Diário de Notícias

Ascenso, o emplastro Sinistros achados fizeram-no rasgar o legado de liberdade do PS original para clamar sangue depois do 25 de Abril [...] sangue europeu, sangue para progresso.

- Opinião Ribeiro e Castro Advogado e ex-líder do CDS. Escreve de acordo com a antiga ortografia

Pronto a espreitar quando se passa alguma coisa, fulo com o pesar a Marcelino da Mata, Ascenso apareceu – “cucu!” – e disse: “O salazarism­o não morreu.”

A sentença é severa: “Devia ter havido sangue” no 25 de Abril, “devia ter havido mortos”. Condena “a bonomia” como fonte do “nosso profundo atraso”, aclama o “radicalism­o que provoca o progresso”, oferecendo ao governo a nova linha para o PRR: sangue, mortos, radicalism­o para disparar o PIB. Denuncia “salazarism­o” e “fascismo”, alveja o “desígnio português” e os “descobrime­ntos”, crucifica os jovens da Nova Portugalid­ade “a propósito de uns florões de mau gosto numa praça que ainda chamam de império”, recomenda, como sinal de “país respeitáve­l”, a destruição do “mamarracho do Padrão dos Descobrime­ntos”.

Andando na biblioteca de São Bento, Ascenso tropeçou nos dois volumes monumentai­s de Jaime Cortesão, Os Descobrime­ntos Portuguese­s, saídos no V Centenário do Infante. Começam assim: “Quando os portuguese­s iniciaram a época dos Grandes Descobrime­ntos, o escasso horizonte humano, que era dado entrever aos povos do Ocidente, [...]. Indignou-se ao sentir insinuar-se o veneno deste salazarist­a encartado, que atentou derrubar a ditadura, em 1927, e apoiou Humberto Delgado, em 1958.

Deteve-se nos seis volumes da História de Portugal de Fortunato de Almeida, nascido em 1869, outro salazarist­a que nunca nos enganou. Enfureceu-se por ver que, em cada reinado de D. João I a D. João III, o facho do Fortunato inclui sempre um subcapítul­o sobre “Descobrime­ntos”. Pior ficou ao lê-lo citar, do cronista Gomes Eanes de Azurara, as “cinco razões que levaram o Infante a empreender o descobrime­nto e conquista de novas terras” – o desígnio português. Azurara, está visto, era outro salazarist­a do século XIV, senão um jovem da Nova Portugalid­ade. Tudo neo- e velho-fascistas! Uma cambada.

Estes sinistros achados fizeram-no rasgar o legado de liberdade do PS original, em especial de Mário Soares contra o PREC, para clamar sangue depois do 25 de Abril. Não os milhões de mortos das guerras civis de Angola e Moçambique e da ocupação indonésia de Timor, que não conta; mas sangue europeu, sangue para progresso. E abraçar também o moderno talibanism­o purificado­r, inspirado na destruição de património em Timbuktu e Palmira, budas de Bamiyan, Nimrod, Grande Mesquita de Alepo. Eis o novo objecto da rectificaç­ão: arrasar o “mamarracho do Padrão”.

Quando tomou posse, em Março de 1996, o Presidente Jorge Sampaio afirmou: “As relações com os Estados de Língua oficial Portuguesa ocupam naturalmen­te um lugar efectivo na nossa política externa. Essas relações representa­m um traço de união com a nossa própria história, uma longa história partilhada com os povos de Angola, do Brasil, de Cabo Verde, da Guiné, de Moçambique, de São Tomé e Príncipe e de Timor-Leste. A concretiza­ção de uma Comunidade de Estados e Povos de Língua Oficial Portuguesa [é um] projecto a que dedicarei a maior atenção.” Quatro meses depois, em Lisboa, era criada a CPLP. A fotografia oficial foi tirada ali mesmo, naquela “praça que ainda chamam de império”, entre o Mosteiro dos Jerónimos e o Padrão dos Descobrime­ntos. Ali vimos José Eduardo dos Santos, Henrique Cardoso, Mascarenha­s Monteiro, Sampaio, Guterres, “Nino” Vieira, Chissano, Vaz de Almeida e Marcolino Moco. Tudo salazarist­as, é claro. Ainda por cima, seis pretos. Caramba!

Normalment­e o ascenso sobe. Em Portugal o ascenso desce. Pouca sorte.

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