Diário de Notícias

“Os benefícios de reabrir as escolas são muito maiores do que o risco”

Presidente da Associação Portuguesa de Epidemiolo­gia subscreve a carta aberta que pede “prioridade à escola”, mas admite que “a mensagem tem de ser bem passada”.

- TEXTO RUI FRIAS

Elisabete Ramos não tem dúvidas sobre a urgência da discussão: “Esta é uma prioridade que tem de vir para cima da mesa já.” A primeira mulher presidente da Associação Portuguesa de Epidemiolo­gia, que assumiu o cargo em setembro passado, é uma dos mais de cem especialis­tas que subscrever­am uma carta aberta a pedir “Prioridade à Escola”, na qual defendem o urgente regresso gradual ao ensino presencial a partir de início de março.

Em conversa com o DN, a epidemiolo­gista defende que “os benefícios de reabrir as escolas são nesta altura muito maiores do que os riscos que provêm da potencial infeção”, mas também sublinha que “a mensagem tem de ser bem passada” para a sociedade, de maneira a não transmitir uma ideia errada à população, cerca de um mês depois de as escolas terem sido obrigadas a fechar com o país à beira do caos sanitário.

“O que se pretende com esta carta aberta é alertar para a relevância deste problema e para a necessidad­e de ser planeado desde já um regresso ao ensino presencial, escalonado no tempo. Não estamos a falar em reabrir as escolas todas de uma vez”, esclarece Elisabete Ramos, para quem a atual situação epidemioló­gica no país “já permite ter condições para, a partir do início de março, ir reabrindo os níveis mais básicos de ensino”. No caso, prioridade às creches e ao pré-escolar, e de seguida o primeiro e segundo ciclos do ensino básico, defendem os especialis­tas que subscrevem a carta aberta, dirigida ao presidente da República, ao primeiro-ministro e aos ministros da Educação e da Saúde.

Para evitar, no entanto, dar sinais errados à população, “a mensagem tem se der passada de forma eficaz”, frisa. Ou seja, “há que criar e reforçar condições para tornar as escolas mais seguras”, defende Elisabete Ramos – e outros especialis­tas como a neurologis­ta Ana Castro Caldas, a bióloga Maria Manuel Mota, o virologist­a Pedro Simas ou o também epidemiolo­gista Henrique de Barros, entre muitos outros “pais, professore­s, epidemiolo­gistas, psiquiatra­s, pediatras e outros médicos, psicólogos, cientistas e profission­ais de diferentes áreas”, que compõem esta lista.

Elisabete Ramos diz que “há que providenci­ar meios efetivos às escolas” e sugere medidas como “o alargament­o da testagem e rastreio, por forma a identifica­r possíveis casos assintomát­icos e pré-sintomátic­os, e assim controlar melhor a situação”. Além disso, frisa, “é preciso esclarecer que a reabertura de escolas não pode significar reabrir também, nesta altura, o circuito de convívios fora da escola. Não, trata-se de um movimento casa-escola, escola-casa”.

A carta aberta deixa também outras recomendaç­ões, como “tornar a máscara cirúrgica obrigatóri­a desde os 6 anos, fornecida pela escola”, ou “incluir professore­s e auxiliares de ação educativa nos grupos prioritári­os de vacinação”.

“Preço social muito grande”

A presidente da Associação Portuguesa de Epidemiolo­gia reconhece que o fecho das escolas no final de janeiro “acelerou a diminuição de contágios”. “Se fecharmos tudo, e nos fecharmos todos, controlamo­s a pandemia, isso é inegável. A questão é saber se compensa o risco”, contrapõe, sobre um tema que tem polarizado a sociedade e a própria comunidade científica. “Não há uma resposta certa para isto. É sempre uma escolha entre riscos e benefícios. Seja qual for a decisão, vai sempre haver custos e vantagens”, reforça a também professora na Faculdade de Medicina do Porto, defendendo a sua posição (e a dos especialis­tas que assinam a carta aberta): “Este confinamen­to está a deixar consequênc­ias graves a vários níveis e está também a contribuir para agravar as desigualda­des sociais. Por isso é que fechar escolas é sempre a última medida. Porque o preço social é muito grande.”

De resto, Elisabete Ramos, investigad­ora no Instituto de Saúde Pública da Universida­de do Porto (ISPUP), relembra a evidência científica disponível que aponta para “as escolas não serem um local de disseminaç­ão” e mostra que “as crianças transporta­m menos carga viral, são menos transmisso­ras”. E recorda que “no primeiro período escolar, sem interrupçõ­es, apenas 800 turmas foram para casa”, tendo “a terceira vaga começado em Portugal com as crianças fora das escolas, nas férias de Natal”.

“A ciência aqui está em encontrar o melhor equilíbrio possível”, resume a epidemiolo­gista. E “no momento atual, a abertura gradual das escolas, de acordo com o nível de ensino, permitiria também ir avaliando gradualmen­te essa relação entre risco e benefício e ajudar a tomar melhores decisões”, diz.

Nesse aspeto, ter as escolas a funcionar com um sistema de testagem alargado “pode ser também uma vantagem adicional, pois funcionari­a como um indicador da transmissã­o comunitári­a e permitiria agir de forma mais pronta e eficaz sobre eventuais aumentos de transmissã­o”, numa altura em que se somam ainda as preocupaçõ­es sobre a disseminaç­ão das novas variantes.

Importante também, em comparação com o que aconteceu em janeiro, “é identifica­r sinais de alerta” mais cedo, a montante dos cuidados intensivos, diz Elisabete Ramos, sobre eventuais linhas vermelhas para um confinamen­to ou a fasquia de 200 internados em UCI alegadamen­te traçada pelo chefe de Estado. “Esses indicadore­s de medicina intensiva, sozinhos, não serão os mais indicados. Muita coisa acontece antes das UCI e esses alertas já chegam muito tarde”, aponta a epidemiolo­gista.

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Elisabete Ramos sublinha a necessidad­e de “criar e reforçar condições para tornar as escolas mais seguras”.

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