Obra de restauro arranca com demolição de chalet histórico
Nova biblioteca respeitará conceção original do edifício, assegura Câmara de Lisboa. Projeto previa aproveitar materiais e reabilitar, denuncia Movimento Fórum Cidadania Lx.
Aanunciada obra de restauro da Escola Froebel – Creche do Jardim da Estrela, onde as crianças de Lisboa aprendiam a conviver com a natureza foi recebida com entusiasmo. Mas tornou-se amarga surpresa quando, no fim de semana, no lugar do edifício os lisboetas encontraram um monte de entulho. “A Câmara Municipal de Lisboa anunciou publicamente que aquele chalet histórico, por cuja recuperação e bom uso há anos vimos pugnando, seria alvo, finalmente, de uma operação de conservação e restauro”, explica o movimento Fórum Cidadania Lx, que se dedica “à defesa do património arquitetónico, histórico e imaterial da cidade de Lisboa”. Mas a pretexto da reconversão em biblioteca do ambiente, o edifício foi demolido, denuncia o grupo de cidadãos.
A autarquia liderada por Fernando Medina justifica a opção com o facto de 70% dos materiais de origem não estarem “em condições de ser restaurados, pois encontram-se comprometidos na sua integridade estrutural”. Ainda assim, a câmara garante que “a intervenção visa conservar e restaurar o maior número possível de peças originais, assim como reabilitar as fundações de um equipamento datado do fim do século XIX que estava muito degradado devido a fatores como a humidade e a infestação dos elementos em madeira por térmitas”.
De acordo com informação disponibilizada pela autarquia ao DN, “na sexta-feira foram concluídos os trabalhos de remoção das partes sobrantes do desmonte, nomeadamente as partes cujo estado de degradação já não permite uma ação de recuperação”. As peças que a câmara diz serem aproveitáveis, foram, por outro lado, registadas e inventariadas, tendo sido enviadas para a oficina do carpinteiro subcontratado, onde serão alvo de operação de restauro para posterior utilização na reconstrução. É ainda garantido que “a reconstrução da arquitetura respeitará a conceção original do edifício, tanto nos materiais como no seu interior e nas fachadas”.
A Junta de Freguesia da Estrela não participou no processo de requalificação, sublinha ao DN o seu presidente, Luís Newton. “O edifício é da Câmara Municipal de Lisboa, que nos apresentou o projeto como fechado. Esperamos que o novo espaço tenha sucesso e que seja um importante polo cultural na Estrela.”
A conclusão das obras está prevista para julho e o edifício passará a acolher uma biblioteca do ambiente. Ali nascerá, segundo a autarquia, um espaço vocacionado para a divulgação da temática da conservação da natureza e da biodiversidade, e irá ainda ser criado um auditório e várias salas multiúsos. A câmara liderada por Medina revela ainda ao DN que a obra está orçamentada em 1,152 milhões de euros e o equipamento vai ficar sob a gestão da autarquia.
O chalet original, datado de 1882, foi projetado pelo arquiteto José Luiz Monteiro e acolheu uma das mais antigas, conceituadas e inovadoras creches portuguesas, o então Jardim de Infância de Lisboa. Situa-se no Jardim Guerra Junqueiro, conhecido por Jardim da Estrela, construído em 1842, por ordem do estadista Bernardo da Costa Cabral, Marquês de Tomar, trata-se de um jardim naturalista de conceção romântica, inspirado nas linhas do “parque à inglesa”.
Uma creche inovadora
Construído em 1882, o Jardim de Infância de Lisboa foi concebido para desenvolver o modelo de educação infantil Kindergarten, desenvolvido pelo pedagogo alemão Friederich Froebel. Para idades até aos 6 anos, pretendia que as crianças fossem educadas num jardim, onde pudessem observar e interagir com a natureza. Este método educacional marcava uma mudança radical em relação ao que era feito até então, tendo uma filosofia baseada na aprendizagem estruturada e em atividades. Dando grande importância ao contacto com a natureza, exigia terrenos envolventes para recreio, exercícios físicos e trabalho educativo, nomeadamente jardinagem. E ainda uma alta exigência na higiene escolar, que se traduzia na utilização de amplos vãos, em painéis móveis, que garantissem iluminação natural e ventilação.
Froebel criou em 1840 o primeiro Kindergarten, na cidade de Bad Blankenburg, no leste da Alemanha, seguindo todas estas recomendações. A creche da Estrela sempre seguiu este método de ensino, estimulando o desenvolvimento das crianças por meio da convivência social e de atividades lúdicas. E dando amplo destaque à atividade física, através de aulas de ginástica, para além de promover o desenvolvimento intelectual com o auxílio da leitura de histórias e contos, outros pontos essenciais no método de Friederich Froebel.
O Jardim da Estrela foi considerado o melhor local para acolher o Jardim de Infância de Lisboa, tendo “ganho a corrida” em relação a duas outras opções – a Rua da Infância (atual Voz do Operário) e a Rua do Patrocínio. Tudo porque permitia reunir as premissas do
Kindergarten relativamente à arquitetura escolar. A escola era composta por quatro salas de aula, uma sala de jogos, casas de banho, salas para os professores e um refeitório.
Em 1925, a Câmara Municipal de Lisboa criou vários lactários municipais, onde era fornecido leite de vaca às crianças até aos 18 meses, vacinações e consultas de pediatria. Nesse ano, o Jardim de Infância de Lisboa foi convertido no Lactário número 3, mas continuou a funcionar como creche para mães trabalhadoras. A partir de 1933, com a implantação do Salazarismo, os lactários passaram a ser geridos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que até há poucos anos manteve a Escola Froebel – Creche do Jardim da Estrela em funcionamento.
Reconstrução custará 1,152 milhões de euros e deverá ficar pronta em julho. O edifício acolherá um espaço para divulgar a conservação da natureza e a biodiversidade.