Jorge Moreira da Silva
Para quando uma bazuca de produtividade e competitividade?
Não menosprezo o Plano de Recuperação e Resiliência, nem o papel dos 17 mil milhões de subvenções europeias nele enquadrados. Mas lamento que teimemos em não perceber que os problemas de crescimento da economia não se podem resolver apenas na perspetiva do financiamento – e, muito menos, exclusivamente do lado do financiamento público –, ignorando os constrangimentos estruturais que nos impedem de crescer há décadas.
A pandemia colocou uma enorme pressão sobre a economia de todos os países, mas a saída da crise, cuja gravidade ainda não foi plenamente revelada, não será simétrica e a divergência entre países acentuar-se-á. Tudo dependerá das nossas condições estruturais para competir à escala global.
Infelizmente, Portugal ainda se encontra numa posição particularmente vulnerável no contexto europeu. São inúmeros os indicadores que demonstram que a superação da atual crise económica e social depende da capacidade de enfrentarmos todos os problemas estruturais que, há décadas, nos impedem de crescer: a dívida muito elevada, o baixo investimento público e privado, a baixa produtividade, as vulnerabilidades no setor financeiro, a elevada dependência energética e alimentar, o elevado peso da despesa pública, a elevada carga fiscal, a crise demográfica, a baixa confiança na justiça e nas instituições, as baixas qualificações, a reduzida mobilidade social e as gritantes desigualdades sociais e territoriais.
Confesso a minha impaciência e perplexidade com o facto de, no debate público e político, perante a maior crise dos últimos 70 anos, abundar a superficialidade e escassear a inovação, o pensamento alternativo e a visão de longo prazo. Estamos em estado de emergência, mas falta-nos um sentido de urgência.
Até no tema mais discutido – o financiamento da recuperação económica e social – pouco mais se tem visto do que uma discussão sobre a alocação setorial da bazuca europeia, bem distante de uma visão abrangente da política de investimento.
Não nos iludamos. É verdade que, nesta fase, é urgente apoiar as empresas e, em especial, proteger o emprego; como também é crucial o papel do financiamento público (nacional e europeu) na transição digital e no combate às desigualdades e às alterações climáticas. Mas, atendendo ao nosso nível de endividamento público, é fundamental que a estratégia de investimento seja, no essencial, orientada para a atração de investimento privado, externo e produtivo e para o reforço das exportações. Ora, isso requer uma transformação de grande amplitude.
Precisamos de um ambiente de investimento que valorize o mérito, a inovação, a criatividade e o espírito empreendedor; que reforce as sinergias entre o sistema científico e empresarial; que crie as condições para um maior reinvestimento dos lucros nas empresas; que reforce o acesso das PME a todas as potenciais fontes de financiamento, além da banca comercial, como o capital de risco, fundos de investimento, investidores institucionais, finanças sustentáveis, mercado de capitais, instrumentos de titularização, obrigações verdes e crowdsourcing.
E precisamos de um Estado que assuma, plenamente, as suas responsabilidades na melhoria do contexto de investimento – na regulação, na justiça, na fiscalidade, na desburocratização, na educação e formação profissional, na ambição ambiental, na descarbonização, no ordenamento do território, no combate à corrupção, na legislação laboral, no sistema de ciência e inovação, na internacionalização, na identificação de clusters de conhecimento – mas que não caia na tentação de intervir na política empresarial, salvando incumbentes datados ou forjando novos “campeões nacionais”.
Queremos uma nova vaga de reformas que aumente a produtividade, a competitividade e a sustentabilidade da economia portuguesa? Ou preferimos continuar com os olhos colocados no conta-quilómetros da despesa e do investimento públicos?
Mais tempo de imunidade