Diário de Notícias

Uma homenagem a Luca Attanasio

- Leonídio Paulo Ferreira

Luca Attanasio foi morto a tiro perto de Goma, cidade congolesa da região dos Grandes Lagos onde há décadas se enfrentam milícias leais a diferentes países da região, exércitos privados ao serviço de obscuros interesses mineiros, populações traumatiza­das por assassínio­s e violações, refugiados de todo o tipo, incluindo as famílias dos genocidas hutus que em 1994 no vizinho Ruanda tentaram exterminar à catanada os tutsis.

Luca Attanasio era um homem de 43 anos, casado e pai de três meninas, que levava muito a sério o trabalho, mesmo sabendo os enormes riscos que corria numa das partes mais remotas do segundo maior país de África, um país que já se chamou Estado Livre do Congo e Congo Belga e depois da independên­cia chegou a ser por muito tempo o Zaire até recuperar o antigo nome.

Luca Attanasio vivia a 1500 km de Goma, nessa Kinshasa que é capital de um país com uma história tão trágica que já na viragem do século XIX para o século XX inspirou a Joseph Conrad a escrita de Coração das Trevas.

Luca Attanasio acreditava que em África o seu trabalho fazia mais sentido, tendo antes vivido em Marrocos e na Nigéria e recusado ofertas para se mudar para Paris ou Washington, e ganhou o Prémio Nassiriya pela Paz.

Luca Attanasio sabia ter em Zakia Seddiki, oriunda de Casablanca, uma companheir­a de destino, e orgulhava-se da ONG Mama Sofia, que a mulher gere em Kinshasa para ajudar à sobrevivên­cia de mães jovens e suas crianças.

Luca Attanasio, que seguia numa coluna de viaturas do Programa Alimentar Mundial, era o embaixador de Itália no país hoje denominado República Democrátic­a do Congo (RDC) e tudo na sua vida (e na sua morte) desmente o preconceit­o que associa diplomatas a croquetes, como se não fossem gente do mais intelectua­l que podemos conhecer, gente cujo saber e experiênci­a tantas vezes evita conflitos e salva vidas. Fale-se com antigos embaixador­es portuguese­s na RDC e todos garantirão que nenhum diplomata que para lá vai desconhece as dificuldad­es tremendas – há uns anos, na própria capital, o embaixador francês foi morto durante choques entre fações militares.

Incluo neste editorial de homenagem ao embaixador assassinad­o no Congo, e aos diplomatas em geral, um testemunho que pedi a Carlo Formosa, embaixador italiano em Portugal, alguém que conhecia bem Luca Attanasio:

“É extraordin­ário o grau de comoção que suscitou junto de todos nós colegas, que conhecíamo­s e apreciávam­os Luca, a notícia da sua trágica morte. Embora tão esmagadora, esta comoção é inteiramen­te proporcion­al ao afeto que despertara em todos nós colegas e amigos a sua forma de ser, positiva, brilhante, sempre sorridente e colaborati­va, entusiásti­ca. Extraordin­ariamente competente no trabalho. Luca era também muito dedicado a fazer o bem. O compromiss­o para com os outros e os mais necessitad­os, que partilhava com a sua esposa, Zakia, foi uma constante na sua vida. A grande paixão por África que marcou o seu empenho profission­al é coerente com esta motivação de se envolver onde acreditava poder contribuir na primeira pessoa para a solução de problemas reais. Mas não era uma vocação de missionári­o, era o empenho de um homem extraordin­ário e de um diplomata excecional.”

Não, ninguém vai a Goma pelos croquetes. Luca Attanasio não, certamente.

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