Falhas na GNR e na PSP. Ministro desvalorizou auditoria da IGAI. BE quer respostas
Continuam por conhecer as consequências de uma auditoria da Inspeção das Polícias à GNR e à PSP, que identificou , entre 2015 e 2019, falhas na formação, na organização, nas condições de trabalho e de equipamentos.
E “nredo inexplicável” é como o BE classifica a atitude de desvalor do ministro da Administração Interna em relação a uma auditoria da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) – órgão que fiscaliza a atividade das forças e serviços de segurança – que detetou falhas na formação da GNR e da PSP, principalmente em direitos humanos, problemas na sua organização territorial e condições de trabalho, falta de meios e de efetivo.
Desde que foram conhecidas as conclusões desta auditoria (designada “Cartografia do Risco”), entregue no gabinete do ministro em março de 2019, que Eduardo Cabrita assumiu uma posição, no mínimo, ziguezagueante. “Primeiro a auditoria estava a ser analisada, depois em apreciação e depois em fase de conclusão. Por fim não existia. Entretanto, neste mês, o gabinete do ministro remeteu-nos um documento que diz ser o relatório dessa auditoria, de apenas 22 páginas, por sinal tortas e mal digitalizadas, reconhecendo que afinal ela existe”, sublinha a deputada bloquista Sandra Cunha, que nos últimos dois anos tem insistentemente pedido ao governo que faculte o estudo que considera “extremamente relevante para a resolução de problemas que afetam as forças de segurança”.
Na audição parlamentar da semana passada, o BE viu a sua oportunidade de, enfim, perguntar a Eduardo Cabrita sobre o estado da execução das medidas propostas desde 2019 nesta auditoria, entre elas a constituição de equipas multidisciplinares para adaptar o policiamento aos diferentes contextos sociais, a criação de projetos-piloto em Lisboa, Porto e Setúbal para iniciar programas específicos e uma revisão do “modelo organizativo da GNR e da PSP, alterando-o, adequando-o à nova realidade territorial”. Nada foi feito.
“O ministro não explicou, limitando-se a dizer que a IGAI lhe tinha apresentado agora um plano de prevenção de manifestações de discriminação nas forças e nos serviços de segurança, o qual estava em avaliação política, que prevê também a formação dos polícias”, assinala Sandra Cunha, recordando que “as recomendações da auditoria eram muito mais abrangentes”.
Na sua não resposta , Cabrita começou por desvalorizar o trabalho da IGAI, referindo-se ao mesmo como “aquilo a que foi chamado uma grande auditoria”, referindo que esta teve “desenvolvimento naquilo que é uma estratégia de intervenção global que está a ser desenvolvida desde julho passado” e lhe foi “apresentada em início deste mês de fevereiro” – o já referido plano de prevenção da discriminação, protagonizado pela atual inspetora-geral, Anabela Cabral Ferreira, que o ministro mostrará ao Parlamento em abril.
“Só podemos concluir que ficou na gaveta um trabalho de quatro anos feito com recursos públicos – exatamente quanto foi gasto é o queremos saber – porque as suas conclusões eram incómodas”, lamenta a responsável bloquista.
Megarradiografia
Sob orientação da anterior inspetora-geral, Margarida Blasco, atual juíza-conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, nesta “Cartografia do Risco”, que tinha como objetivo mapear todos os pontos críticos na GNR e na PSP, foram analisadas queixas, auditorias, fiscalizações, processos e relatórios de inspeções às instalações e ao funcionamento destas forças de segurança durante quatro anos (2015 a 2018). Segundo a própria magistrada sublinhou ao DN, na altura da apresentação desta megarradiografia à GNR e à PSP, “a IGAI foi acumulando no decurso da sua experiência de 20 anos de controlo independente e externo das forças e serviços de segurança tutelados pelo MAI um conhecimento e pensamento profundo sobre a relação cidadão/agente policial”. Tendo isso presente, assinalava Blasco, em 2016, “definiu-se como orientação estratégica para o período 2015-2018, a realização de uma auditoria temática com a designação abrangente de cartografia/geografia do risco, cujo objetivo genérico se cinge à realização de estudos que radiografem a evolução e a transformação do tecido social e que obriguem a um permanente esforço e melhoria na compreensão ética dos fenómenos que impliquem um equilíbrio na relação cidadão/agente policial, credibilizando e legitimando a missão de segurança pública”.
O alcance desta “radiografia” global não tinha precedentes, salientava a atual juíza-conselheira: oferecia quer ao poder político quer às forças de segurança e à própria IGAI um “largo espectro” de informações, desde a “conduta básica dos polícias na sua ação do dia-a-dia até ao mais alto nível da hierarquia. Margarida Blasco acreditava que identificando os riscos “possibilitaria uma intervenção mais rápida para os corrigir”.
O DN contactou Margarida Blasco para comentar a reviravolta do processo, mas esta respondeu que “não é ainda o momento”. O gabinete do ministro não respondeu a nenhuma questão do DN.
Anabela Cabral Ferreira A inspetora-geral da IGAI criou um plano para prevenir a discriminação nas polícias.
Margarida Blasco A ex-inspetora-geral propôs soluções para a GNR e a PSP, que o governo deixou na gaveta.