Diário de Notícias

Fazer dos brinquedos negócios foi ideia que lhe saiu na rifa

FUNDADOR E CEO DA SCIENCE4YO­U A IDEIA DE NEGÓCIO SAIU-LHE NA RIFA – OU MAIS PRECISAMEN­TE NUM SORTEIO DE TEMAS PARA PROJETO DE FIM DE CURSO

- MIGUEL PINA MARTINS

aTtaki de atum bonito, faláfel com molho tahini, uma garden bowl avocado supergreen, com proteína à escolha. À mesa no Parque das Nações, não faltam opções saudáveis e deliciosas, mas nos penosos tempos que parecem não ter fim não pudemos sentar-nos no quase jardim da Honest Greens para acompanhar a conversa do merecido brunch. É uma das coisas de que Miguel Pina Martins mais sente falta, a possibilid­ade de comer fora, em restaurant­es bons, espaços bem pintados e bem servidos. Disso e especialme­nte – como é evidente para quem vive de criar e vender brinquedos – de ter as lojas abertas. “Não se vê o fim disto”, desabafa o criador da Science4Yo­u, que no último ano tem personific­ado também as dores dos lojistas, através da Associação de Marcas de Retalho e Restauraçã­o. Foi um dos que se juntaram para criar a plataforma há um ano e tornou-se dela porta-voz “porque mais ninguém queria” sê-lo – e se também ele não fazia questão, a necessidad­e de alguém que desse a cara pelo movimento e tornasse visível o sofrimento de quem vive das vendas, num momento em que tudo está fechado e o país confinado, falou mais alto.

Têm sido um pouco assim as últimas duas décadas dos seus 36 anos: é preciso avançar, avança-se. Não é que Miguel procure – ou tenha necessidad­e de embarcar em – aventuras, mas elas acontecem-lhe e ele abraça os desafios e dá o seu melhor. Foi assim que aconteceu ter dado o peito à causa dos comerciant­es, foi assim que aconteceu ter mudado o mundo dos brinquedos, foi assim que se viu a liderar a JSD do Seixal, onde cresceu e foi deputado municipal, e depois também a distrital de Setúbal, distrito pelo qual foi candidato a deputado nas legislativ­as de 2009. Recuar não lhe é natural, mesmo que não procure mais desafios e acabe por conseguir aligeirar com o sentido de humor as agruras de quem vive há quase um ano com perto de nenhum rendimento.

“Não me importava de estar agora nas Maldivas”, brinca, antes de se fixar na “luta difícil” que tem sido o último ano, “sempre a levar pancada”. “O retalho especializ­ado tem passado momentos muito complicado­s e não sabemos nada sobre quando poderemos voltar a abrir e a vender”, lamenta. Os desafios são grandes, os apoios lentos e parcos para a dimensão da realidade – “o adiamento do pagamento de IVA, a seis meses, foi importante, mas era fundamenta­l que fossem rapidament­e aplicadas as medidas anunciadas no ano passado” –, as moratórias das rendas terminaram e, apesar de se prever que as lojas ainda se mantenham fechadas até à Páscoa, os lojistas estão já a pagar a renda regular e uma fração da dívida adiada. Miguel fala pelos que representa – “junta-nos o instinto de sobrevivên­cia, há uma grande união entre quem vive deste setor, um dos mais afetados pela crise” – e em causa própria. “Vamo-nos adaptando... fizemos álcool-gel e óculos de proteção na primeira fase em que não podíamos vender brinquedos, mas são esses o nosso foco. E não vamos desistir.” A comprová-lo está o mais recente jogo lançado pela Science4Yo­u, já em plena pandemia: fiel à marca que junta ciência e brincadeir­a, o Antivírus inclui 15 experiênci­as que vão desde ver como as bactérias fogem do detergente até à possibilid­ade de fazer o seu próprio sabonete – e vendeu 20 mil unidades em toda a Europa em dezembro.

FAZER NEGÓCIOS DE BRINCAR A SÉRIO

Quem vê hoje o nível de sofisticaç­ão e a qualidade dos brinquedos da Science4Yo­u, que dá emprego a 300 pessoas, exporta para 35 países e tem presença direta em Espanha e no Reino Unido, dificilmen­te acredita que foi criada a partir de um projeto de fim de curso e com pouco mais de mil euros que Miguel Pina Martins tinha poupado aos 23 anos. “Os meus pais sempre me deram todo o apoio, mas nunca lhes pedi dinheiro. Quando quis reforçar o investimen­to, vendi o meu carro”, conta, a partir do escritório da empresa, onde continua a ir todas as manhãs, ainda que aproveite as tardes para passar mais tempo com os filhos – um de 5 anos e os gémeos de 2, todos rapazes, e a mulher, que trabalha em marketing numa multinacio­nal. Os miúdos ainda são pequenos para brincar à ciência, mas já começa a aproveitar a experiênci­a deles, às vezes para unboxings que facilmente se tornam virais.

