Diário de Notícias

Bagão Félix desafia Vieira a dar a cara e explicar crise do Benfica sem demagogia

- TEXTO ISAURA ALMEIDA

O benfiquist­a e antigo ministro das Finanças dá campeonato como perdido, aponta aos milhões da Champions e pede ao presidente que faça o mesmo para não hipotecar o futuro. Jorge Jesus recebe voto de confiança. Este é o pior registo à 20.ª jornada depois de 2007-08.

Bagão Félix dá o campeonato como perdido para o Benfica e aponta ao segundo lugar, que dá entrada direta na Liga dos Campeões. E espera que Luís Filipe Vieira faça o mesmo. “A luta agora é pelo segundo lugar, que dá entrada direta na Champions, ou pelo terceiro, que dá direito ao playoff, sob pena de se hipotecare­m as próximas épocas financeira e desportiva­mente”, desabafou o benfiquist­a e antigo ministro das Finanças, lembrando que a outra forma de entrar direto na prova milionária da UEFA é vencer a Liga Europa, o que lhe parece “manifestam­ente ilusório”.

Para o antigo antigo vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral do Benfica (de 1992 a 1994),“o sucesso financeiro e desportivo são umbilicais”. “Além do prestígio que é para um clube jogar na Liga dos Campeões, todos sabem que as competiçõe­s europeias são a maior fonte de receita dos clubes portuguese­s. E neste ano pior ainda, pois não há receitas de bilheteira, nem merchandis­ing. O único dinheiro a entrar são as verbas dos direitos televisivo­s, e isso é pouco. Os milhões da Champions é que alimentam os clubes”, explicou o economista ao DN.

Nesta altura as águias estão em quarto lugar na I Liga, com 39 pontos, menos cinco que o FC Porto, menos quatro que o Sp. Braga e a 15 pontos do líder Sporting. Assim, para chegar à Liga dos Campeões, o Benfica está obrigado a recuperar pontos para dragões e minhotos, mas Bagão Félix recorda que a equipa de Jorge Jesus ainda vai receber Sporting, FC Porto e tem uma deslocação a Braga.

Refira-se que em 2019-20, os encarnados encaixaram 50,86 milhões de euros com a participaç­ão na liga milionária da UEFA. Na presente época, o Benfica falhou a entrada direta via playoff, dizendo adeus a um bolo poderia voltar a superar os 50 milhões de euros, pois só a entrada na fase de grupos valia 34 milhões. A equipa encarnada foi eliminada pelo PAOK Salónica, então treinado por Abel Ferreira. “Acho que houve alguma displicênc­ia na abordagem desse jogo. Primeiro era a uma só mão e em casa do adversário, depois acho que se olhou para a equipa grega como se não fosse adversário à altura do Benfica. E foi o que foi...”, diz Bagão Félix.

Falhar a Liga dos Campeões dois anos seguidos “é impensável” para um clube com a grandeza do Benfica, e, nesse sentido, o economista levanta uma outra questão: “Sem a montra da Champions, os jogadores não valorizam. Uma coisa é jogar na Liga portuguesa, a outra é jogar na Liga dos Campeões. E se um jogador não valoriza, não rende como ativo e lá se vai mais uma possível fonte de receita, a da venda de jogadores.”

O deslumbram­ento financeiro

Segundo Bagão Félix, a pandemia de covid-19 não explica tudo e até João Félix teve a sua dose de culpa no momento atual. “Para mim foi um risco fazer um investimen­to de 100 milhões de euros no mercado do verão passado. Já se sabia que o futebol ia apertar o cinto e o Benfica alargou-o. Claro que é fácil fazer o totobola à segunda-feira, pois se o Benfica estivesse em primeiro ninguém questionav­a, como acontece agora com o valor pago por Rúben Amorim, que parece pouco quando há meses era quase um recorde mundial e escandalos­o ato de gestão do Sporting”, refere o ex-ministro.

O ex-dirigente encarnado considera que houve um ato de “gestão deficitári­o” e até de “algum deslumbram­ento financeiro” depois da venda de João Félix: “A bitola passou a ser contrataçõ­es de 20 milhões de euros.” E a lei do mercado funcionou contra o Benfica: “Depois da venda do João Félix por valores que correram mundo, toda a gente sabia que o Benfica tinha dinheiro para ir às compras, e um jogador ou clube abordado puxou os valores para cima. O mesmo jogador negociado por outro clube português sairia por um terço do valor.”

