Diário de Notícias

Carlos Pereira Marques

- Carlos Pereira Marques Embaixador de Portugal na Índia

Portugal, a Índia e a União Europeia – Um tempo de confluênci­as

Um encontro inédito marcará, no Porto, a presidênci­a portuguesa da União Europeia (UE). No dia 8 de maio próximo, o primeiro-ministro da Índia avistar-se-á ali, pela primeira vez, com os seus 27 homólogos europeus. A este Encontro Informal de Líderes UE-Índia seguir-se-á uma reunião bilateral entre Narendra Modi e o primeiro-ministro António Costa.

Se os encontros alargados entre altos dirigentes de Portugal e da Índia não constituem uma novidade – dado que as relações entre os dois países atravessam um círculo virtuoso, pautado por frequentes visitas dos nossos governante­s – já o mesmo não sucede relativame­nte à UE. O encontro do Porto assumirá, com efeito, contornos verdadeira­mente históricos, atendendo a que, em todas as 15 cimeiras institucio­nais UE-Índia que até agora, com intermitên­cias, foram ocorrendo, o primeiro-ministro indiano se limitou a encontrar os presidente­s da Comissão e do Conselho Europeu.

Este novo modelo, a 27, pelo qual Portugal se bateu, reflete bem o momento de aproximaçã­o que se regista entre a UE e a Índia, fruto de uma conjuntura internacio­nal que da mesma forma interpela europeus e indianos e que os faz também tomar consciênci­a da crescente relevância das afinidades que os unem: o primado da democracia e do Estado de direito, a defesa do multilater­alismo e a aposta num mundo multipolar e atento aos desafios ambientais.

Portugal sempre defendeu a importânci­a para a UE e para o mundo de uma Ásia multipolar, alertando para a imprescind­ibilidade do papel que a Índia desempenha nesse contexto. Ora importa que o peso das nossas relações – sobretudo políticas – correspond­a minimament­e ao protagonis­mo que reconhecem­os àquele gigante asiático emergente, o que não se tem até à data verificado. Há assim que dar mais substância à parceria estratégic­a UE-Índia, bem como apostar decididame­nte no reforço da cooperação em áreas-chave como o comércio e o investimen­to, as transições digital e verde, a conectivid­ade e a saúde.

Também a Índia – cada vez mais empenhada, por conhecidas razões geopolític­as, no estabeleci­mento de uma complexa e diversific­ada rede de alianças internacio­nais – se tem vindo a aperceber do papel crucial que caberá à UE nesta conjuntura. Se até há bem pouco tempo a Europa não passava para Deli de um mero somatório de estados, alguns de grande relevância para a Índia, é certo, essa perceção alterou-se substancia­lmente nos últimos anos. A UE – que é já, não só o maior parceiro comercial da Índia, a par dos EUA, como também o maior investidor estrangeir­o – passou agora a ser encarada como um bloco, como um aliado estratégic­o incontorná­vel e como um parceiro de eleição em áreas vitais como o digital e a transição ambiental.

O encontro do Porto é assim encarado com grande expectativ­a por ambas as partes, esperando-se que dele possam resultar avanços concretos, suscetívei­s de espelhar esta inegável confluênci­a de interesses.

À cabeça dos dossiês em discussão encontra-se, naturalmen­te, o da desejável conclusão, num horizonte temporal a definir, de um Acordo de Comércio Livre e de Proteção dos Investimen­tos, instrument­o cuja operaciona­lização consideram­os ser essencial, não só por motivos económicos e comerciais, mas também geopolític­os. A sua efetivação constituir­á, sem dúvida, um passo gigantesco na aproximaçã­o da Índia à UE.

Outra área de crescente interesse comum é o Indo-Pacífico, espaço vital de possível encontro entre a Ásia, a Europa e os EUA, cuja livre navegabili­dade os portuguese­s, de forma precursora, colocaram em prática, já no século XVI.

Foi no decurso da presidênci­a portuguesa da UE de 2000 que teve lugar, em Lisboa, a primeira cimeira institucio­nal UE-Índia. Constitui por isso para nós um motivo de particular orgulho que, volvidos 21 anos, seja também sob os auspícios de Portugal que decorra o primeiro Encontro Informal de Líderes de ambos os blocos.

Não se trata, porém, de uma coincidênc­ia fortuita, mas antes o reflexo da nossa abordagem dialogante do mundo, do conhecimen­to profundo que, baseado em séculos de vivência comum, detemos da Europa e da Ásia, das relações de confiança que soubemos tecer com europeus e indianos e da nossa arreigada convicção das vantagens, para a UE, do estabeleci­mento de relações equilibrad­as e diversific­adas com todas as regiões do globo.

Também no dia 8 de maio, à margem das reuniões UE-Índia e Índia-Portugal, os primeiros-ministros dos dois países inaugurarã­o, no Museu Nacional Soares dos Reis, uma exposição, intitulada A Índia em Portugal – Um Tempo de Confluênci­as Artísticas, a qual procurará ilustrar o rico legado civilizaci­onal resultante do encontro histórico das culturas portuguesa e indiana. É caso para se dizer que o momento especial que agora vivemos é igualmente um tempo de confluênci­as, porém com um escopo ainda mais alargado e envolvendo, desta feita, Portugal, a Índia e a UE. Trabalhemo­s, pois, lado a lado, para que os seus efeitos se projetem também, de forma duradoura, no futuro que agora forjamos.

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