O PRR, a falta de estratégias nacionais e a marginalização das pequenas empresas É importante o governo português apoiar empresas portuguesas com massa crítica e visão (que são empresas pequenas e disruptivas).
Na página online do governo apresentando o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) informa-se que este “se insere no âmbito da Estratégia Portugal 2030, o referencial estratégico para as opções estruturais do nosso país ao longo da década, e que tem por base a visão estratégica para o plano de recuperação económica de Portugal 2020-2030, […] elaborado pelo Professor António Costa Silva”. Nesta visão propugna-se a criação de um “cluster do hidrogénio verde” e de um “cluster do lítio, do nióbio, do tântalo e das terras raras”.
Entretanto, quer na Estratégia Portugal 2030 quer no Programa Nacional de Investimentos – PNI 2030 faz-se alguma menção ao hidrogénio – nomeadamente ao investimento de 2850 milhões de euros no Projeto Industrial de Produção de Hidrogénio Verde em Sines 2021-2030 – mas nenhuma menção ao lítio.
No PRR aparece uma menção a uma “Fileira Integrada de Lítio e Fabrico de Baterias” como “um projeto estratégico transfronteiriço entre Portugal e Espanha” com espartanas 24 linhas, onde se menciona o enorme potencial do INL – o que é absolutamente correto. Mas onde também se escrevem pérolas como “Portugal possui a capacidade de atrair a tecnologia e empresas interessadas na sua refinação”. Parece oportuno esclarecer o ministro do Ambiente de que a única empresa europeia que tem uma unidade-piloto de refinação certificada capaz de demonstrar adequada capacidade tecnológica (idêntico ao que sucedeu com a outra refinaria de lítio na União Europeia – a da Keliber – aceite como tal pelo BEI) chama-se Outotec Oyj, a qual não só foi atraída como já celebrou contratos com a única concessionária que assumiu a obrigação de proceder à refinação em hidróxido de lítio.
Quanto a “empresas interessadas na sua refinação”, há muitas. Até porque, na cadeia de valor do lítio, o segmento em que operará com maiores margens será o da refinação (em 2030 haverá duas a três refinarias na UE), não o das unidades de produção de cátodos e ânodos (em 2030, 20-30+ operadores na UE), nem o da produção de células elétricas (em 2030, 30-40+ operadores na UE), nem o das montadoras de baterias elétricas (em 2030, 20-30+ operadores na UE). O importante é mesmo tentar integrar a refinação com etapas subsequentes a jusante, se possível até uma montadora, provavelmente de baterias estacionárias. Mas para isso suceder é importante o governo português apoiar empresas portuguesas com massa crítica e visão (que são empresas pequenas e disruptivas), não energéticas habituadas a viver de rendas da energia ou de pouco edificante proteção dos governos) nem empresas estrangeiras que em devido tempo – quando eram startups disruptivas – foram apoiadas pelos governos dos seus países…
Continua a aprovar-se documentos estratégicos para 2030 sem existir uma Estratégia Nacional para o Lítio. E Portugal continua fora do IPCEI relativo à cadeia de valor das baterias de lítio – existente desde 2019, englobando 12 países da UE e dezenas de empresas da Aliança Europeia de Baterias (AEB), beneficiando de ajudas estatais até 2,9 mil milhões de euros.
A lamentável marginalização das pequenas empresas portuguesas membros da AEB é infelizmente reveladora da forma como as PME, ainda que criativas e disruptivas e teoricamente beneficiárias primeiras dos fundos europeus, são tratadas pelos governantes deste país.