os protestos nas ruas (sem condenar a violência) e criticar a atuação policial. O desagrado socialista ficou patente na reação da vice-presidente Carmen Calvo, que deixou claro que “nenhum direito se pode defender com violência”, lembrando a Echenique que “uma coisa é o que podes pensar e outra é a responsabi­lidade do teu cargo”.

Votos diferentes

As fraturas no governo começam a ser visíveis também no parlamento, onde nesta semana, pela primeira vez, os sócios da coligação votaram de forma diferente em duas ocasiões: na terça-feira, por causa da chamada lei Zerolo, pela igualdade de tratamento e contra a discrimina­ção, e na quinta-feira, por causa do voto sobre a moção para a discussão de um referendo independen­tista na Catalunha.

O primeiro caso diz respeito a uma proposta de lei apresentad­a pelos socialista­s, em cuja votação o Podemos optou por se abster, acusando o PSOE de “deslealdad­e”. Ambos os partidos – o Ministério da Igualdade é do Podemos – terão trabalhado no texto que leva o nome do falecido deputado socialista, Pedro Zerolo, ativista dos direitos LGBTI, tendo a lei sido apreda” sentada por este pela primeira vez em 2011 e nunca aprovada.

Além da sua abstenção, o Podemos terá contactado outros partidos no Congresso para que rejeitasse­m a lei. Tudo porque quer ver avançar a chamada “lei trans”, que está a ser preparada pela ministra da Igualdade, Irene Montero. A Unidas Podemos quer reconhecid­a a autodeterm­inação do género, ou seja, que qualquer pessoa tenha direito ao reconhecim­ento da sua identidade “livremente manifesta– em vez de ser necessário um diagnóstic­o médico de “disforia de género” e pelo menos dois anos de tratamento hormonal. E acusa Calvo, que no anterior governo detinha a pasta da Igualdade, de bloquear o seu avanço. E também tem na calha a lei dos direitos LGBTI.

A segunda ocasião em que os dois partidos votaram de forma diferente foi em relação à moção para a discussão de um referendo na Catalunha, apresentad­a pela Esquerda Republican­a da Catalunha

“Numa democracia plena, e a democracia espanhola é uma democracia plena, é inadmissív­el o uso de qualquer violência”, disse Sánchez. Dias antes, Iglesias tinha dito que a democracia espanhola era “melhorável”.

(ERC), que no domingo conquistou os mesmos deputados que os socialista­s catalães nas eleições autonómica­s onde os partidos independen­tistas obtiveram mais de 50% dos votos.

A moção da ERC defendia que o Congresso instasse o executivo espanhol a “negociar um referendo de autodeterm­inação com o governo da Generalita­t como solução acordada e democrátic­a ao conflito político”. O PSOE votou não, mas a Unidas Podemos optou pela abstenção, visto ser favorável à realização de um referendo, mas só no âmbito da mesa de diálogo sobre a Catalunha que ficou acordada após as eleições de novembro de 2019, mas que entretanto foram suspensas por causa da pandemia.

Monarquia

Mas estes não são os únicos pontos de discórdia entre os dois partidos, que começam desde logo num aspeto-chave do Estado: a monarquia. O PSOE defende o sistema de governo que existe, enquanto o Podemos é um partido republican­o e não hesita em atacá-lo. Os escândalos de corrupção em torno do rei emérito, Juan Carlos, que optou por deixar Espanha, deram um argumento a estes últimos.

Há ainda outras leis que dividem os sócios da coligação. Em outubro, Iglesias ameaçou não aprovar o Orçamento do Estado por causa da discórdia em matéria de regular os preços dos alugueres de casas. Os socialista­s acabaram por aceitar incluir o tema numa lei que está a ser preparada, mas o prazo de três meses então acordado já passou, sem resultados. Já na fatura da luz, o problema prende-se com o fim dos apoios que algumas empresas de energia recebem.

Mesmo dentro das leis que foram anunciadas com pompa e circunstân­cia, como a do ordenado mínimo vital, há problemas. A legislação está a ser discutida no Congresso e a própria Unidas Podemos, queixando-se da falta de diálogo no governo em relação às suas propostas, já anunciou que irá apresentar uma dúzia de emendas.

Apesar do choque dentro da coligação, o barómetro do Centro de Investigaç­ões Sociológic­as continua a colocar o PSOE na liderança das intenções de voto, acima até da percentage­m alcançada nas eleições de novembro de 2019 e a quase 12 pontos percentuai­s do Partido Popular. Já a Unidas Podemos está ligeiramen­te abaixo do que conseguiu nas urnas, mas recuperou no último mês algum do terreno perdido. Resta saber se o barómetro do próximo mês irá refletir os problemas dentro do governo.

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Pedro Sánchez e Pablo Iglesias no Congresso espanhol.
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