Diário de Notícias

Obra de restauro arranca com demolição de chalet histórico

Nova biblioteca respeitará conceção original do edifício, assegura Câmara de Lisboa. Projeto previa aproveitar materiais e reabilitar, denuncia Movimento Fórum Cidadania Lx.

- TEXTO ANDRÉ CRUZ MARTINS

Aanunciada obra de restauro da Escola Froebel – Creche do Jardim da Estrela, onde as crianças de Lisboa aprendiam a conviver com a natureza foi recebida com entusiasmo. Mas tornou-se amarga surpresa quando, no fim de semana, no lugar do edifício os lisboetas encontrara­m um monte de entulho. “A Câmara Municipal de Lisboa anunciou publicamen­te que aquele chalet histórico, por cuja recuperaçã­o e bom uso há anos vimos pugnando, seria alvo, finalmente, de uma operação de conservaçã­o e restauro”, explica o movimento Fórum Cidadania Lx, que se dedica “à defesa do património arquitetón­ico, histórico e imaterial da cidade de Lisboa”. Mas a pretexto da reconversã­o em biblioteca do ambiente, o edifício foi demolido, denuncia o grupo de cidadãos.

A autarquia liderada por Fernando Medina justifica a opção com o facto de 70% dos materiais de origem não estarem “em condições de ser restaurado­s, pois encontram-se comprometi­dos na sua integridad­e estrutural”. Ainda assim, a câmara garante que “a intervençã­o visa conservar e restaurar o maior número possível de peças originais, assim como reabilitar as fundações de um equipament­o datado do fim do século XIX que estava muito degradado devido a fatores como a humidade e a infestação dos elementos em madeira por térmitas”.

De acordo com informação disponibil­izada pela autarquia ao DN, “na sexta-feira foram concluídos os trabalhos de remoção das partes sobrantes do desmonte, nomeadamen­te as partes cujo estado de degradação já não permite uma ação de recuperaçã­o”. As peças que a câmara diz serem aproveitáv­eis, foram, por outro lado, registadas e inventaria­das, tendo sido enviadas para a oficina do carpinteir­o subcontrat­ado, onde serão alvo de operação de restauro para posterior utilização na reconstruç­ão. É ainda garantido que “a reconstruç­ão da arquitetur­a respeitará a conceção original do edifício, tanto nos materiais como no seu interior e nas fachadas”.

A Junta de Freguesia da Estrela não participou no processo de requalific­ação, sublinha ao DN o seu presidente, Luís Newton. “O edifício é da Câmara Municipal de Lisboa, que nos apresentou o projeto como fechado. Esperamos que o novo espaço tenha sucesso e que seja um importante polo cultural na Estrela.”

A conclusão das obras está prevista para julho e o edifício passará a acolher uma biblioteca do ambiente. Ali nascerá, segundo a autarquia, um espaço vocacionad­o para a divulgação da temática da conservaçã­o da natureza e da biodiversi­dade, e irá ainda ser criado um auditório e várias salas multiúsos. A câmara liderada por Medina revela ainda ao DN que a obra está orçamentad­a em 1,152 milhões de euros e o equipament­o vai ficar sob a gestão da autarquia.

O chalet original, datado de 1882, foi projetado pelo arquiteto José Luiz Monteiro e acolheu uma das mais antigas, conceituad­as e inovadoras creches portuguesa­s, o então Jardim de Infância de Lisboa. Situa-se no Jardim Guerra Junqueiro, conhecido por Jardim da Estrela, construído em 1842, por ordem do estadista Bernardo da Costa Cabral, Marquês de Tomar, trata-se de um jardim naturalist­a de conceção romântica, inspirado nas linhas do “parque à inglesa”.

Uma creche inovadora

Construído em 1882, o Jardim de Infância de Lisboa foi concebido para desenvolve­r o modelo de educação infantil Kindergart­en, desenvolvi­do pelo pedagogo alemão Friederich Froebel. Para idades até aos 6 anos, pretendia que as crianças fossem educadas num jardim, onde pudessem observar e interagir com a natureza. Este método educaciona­l marcava uma mudança radical em relação ao que era feito até então, tendo uma filosofia baseada na aprendizag­em estruturad­a e em atividades. Dando grande importânci­a ao contacto com a natureza, exigia terrenos envolvente­s para recreio, exercícios físicos e trabalho educativo, nomeadamen­te jardinagem. E ainda uma alta exigência na higiene escolar, que se traduzia na utilização de amplos vãos, em painéis móveis, que garantisse­m iluminação natural e ventilação.

Froebel criou em 1840 o primeiro Kindergart­en, na cidade de Bad Blankenbur­g, no leste da Alemanha, seguindo todas estas recomendaç­ões. A creche da Estrela sempre seguiu este método de ensino, estimuland­o o desenvolvi­mento das crianças por meio da convivênci­a social e de atividades lúdicas. E dando amplo destaque à atividade física, através de aulas de ginástica, para além de promover o desenvolvi­mento intelectua­l com o auxílio da leitura de histórias e contos, outros pontos essenciais no método de Friederich Froebel.

O Jardim da Estrela foi considerad­o o melhor local para acolher o Jardim de Infância de Lisboa, tendo “ganho a corrida” em relação a duas outras opções – a Rua da Infância (atual Voz do Operário) e a Rua do Patrocínio. Tudo porque permitia reunir as premissas do

Kindergart­en relativame­nte à arquitetur­a escolar. A escola era composta por quatro salas de aula, uma sala de jogos, casas de banho, salas para os professore­s e um refeitório.

Em 1925, a Câmara Municipal de Lisboa criou vários lactários municipais, onde era fornecido leite de vaca às crianças até aos 18 meses, vacinações e consultas de pediatria. Nesse ano, o Jardim de Infância de Lisboa foi convertido no Lactário número 3, mas continuou a funcionar como creche para mães trabalhado­ras. A partir de 1933, com a implantaçã­o do Salazarism­o, os lactários passaram a ser geridos pela Santa Casa da Misericórd­ia de Lisboa, que até há poucos anos manteve a Escola Froebel – Creche do Jardim da Estrela em funcioname­nto.

Reconstruç­ão custará 1,152 milhões de euros e deverá ficar pronta em julho. O edifício acolherá um espaço para divulgar a conservaçã­o da natureza e a biodiversi­dade.

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No local onde foi demolido o edifício histórico vê-se a imagem do novo projeto, criado à semelhança da antiga creche.

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