Tratamento de fertilidade alargado a mulheres com mais de 40 anos para compensar atrasos por causa da pandemia
Há quem tenha visto interrompidos os procedimentos de procriação medicamente assistida por causa da covid-19 e ultrapassado o limite de idade. O governo está a rever a norma.
Ogoverno vai alterar excecionalmente o limite de idade das mulheres que podem aceder a tratamentos de fertilidade no Serviço Nacional de Saúde (SNS) devido aos atrasos e à suspensão de procedimentos provocados pela pandemia. A lei não estipula uma idade máxima limite, mas, no setor público, não pode ter acesso a estas práticas quem tiver mais de 39 anos e 364 dias, no caso da fertilização in vitro e injeção intracitoplasmática, ou 41 e 365, na indução da ovulação e inseminação artificial . E, entretanto, essas pessoas atingiram o limite de idade devido à covid-19.
“A Direção-Geral da Saúde e a Administração Central do Sistema de Saúde encontram-se a trabalhar na revisão das circulares normativas n.º 18/2011/UOFC e n.º 8/2018/ DPS/ACSS sobre a indicação para técnicas de 1.ª (indução da ovulação e inseminação artificial ) e 2.ª linha (fertilização in vitro e injeção intracitoplasmática) de procriação medicamente assistida”, respondeu ao DN a assessoria da ministra da Saúde.
O gabinete de Marta Temido sublinha que essa revisão vai ao encontro das preocupações transmitidas “relativamente às beneficiárias que, no decurso do período de suspensão da atividade assistencial não urgente, tenham atingido os limites etários que as impossibilitam de permanecer na lista de espera do centro público e, consequentemente, de ver garantido o financiamento dos tratamentos”.
A pandemia fez atrasar os tratamentos de procriação medicamente assistida (PMA) no setor público e as doações são residuais. Os seis meses da lista de espera passaram, agora, a dois anos. O limite de idades não se aplica no privado, que geralmente vai até aos 50 anos. Isto, porque são os utentes que pagam os tratamentos e a norma tem sobretudo a ver com uma questão económica. As probabilidades de uma gravidez diminuem com a idade.
Com o primeiro estado de emergência, entre março e maio do ano passado, os tratamentos de PMA estiveram completamente parados, para regressarem após o desconfinamento, mas a um ritmo lento. A situação agravou-se com a terceira vaga da pandemia e há mulheres que foram recusadas no SNS por terem ultrapassado a idade-limite.
2900 ciclos adiados
O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistido (CNPMA) deliberou em junho o prolongamento das idades por seis meses, preparando-se para emitir nova recomendação sobre essa matéria e alargar esse período. Mas o que a presidente do Conselho, Carla Rodrigues, defende é que o governo formalize o prolongamento à semelhança do que pedem os dirigentes da Sociedade Portuguesa de Medicina Reprodutiva (SPMR) e da Associação Portuguesa de Fertilidade (APFertilidade).
O CNPMA deliberou a 26 de junho: “De maneira a que seja garantido o direito de acesso aos tratamentos programados a todas as beneficiárias que, por força da perturbação da atividade dos Centros, ultrapassaram o limite de idade para acesso aos tratamentos de PMA a partir do dia 18 de março de 2020 (data em que foi decretado o estado de emergência em Portugal, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março), o CNPMA determinou prolongar em 6 meses este limite, devendo ser o acesso a estes tratamentos garantido até ao final do presente ano (31 dezembro de 2020).”
Outro problema é a doação de gâmetas que ficaram reduzidas a praticamente zero no público: oito ovócitos (862 no privado) e zero espermatozoides (403 no privado). Em 2019, a diferença entre público e privado era de 1145 para 27 ovócitos e de 764 para oito espermatozoides. Sempre foram deficitárias nos organismos públicos, o que os dirigentes explicam pela falta de meios e de condições nas unidades de saúde.
A situação está a ser analisada por um grupo de trabalho, criado na sequência de uma norma da Lei do Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro). O objetivo é a “apresentação de propostas para melhorar o acesso à PMA e promover as doações ao Banco Público de Gâmetas, através do Despacho n.º 1619-A/2021, retificado pela Declaração de Retificação n.º 124/2021”, referem do Ministério da Saúde.
O grupo de trabalho integra representantes da Direção-Geral da Saúde, da Administração Central do Sistema de Saúde, de cada banco e centro público autorizado a ministrar as técnicas de PMA, do CNPMA, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, da Ordem dos Médicos, Ordem dos Enfermeiros, Ordem dos Biólogos, SPMR e APFertilidade.
O CNPMA realizou um estudo sobre o impacto da covid-19 após a primeira fase de confinamento junto dos 27 centros de PMA, públicos e privados. Entre 8 de março a 15 de agosto, a maioria reduziu a atividade de 75% a 100%, estimando-se que possam ter sido cancelados ou adiados 2900 ciclos. Concluía-se que, nos públicos, a suspensão ou a redução da atividade em PMA se repercutisse até oito meses adicionais de tempo de espera.
Em 2018, nasceram 3043 crianças através das técnicas de PMA. Realizaram-se 2434 partos (1183 através de FIV/ICSI (fertilização in vitro e injeção intracitoplasmática); 999 por TEC (transferência de embriões) e 252 por IA (Inseminação artificial), e em 25% dos casos nestes tratamentos são de mais de um bebé.
Conselho determinou o prolongamento de seis meses na 1.ª vaga, período que deverá alargar-se devido à gravidade da 3. ª. É o Estado que tem de fazer uma norma nesse sentido.