Olhando mais para o lado desportivo, “é incontorná­vel que um treinador vive de resultados”, mas, segundo Bagão Félix, a solução não tem necessaria­mente de passar pela saída do técnico. “Sou um apreciador da forma como Jesus pôs o Benfica a jogar da outra vez que esteve à frente do clube e ainda há meio ano era o maior, pois venceu o Brasileirã­o, a Libertador­es e só perdeu o Mundial de Clubes no prolongame­nto e com o Liverpool”, lembrou, recordando que “a covid-19 atacou severament­e” a equipa e não se sabe até que ponto o desempenho dos jogadores foi afetado pelos efeitos secundário­s da doença.

Apesar da “bitola dos 20 milhões”, só dois ou três reforços são de inegável valor para o economista, que pede tempo para “absorverem a cultura benfiquist­a”. E deu como exemplo um jogador que até está há mais tempo na Luz: “Perguntara­m ao Rafa se este Benfica podia fazer o mesmo que em 1991-92 e eliminar o Arsenal, depois do empate na primeira mão, e se ele já tinha visto esse jogo. E ele respondeu que desconheci­a esse facto. Como é possível? Ele não era nascido, mas ir jogar com o Arsenal e não saber a história do Benfica com esse clube para mim é falta de cultura benfiquist­a.”

E se estivesse no lugar do presidente do Benfica, o que faria nesta altura? “Dava a cara e explicava a situação aos benfiquist­as, sem demagogia e sem a conversa habitual de que a grandeza do Benfica não permite atirar a toalha ao chão. Dê o campeonato como perdido, ninguém o vai censurar por isso, e mostre o caminho para o futuro. A estratégia não pode estar sempre a mudar. Uma hora é aposta na for

“Vieira deve dar a cara e explicar a situação aos benfiquist­as, sem demagogia. Dê o campeonato como perdido, ninguém o vai censurar por isso e mostre o caminho para o futuro.” Bagão Félix Adepto e ex-ministro das Finanças

Benfica está em quarto lugar a 15 pontos do líder, o Sporting. É o pior registo de pontos da história à 20.ª jornada, depois de 2007-08, e o pior em diferença de pontos para o líder depois de 1996-97.

mação, outra é nos sul-americanos, outra é nos alemães, outra nos sérvios”, pediu, mostrando “gratidão” pelo passado do presidente Luís Filipe Vieira: “Ele recuperou o clube do seu período mais negro, mas isso não o isenta de culpas na atual situação, nem lhe dá carta-branca para o futuro.”

Ainda assim, considera que não é hora de pedir mudanças: “A tática pode mudar de um dia para o outro, a direção não. Esta direção e este presidente foram eleitos há quatro meses e, embora eu não tenha votado neles, considero que estão legitimado­s. As pessoas que lá estão têm de saber que há alturas para entrar e alturas para sair. Eleições de novo não são o caminho, mas Vieira tem de mudar o projeto e apresentar soluções aos sócios.”

Jesus não se demite

“Não!” Foi esta a resposta de Jorge Jesus quando confrontad­o se pensava pedir a demissão após mais um empate na I Liga, no domingo, com o Farense (0-0), que deixou a equipa a 15 pontos do líder, o pior registo da história do clube em termos de pontos depois de 2007-08 (38 pontos) e o pior em diferença pontual para o líder desde 1996-97 (16).

Em ambas as épocas o clube acabou por ter dois treinadore­s e um interino, mas Jesus parece estar de pedra e cal no Benfica. Segundo soube o DN, o técnico mantém a confiança do presidente e tem dado muito apoio aos jogadores. Para o técnico as contas só se fazem no fim, mas se a recuperaçã­o hercúlea o colocaria na história do Benfica e do futebol português como o que mais pontos recuperou para ser campeão – até agora o máximo foram nove pontos –, nesta altura há 16 jornadas para evitar fazer pior do que o pior Benfica da história. Em 2000-01 as águias acabaram o campeonato em sexto lugar com 54 pontos e fora dos lugares de acesso às competiçõe­s europeias, mas tinham mais pontos (40) à 20.ª jornada.

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O regresso de Jorge Jesus ao Benfica está muito longe do projetado pelo técnico e pela estrutura encarnada.

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