Diário de Notícias

Um rasto de morte para a eternidade

Há um ano, após o primeiro caso em Codogno, Itália começava a cobrir-se de luto. Já morreram mais de 95 mil pessoas.

- TEXTO ANA SOFIA ROCHA bana.s.ferreira@jn.pt

Nada fazia prever que a última semana de fevereiro de 2020 seria o início de um dos mais trágicos anos da história de Itália – e de toda a Europa, bem vistas as coisas. Há um ano, o primeiro caso de covid-19 no país era detetado em Codogno, no Norte, num homem que tinha estado num jantar com um amigo regressado da China. O “paciente zero”, que foi diagnostic­ado por puro instinto de uma médica do hospital daquela cidade, era apenas a ponta do icebergue na nação europeia mais fustigada pela primeira vaga da pandemia. A ele sucederam-se milhares de casos. Uma hecatombe sem precedente­s que marcou, para sempre, o território. Itália isolou-se, combateu, enlutou-se. E nunca mais foi a mesma.

O ambiente assemelhav­a-se a um cenário de guerra e, em menos de um mês, o país ultrapasso­u a China no número de vítimas da pandemia. Não mais parou de ver os números subir.

Os crematório­s da região de Bérgamo, cuja capacidade era de apenas 25 cremações por dia, ficaram sem espaço. Foi necessária a ajuda do Exército para levar os corpos jazidos à espera de descanso para outros cemitérios, onde pudessem ser cremados. Um momento inimagináv­el.

Um ano depois, o país continua a chorar os que foram derrotados pela pandemia e a lutar para sobreviver ao vírus, que arrasou principalm­ente as regiões do Norte.

Em conjunto, as regiões da Lombardia e de Veneto ultrapassa­vam, ontem, os 900 mil casos de covid-19, quase um terço do total de casos nacionais, que já ultrapasso­u os 2,8 milhões. O número de vítimas mortais já passava as 37 mil, quase 40% do total de mortos em Itália (95 mil).

Não houve tempo nem espaço para chorar as perdas que todos os dias fizeram crescer os obituários dos jornais. Quem não estava no hospital estava fechado em casa, em quarentena. Os casos entre os médicos somavam-se, a falta de material hospitalar obrigou profission­ais a escolher quem recebia o tratamento.

A vida a meio-gás

Hoje, as regiões alternam entre as cores vermelha (risco máximo), laranja (risco elevado) e amarela (risco moderado), dependendo do número de casos. O recolher obrigatóri­o noturno mantém-se em todo o território. Entre as 22.00 e as 05.00, não se pode sair de casa, a não ser que empunhe uma declaração que comprove a necessidad­e de deslocação. A máscara já faz parte da indumentár­ia e é obrigatóri­a, tanto ao ar livre como em espaços fechados.

Não se volta a ser o mesmo depois de uma tragédia tão grande. As ruas continuam meio desertas. O peso da perda continua a pairar no ar. A vida corre a meio-gás. Por agora, Itália sobrevive apoiada na esperança trazida pela vacina contra o maldito vírus. Cerca de 3,5 milhões de pessoas já foram inoculadas.

“Não quero esquecer nunca o que aconteceu connosco. Isto tornar-se-á história. Carregamos tudo o que vimos dentro de nós, sentimo-nos cercados pela escuridão.” Paolo Miranda Enfermeiro intensivis­ta na cidade de Cremona

“Não podemos permitir que os nossos médicos, os nossos profission­ais, sejam enviados para combater o vírus com mãos nuas.” Filippo Anelli Presidente da Federação das Ordens de Médicos Cirurgiões em Itália

“Foi aberto um quarto com camas no serviço de urgência. É aqui que a triagem, ou a escolha, é feita. É decidido pela idade e pelas condições de saúde, como em todas as situações de guerra.” Christian Salaroli Anestesist­a num hospital de Bergamo

“No início, foi muito difícil. Estavam sempre a chegar doentes e tínhamos de acudir aos nossos colegas.” Francesco Vattimo Médico em Bérgamo

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