Diário de Notícias

“Há sempre aquelas pessoas que tentam ser mais espertas do que as outras [na vacinação]. Deviam ser severament­e punidas. Não deveriam assumir cargos públicos durante uns anos.”

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normal do circuito turístico. Refiro-me a toda a componente fixa, os salários das pessoas que trabalham nessa área e a manutenção básica de tudo isso. Agora, que é uma fonte de receita importante, é. Nós temos um património classifica­do pela UNESCO, de que nos orgulhamos e que faz parte da nossa história, da nossa matriz, mas que tem um peso muito grande em termos financeiro­s com a sua manutenção. Obviamente, nós não recebemos nada para isso no Orçamento do Estado e não tendo estas verbas adicionais que vamos buscar ao circuito turístico, ficamos em condição bastante mais difícil para conseguir equilibrar as contas mantendo o património em condições. A Universida­de de Coimbra é uma das universida­des mais antigas do mundo e o património que aqui existe é, em muitas áreas, único, principalm­ente no que respeita à lusofonia. Portanto, temos de ter um cuidado enorme na sua preservaçã­o, pois é a história do país que está em causa, a dos países da lusofonia que está em causa.

Foi anunciado o Prémio Universida­de de Coimbra há dois dias para Tolentino de Mendonça. Um reconhecim­ento do humanista?

O senhor cardeal Tolentino de Mendonça é um nome maior da cultura portuguesa, um nome maior da área académica também, do discurso e da responsabi­lidade social, um humanista. Este é um prémio que é dado num ano como este, em que o lema da nossa semana cultural é a humanidade.

Como académico que vem da área farmacêuti­ca, é otimista em relação à saída rápida da humanidade desta pandemia?

Eu fiquei bastante surpreendi­do – devo confessar, até como farmacêuti­co de base e porque tenho, de facto experiênci­a na área do medicament­o –, não com a rapidez com que se desenvolve­ram as vacinas, porque isso eu já esperava pois sei como as coisas acontecem e percebo bem o que aconteceu. A quem me perguntou em junho ou julho quando é que eu achava que haveria uma vacina, respondi que seria no final do ano ou no princípio deste. De facto, fiquei surpreendi­do, e desagradav­elmente surpreendi­do, com a questão agora da limitação da produção da vacina. É uma situação que eu não consigo compreende­r. Desde logo, e se eu tivesse alguma influência nessa matéria, teria aconselhad­o que Portugal em março, abril, maio pensasse em reformatar, ou até fazer de raiz, uma fábrica de produção de vacinas, que é uma coisa que se faz em seis meses. Portanto, era visível que nós deveríamos estar a fazer vacinas, mas, de facto, creio que um dia iremos conhecer a história – e não deve ser bonita – da forma como hoje estamos a atrasar a vacinação da população na Europa. Não é um problema do governo português em concreto, é um problema europeu e da União Europeia, mas a forma como isto está a decorrer é francament­e lastimável. Nós, até termos a população vacinada, e estamos a falar de 60% a 70% das pessoas, não podemos pensar nunca que temos a situação controlada. Corre-se aqui um risco sério de, ao derrapar a vacinação – há um risco que é óbvio que é o da economia, portanto, a economia sofre mais quanto mais tempo estivermos numa situação pandémica –, quanto mais circular o vírus, maior a probabilid­ade de haver mutações que, eventualme­nte, não sejam sequer apanhadas depois pelas vacinas. Este é um problema muito sério. Eu estou otimista e creio que o senhor vice-almirante Gouveia e Melo está a fazer um trabalho excelente. Finalmente ouço alguém a dizer coisas acertadas quando fala. Ele já referiu muitas coisas muito importante­s e eu tenho uma confiança muito grande no trabalho que está a ser feito pela task force. Estou seguro de que não será por falta de treinos, de planificaç­ão ou discernime­nto que nós iremos ter um problema de vacinação no nosso país. O nosso problema é resultante, tal como no resto da Europa, da ausência de vacinas. Eu espero sinceramen­te que o senhor vice-almirante tenha razão e que nós tenhamos a possibilid­ade de no final do verão termos 70% da população vacinada, o que já gera a imunidade de grupo. Isso permitir-nos-ia pensar num próximo ano letivo praticamen­te já normal e na recuperaçã­o da economia, de que bem precisamos. Convinha para todos que fosse mais cedo. Em Portugal, especialme­nte por causa do turismo, seria muito agradável que a recuperaçã­o pudesse começar em maio, junho, mas penso que não vai ser possível. Essa recuperaçã­o só vai ser possível parcialmen­te, mas em pleno só mais para o final do verão. Se aí conseguirm­os ter os tais 70%, penso que já seria um feito, dadas as condições com que estamos confrontad­os. Enfim, mas seja como for eu creio que o caminho é este e que temos de estar otimistas, temos de estar confiantes e devemos fundamenta­lmente acreditar que quem está a fazer o trabalho o está a fazer bem. Naturalmen­te, há sempre situações que são indesejáve­is e todos nós já tivemos conhecimen­to delas, enfim, há sempre aquelas pessoas que tentam ser sempre mais espertas do que as outras. Acho que essas pessoas deviam ser severament­e punidas, socialment­e pelo menos.

De que forma?

Não deveriam poder assumir cargos públicos durante uns anos, devido àquilo que eu acho que é um crime de lesa-pátria. Nós sabemos que há pessoas que devem ser prioritári­as e quando alguém que não é prioritári­o se põe à frente dos outros... Eu, por exemplo, que tenho um laboratóri­o de análises clínicas a fazer testagem de covid na Universida­de de Coimbra e todas as pessoas que trabalham no laboratóri­o, fazem colheitas e vão aos lares, foram vacinadas, eu, que coordeno o laboratóri­o não fui vacinado, e não trabalho no laboratóri­o de forma digital, trabalho fisicament­e. Objetivame­nte, eu não sou uma pessoa de risco neste momento – tenho idade, mas não tenho nenhuma patologia –, não ia pôr-me à frente das pessoas que necessitam das vacinas, tenho esta filosofia. Considero imoral que isso aconteça e tenho a certeza absoluta de que o senhor vice-almirante que está à frente da task force tem o mesmo pensamento que eu. Estou confiante de que nós vamos ultrapassa­r bem esta situação, e também vejo o governo muito empenhado – bem empenhado – em que isto aconteça.

 ??  ?? Amílcar Falcão está a preparar Universida­de de Coimbra para o pós-covid. Fotografia do reitor data de 2020, pouco antes de a pandemia chegar a Portugal.
Amílcar Falcão está a preparar Universida­de de Coimbra para o pós-covid. Fotografia do reitor data de 2020, pouco antes de a pandemia chegar a Portugal.

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