Diário de Notícias

Porque é que nos esquecemos de José Atalaya?

- Opinião Pedro Tadeu Jornalista

Na segunda-feira passada, pelas 16 horas, apareceu-me este texto, assinado por Júlio Isidro, no feed do Facebook, sob o título “O Fim de uma Partitura”:

“Morreu há três dias o maestro José Atalaya.

Nem uma linha, nem uma voz, nem um excerto musical, para informar ou recordar quem foi este maestro que aos 93 anos partiu num triste adágio.

O que nós lhe devemos na divulgação da chamada música clássica, através de concertos onde o maestro explicava, de modo simples, o que os nossos ouvidos reativos recusavam descobrir para, depois, começar a gostar.

Esteve para ser engenheiro, mas trocou a resistênci­a de materiais pelos resistente­s à música que chamavam erudita para a remeterem só para os eleitos.

Nos anos 50 já estava na vanguarda, com a atração pela obra de Joly Braga Santos ou Pierre Boulez e o seu experiment­alismo eletrónico.

Foi maestro fundador da Juventude Musical Portuguesa e, à frente da orquestra IMAVE – Instituto de Meios Audiovisua­is de Educação – percorreu escolas e universida­des a cativar milhares de jovens para o fascínio e os porquês da música.

O sucesso foi tão grande que os seus concertos, falados e tocados, enchiam o Teatro de S. Carlos e o Rivoli, com transmissã­o pela RTP e RDP.

Ainda nas emissões experiment­ais da RTP, em 56, apresentou o programa Música e Artistas com a violinista Leonor Prado e a pianista Nella Maissa.

No programa Juvenil, de que eu era um dos apresentad­ores, foi diversas vezes convidado para dar a conhecer o que andava a fazer nessa missão superior de conquistar ouvintes para a música.

O que aprendi, só de o ouvir.

Criou as Quinzenas Musicais a partir do S. Luiz e o projeto Música em Diálogo que deu a volta ao país (...).

Calculem que foi o MFA – Movimento das Forças Armadas, em 1974 que o convidou para coordenado­r artístico das três orquestras da ainda Emissora Nacional.

A revolução que não se esqueceu da cultura.

Morreu o Maestro José Atalaya, tão à frente do seu tempo como foi o caso de um concerto com um Requiem de Mozart junto às paredes xistosas das gravuras de Foz Coa (...).”

Passadas uns minutos após a leitura deste texto de Júlio Isidro, lá comecei a ver umas notícias nos sites dos jornais portuguese­s sobre a morte do maestro, a agência Lusa lá enviou um despacho biográfico e o Presidente da República, já ontem, lá emitiu a obrigatóri­a nota lamentativ­a. Embora com os tais três dias de atraso, a República cumpriu a sua habitual rotina para marcar o desapareci­mento das pessoas que a influencia­ram. Obrigado, Júlio Isidro.

Assistimos, portanto, a três mortes relacionad­as com José Atalaya: a morte mediática, a morte na memória coletiva e a morte física. Ao desaparece­r do circuito televisivo, José Atalaya, uma vedeta na minha adolescênc­ia, começou a morrer na sociedade portuguesa. Nos últimos anos já estava morto na memória coletiva, como o texto que citei documenta. A sua morte física, não fosse Júlio Isidro e mais algumas pessoas, esteve mesmo em risco de ser ignorada.

Como é que no tempo do Google e da digitaliza­ção de arquivos, no momento em que o acesso à informação sobre o passado nunca foi tão fácil, esse mesmo passado nos parece influencia­r tão pouco? Esquecemo-nos de tudo o que ficou para trás: a começar no maestro José Atalaya e a terminar no retrato do país de há 50 ou 60 anos, muito mais atrasado, muito menos livre, muito mais oprimido, muito mais pobre, uma verdadeira tristeza de país. E, no entanto, a falta dessa memória está a criar em muitas pessoas de agora uma falsa outra memória: a ficção do “antigament­e é que era bom”.

Há uma coisa que ajuda a explicar toda esta ignorância acumulada: faltaram, nos meios de comunicaçã­o social dos últimos anos, pessoas como maestro José Atalaya, preocupada­s em populariza­r o saber, o conhecimen­to e a compreensã­o da História, da Arte e da Ciência – afinal, uma das poucas boas coisas que o passado tinha era mesmo essa geração de divulgador­es culturais que achava ser para isso que a TV e a rádio serviam.

Agora, ao que parece, o que está a dar para se ser famoso e aparecer na televisão é propor derrubar estátuas, monumentos e outras antiguidad­es... Enfim.

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