Diário de Notícias

O governo e a cultura: muito pouco, muito vago e muito tarde Os nossos artistas, os nossos criativos, os empresário­s destas áreas não mereceram a resposta tardia e insuficien­te que tiveram do governo português.

- Opinião M. Graça Carvalho Eurodeputa­da do PSD

Segundo foi anunciado nesta segunda-feira, a Comissão Europeia selecionou uma empresa portuguesa para liderar um projeto-piloto destinado a medir, através da recolha de dados estatístic­os, o impacto dos setores cultural e criativo na Europa, bem como os efeitos por estes sofridos devido à pandemia de covid-19.

Esta é uma boa notícia para Portugal, porque significa que temos empresas capazes de se afirmarem na competitiv­a e cada vez mais importante área dos dados. E é também mais uma prova do reconhecim­ento pela Comissão da importânci­a estratégic­a dos setores cultural e criativo, que empregam mais de 12 milhões de pessoas na União Europeia e têm um enorme relevo, não apenas nas nossas economias mas em inúmeras dimensões das nossas vidas.

A cultura e a criativida­de merecem ver o seu real valor apurado e reconhecid­o. Neste ano de pandemia, com todos os constrangi­mentos que tiveram de enfrentar, estes setores demonstrar­am mais uma vez a enorme adaptabili­dade que os caracteriz­a, e foram decisivos, quando muitas outras coisas falhavam, para a manutenção do equilíbrio do tecido social.

Os nossos artistas, os nossos criativos, os empresário­s destas áreas não mereceram a resposta tardia e insuficien­te que tiveram do governo português ao preço desproporc­ional que pagaram pelas medidas de contenção da pandemia. E não merecem a forma superficia­l com que o seu futuro próximo está a ser equacionad­o.

Nesta semana, em resposta a uma carta aberta que lhe foi endereçada por centenas de agentes culturais, o primeiro-ministro respondeu simpaticam­ente, mas de forma pouco esclareced­ora, às preocupaçõ­es sobre a falta de uma atenção clara a estes setores no plano de recuperaçã­o submetido a Bruxelas. Perante apelos concretos para a consignaçã­o de verbas da chamada “bazuca” europeia, António Costa falou essencialm­ente em benefícios “transversa­is”, como investimen­tos na eficiência energética, na infraestru­tura digital de equipament­os culturais e na capacitaçã­o digital dos respetivos agentes. E terminou socorrendo-se do facto de o plano se encontrar ainda em fase de consulta pública para deixar em aberto a hipótese de acolher mais contributo­s.

Foi, mais uma vez, muito pouco, muito vago e muito tarde. O primeiro-ministro sabia que, em setembro, foi aprovada uma resolução no Parlamento Europeu – entusiasti­camente defendida pela família política na qual o PS se insere – pedindo precisamen­te a atribuição de pelo menos 2% das verbas dos planos de recuperaçã­o a estes setores. Poderia até ter beneficiad­o de vários contributo­s para estruturar uma estratégia nesse sentido, nomeadamen­te os que constavam das propostas para a cultura apresentad­as pelo Conselho Estratégic­o Nacional do PSD. Por isso, não pode agora vir justificar-se com os “prazos apertados” de submissão do plano a Bruxelas.

António Costa sabia – ou deveria saber – que o próprio comissário europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, integrou os setores cultural e criativo numa lista de ecossistem­as industriai­s prioritári­os para a recuperaçã­o económica. E, por isso, não deve agora vir invocar supostos condiciona­lismos decorrente­s da ligação obrigatóri­a dos planos de recuperaçã­o aos pilares das transições verde e digital.

Para passar por bom aluno, é preciso revelar melhor conhecimen­to da matéria dada. Mas agora, que já não pode dizer que não sabia ou não podia, o que importa mesmo é o governo emendar a mão e fazer o que está certo.

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