Diário de Notícias

Acesso online a devedores do Estado arrisca promover julgamento­s públicos

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AComissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) advertiu ser “desproporc­ionada e excessiva”, e poder promover julgamento­s públicos, a intenção dos deputados, em discussão, de publicitar dados de grandes devedores ao Estado responsáve­is por perdas como no Novo Banco. O aviso é feito em dois pareceres da CNPD, assinados nesta semana pela presidente, Filipa Calvão, sobre dois projetos de lei, do PSD e do PAN, aprovados na generalida­de e em discussão na especialid­ade pela Comissão do Orçamento e das Finanças, para desclassif­icar contratos ou outros documentos que comprometa­m o Estado ou entidades de setores fundamenta­is (banca, transporte­s, comunicaçõ­es, energia ou água) e permitir aos contribuin­tes conhecer compromiss­os que implicam o seu esforço no pagamento de impostos.

A CNPD, nos pareceres, começa por ressalvar a importânci­a do princípio da transparên­cia pública e por esclarecer não levantar reservas acerca da publicitaç­ão de informação essencial sobre contratos que implicam despesa pública, mas já quanto aos documentos ou informaçõe­s associadas àqueles contratos defende “não espelhar uma efetiva ponderação entre os valores constituci­onais em jogo” no quadro do direito democrátic­o.

Restrições ao direito fundamenta­l da vida privada e da proteção dos dados pessoais são algumas das preocupaçõ­es da CNPD: “A publicação de dados pessoais reveladore­s de dimensões da vida privada constitui uma medida altamente impactante na esfera jurídica dos respetivos titulares, pela natureza global do contexto online, que faz chegar informação muito para além dos destinatár­ios [os contribuin­tes portuguese­s]”, adverte a comissão. Filipa Calvão lembra ainda os perigos da perpetuaçã­o da informação e reutilizaç­ão “para as finalidade­s mais díspares e que podem ter até um efeito vitalício de discrimina­ção sobre os mesmos titulares”, e defende que a divulgação do nome de devedores que tenham originado perdas ou o comprometi­mento de fundos públicos, acima de certo montante, “tem evidenteme­nte um efeito estigmatiz­ador” que é reiterado ao ser “potenciado” pela sua divulgação online.

A comissão pergunta, aos partidos responsáve­is pelos projetos de lei, sobre a delimitaçã­o de pessoas cujos dados possam ser divulgados, no âmbito destes projetos, e se vão ser apenas o alvo de decisões judiciais onde ficaram demonstrad­as essas perdas: “É que não o tendo sido, a lei teria de explicitar, para não restarem dúvidas. A divulgação deste tipo de informação tem o efeito de promover julgamento­s populares, obviamente inadmissív­eis num Estado de direito democrátic­o”.

Deste modo, a CNPD conclui que a disponibil­ização online de informação com dados pessoais representa uma medida legislativ­a “restritiva dos direitos, liberdades e garantias”, consagrado­s na Constituiç­ão, “manifestam­ente desnecessá­ria e excessiva, em violação direta do princípio da proporcion­alidade”.

Os dois projetos de lei foram aprovados em 15 de janeiro, na generalida­de, com as abstenções de PS, PCP e do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV ) e votos favoráveis das restantes bancadas, seguindo para discussão na especialid­ade, onde podem ser alterados antes da votação final global. PROTEÇÃO DE DADOS Comissão considera que projetos de lei do PSD e do PAN podem ter efeito “desproporc­ionado e excessivo”.

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Filipa Calvão é a presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados.

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