Desvio de 2,4 milhões. “O que é uma derrapagem?”, pergunta ministro
João Gomes Cravinho tentou convencer os deputados de que o que se passou nas obras do antigo Hospital Militar de Belém não foi uma “derrapagem”. PSD exigiu ter acesso à auditoria.
Oministro da Defesa Nacional entende que uma “derrapagem” no orçamento de uma empreitada, que fez subir para mais do triplo a verba gasta, em relação ao que estava inicialmente previsto, não é o mesmo que um “desvio”.
Foi com esta reflexão conceptual que João Gomes Cravinho respondeu na audição parlamentar na Comissão de Defesa Nacional, quando questionado pelo PSD sobre as “consequências” que tinha tirado de as obras no antigo Hospital Militar de Belém, transformado em Centro de Apoio Militar Covid-19 (uma enfermaria para doentes sem gravidade), terem custado 3, 2 milhões de euros, em vez dos 750 mil inicialmente anunciados pelo próprio governo.
“O que se entende por derrapagem?”, questionou-se retoricamente o ministro. “Se estamos a falar de uma obra, devidamente parametrizada, que acaba por custar mais, podemos falar nisso; mas aquilo que se verificou não foi isso, mas sim uma obra preparada num curtíssimo espaço de tempo que acabou por ter uma intervenção maior e que custou mais”, explicou Cravinho, ou seja, precisou, “uma coisa é um desvio, outra é uma derrapagem. Custou três vezes mais, mas é uma obra mais completa do que tinha sido pensado”.
Quem autorizou, porquê e com que finalidade foram gastos mais 2,45 milhões de dinheiros públicos do que o orçamentado, o ministro não explicou, mas mais à frente admitiria que na auditoria interna que ordenou sobre este processo e que disse ter enviado ao Tribunal de Contas - foram identificadas “eventuais irregularidades” nos procedimentos que envolveram esta empreitada.
Desde que o DN noticiou a derrapagem nestas obras, há mais de seis meses, que o ministro tem vindo a ser instado pelos deputados a explicar o desvio. Numa das audições desta Comissão, João Gomes Cravinho, sem contestar o conceito de “derrapagem”, surpreendeu os deputados ao afirmar que o aumento substancial de custos “é dinheiro que não se perde” pois “representa um importante ativo para o futuro do país”.
Esta explicação levou o deputado do PSD Carlos Eduardo Reis a frisar nunca ter ouvido “ninguém a justificar uma derrapagem dizendo que é dinheiro que nunca se perde”.
Mecanismos não corresponderam
O PSD exigiu agora conhecer os resultados da auditoria realizada e quis saber quais eram as prometidas “consequências” que o ministro já tinha tirado. “Sobre as eventuais irregularidades caberá ao Tribunal de Contas decidir. Do meu lado, retirei uma consequência muito clara: os mecanismos instituídos não corresponderam àquele momento, àquela experiência e por isso estamos a desenvolver um reforça naquela estrutura e no seu pessoal”, sublinhou, referindo-se à anunciada substituição do Diretor-Geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN), Alberto Coelho, responsável pelos contratos que envolveram as obras do antigo Hospital Militar de Belém, cujo trabalho elogiou, mas entendeu que não se adequava às mudanças que pretende introduzir.
Em vez dos 750 mil euros que foram inicialmente avançados pelo Ministério da Defesa,foram gastos na reabilitação de três dos cinco pisos do antigo Hospital Militar de Belém 2 598 964,46 euros - os quais acrescidos de 23% de IVA, se elevaram para quase 3,2 milhões de euros. Foram anunciadas 150 camas, mas esse número nunca foi atingido, por falta de pessoal médico para poder tratar dos doentes.
A empreitada, por ajuste direto, foi distribuída por três empresas. Uma delas recebeu 961 557,46 euros, outra 819 007 mais 750 mil; e a terceira 67 500. Os quatro contratos designados “Empreitada para a realização dos trabalhos de edificação de uma base assistencial de reforço ao SNS - Reativação da funcionalidade do ex-Hospital Militar de Belém” foram assinados a 6 de abril de 2020, com um prazo de execução de 20 dias.
Mas João Cravinho demorou a assumir a “derrapagem” ou “desvio”. A 22 de junho, quando questionado pelo DN sobre este aumento de custos, o gabinete do ministro da Defesa respondeu que as contas ainda estavam a ser feitas, quando os contratos já tinja sido assinados.
Mesmo quando a deputada do PSD, Ana Miguel Santos, o questionou no parlamento a 24 de junho, Gomes Cravinho refutou indicar valores, referindo que ainda estava a ser feita a avaliação.
As obras tiveram como justificação oficial o reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no internamento de doentes com covid-19, embora apenas os de gravidade ligeira ou assintomáticos.
Está prevista a cedência deste edifício à Câmara Municipal de Lisboa e à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para instalação de uma unidade de cuidados continuados, com uma ala para os antigos combatentes. “A posição do ministério nestas negociações ficará muito reforçada com este investimento”, afirmou, em outubro, o Ministro.
“Uma coisa é um desvio, outra é uma derrapagem. Custou três vezes mais, mas é uma obra mais completa do que tinha sido pensado”. “Os mecanismos instituídos não corresponderam àquele momento, àquela experiência, e por isso estamos a desenvolver um reforma naquela estrutura” João Cravinho Ministro da Defesa Nacional