Morreu Daviz Simango, o primeiro independente eleito autarca em Moçambique
Autarca da Beira e líder do MDM tinha 57 anos e fora levado para a África do Sul no dia 13 devido a um problema de saúde súbito.
MDM lamentou perda de “um grande homem” que “estava a fazer a sua parte para o equilíbrio da democracia no país”. Renamo saudou uma “referência do pluralismo político”.
Presidente do MDM, terceiro partido moçambicano, e autarca da Beira, Daviz Simango – que morreu ontem vítima de doença – fica na história como o primeiro candidato independente a chegar à presidência de um município no país.
Simango foi eleito autarca da Beira, centro de Moçambique, primeiro em 2003 como candidato da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido da oposição, ao qual se juntou a convite do falecido líder, Afonso Dhlakama. Mas em 2008, a curta carreira política de Simango parecia ter acabado quando Dhlakama recuou na decisão de o recandidatar à presidência da Beira, optando por Manuel Pereira, um influente deputado da Renamo.
Confrontado com a mudança de posição do líder da Renamo, Simango tomou a decisão ousada de avançar como independente, vencendo com larga margem a presidência de uma das principais cidades moçambicanas, à frente dos candidatos da Renamo e da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder.
Em 2009, fundou o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), com o qual concorreu às presidenciais e legislativas desse ano. Ficou em terceiro lugar nas
presidenciais e conseguiu eleger oito deputados, acabando com a bipolarização entre a Frelimo e a Renamo – a que o MDM se referia como “coligação Frenamo” -, no parlamento.
Daviz Simango voltou a concorrer às eleições gerais de 2014 e 2018, renovando o terceiro lugar e, com o seu partido, elegendo deputados.
Ao nível do poder autárquico, voltou a vencer no município da Beira em 2013 e 2017, tornando-se o autarca com mais anos na presidência de um município em Moçambique.
Licenciado em Engenharia Civil pela Universidade Eduardo Mondlane, o líder do MDM nasceu na política. Tanto o pai, Uria
Simango, como a mãe, Celina Muchanga, foram destacados dirigentes da Frelimo e ambos terão sido executados em campos de reeducação do partido, sob acusações de traição. “A história moçambicana é contada de acordo com os interesses de três, quatro ou cinco pessoas” e, portanto, “é uma mentira”, criticou, numa entrevista à rádio alemã Deutsche Welle, defendendo a criação de uma comissão de verdade, seguindo o modelo adotado pela África do Sul depois do ‘apartheid’, para investigar “sem reservas” os períodos da luta de libertação nacional e da guerra civil.
Mas o ADN de Simango não era feito só de política, incluía também profundas convicções religiosas de origem protestante. Era casado com a filha de um pastor e o seu pai, além de vice-presidente da Frelimo, foi também reverendo da Igreja de Cristo Unida. “Ando sempre com a Bíblia na minha pasta e, quando tenho tempo livre, procuro ler alguns versículos e participo em grupos de orações”, disse, numa entrevista à Lusa.
É como uma “missão” que Simango encarava a política. “Muitas vezes pergunta-se como se chega a político. Não sei, se calhar é o destino que deus nos atribui. Cada um de nós, na Terra, tem uma missão e eu tenho a minha”, assumiu.
Além dos pais, os “líderes tolerantes”, como Martin Luther King Jr., eram a sua referência.
“No meu país, ainda falta essa arte [do perdão]”, lamentou, assinalando: “Temos famílias, em Moçambique, que não se cumprimentam, porque uma é do partido no poder e outra do partido na oposição, e isso é extremamente mau.”
Daviz Simango faleceu ontem, aos 57 anos, devido a um problema de saúde súbito, cuja causa não foi especificada. O político tinha sido transportado, a 13 de fevereiro, por via aérea para uma unidade de saúde da África do Sul.
As reações não se fizeram esperar, com o MDM a lamentar a perda de “um grande homem” que “estava a fazer a sua parte para o equilíbrio da democracia no país”, frisou José Domingos, secretário-geral do partido. A Renamo considerou que o país perdeu uma “referência do pluralismo político”.