MAIS VULCÕES E BANCAS DE LIMONADA

Tornou-se empresário sem desconfiar de que viria a sê-lo, depois de quatro meses pouco entusiasma­ntes na banca de investimen­to, depois de terminado o curso de Finanças e enquanto aviava um mestrado em Gestão, também no ISCTE, que terminou à primeira com média de 16 valores, a que se seguiu o doutoramen­to em Empreended­orismo. Como uma das experiênci­as que vende nas caixas que fazem sucesso pela Europa, a Science4Yo­u foi gerada a partir do sorteio do projeto de final de curso, em parceria com a Faculdade de Ciências da Universida­de Nova de Lisboa. “O papelinho que tirei obrigava-me a fazer um plano de negócios que tivesse por objeto kits de física, e achei engraçado associar a ciência à brincadeir­a. Sempre achei que ia ter uma empresa, só não fazia ideia de que o faria logo quatro anos depois de me formar... Mas tinha esta coisa de querer errar depressa, e era um miúdo, decidi tentar.” Treze anos e várias rondas de investimen­to de capitais de risco depois, acumula 75 milhões de vendas de brinquedos e garante que aprendeu muito mesmo com as experiênci­as que correram pior.

“Não se pode ganhar sempre, mas a tentativa frustrada de entrar em bolsa foi um balde de água fria, uma derrota relevante, mesmo porque tínhamos investido muito esforço na operação e tínhamos o plano estratégic­o assente no êxito da entrada em bolsa. Já vai fazer três anos... não fomos os únicos a tentar e não conseguir, mas custou um bocado, sobretudo porque tivemos de delinear de novo toda a estratégia para levantar capital para crescer.” Voltar a tentar um IPO não é agora uma hipótese, mas caso volte a estar em cima da mesa, talvez o faça noutra bolsa, fora de Portugal.

Certo é que os acasos que tem seguido não lhe trazem arrependim­ento – antes pelo contrário, têm-se revelado caminhos que o deixam muito feliz. “Se não estivesse com a Science4Yo­u, talvez estivesse numa consultora, quem sabe na área tecnológic­a...”, nada que o entusiasme nem chegue perto da realização que sente na empresa que lidera. E é esse também o caminho que quer ver os filhos tomarem: “Importa-me que sejam felizes e escolham fazer algo de que gostem, não me ralo muito com o que for. Há muito stress, muita pressão no que toca à preparação, ao caminho futuro dos miúdos, mas eles têm é de ser felizes, de fazer algo que os realize, ainda que possamos guiá-los para áreas onde haja mais condições à partida.”

Esta valorizaçã­o fora dos parâmetros habituais é a revolução que defende que faz falta à nossa educação – ideias que deixou no O Futuro É Hoje - Uma Nova Visão para Portugal, livro que promoveu com os seus companheir­os de fundação do Chief Portugal Officers (CPO), Nuno Ferreira Pires, Rui Miguel Nabeiro e Sofia Tenreiro, convidando personalid­ades como Pedro Passos Coelho, Durão Barroso ou Fernando Medina a partilhare­m as suas experiênci­as e ideias para ajudar a melhorar Portugal.

“Estamos ainda e sempre muito presos a exercícios de memória e não valorizamo­s partes da educação que são fundamenta­is, as escolas são muito rígidas, os métodos de ensino e a avaliação fechados nos critérios de há décadas. Devíamos apostar mais na criativida­de dos miúdos, porque um ótimo aluno não é necessaria­mente um ótimo profission­al, há outras caracterís­ticas que pesam, e as soft skills são importantí­ssimas.” É por isso que Miguel defende que o país devia investir mais nas “feiras de ciência nas escolas, experiênci­as de show and tell, bancas de venda de limonada... tudo isso devia ser incentivad­o, o espírito criativo e empreended­or. Devíamos avaliar também a capacidade de comunicar, de liderar uma turma, de trabalhar em equipa, de mobilizar, talentos que são fundamenta­is no mundo do trabalho.”

Todas estas ideias já as levou ao governo e algumas até poderiam começar a ser trabalhada­s. Não fosse a pandemia meter-se pelo meio e, também aqui, estragar tudo. Por agora, que Miguel Pina Martins não é homem de desistir de coisa nenhuma.

“OS MEUS PAIS SEMPRE ME DERAM TODO O APOIO, MAS NUNCA LHES PEDI DINHEIRO. QUANDO QUIS REFORÇAR O INVESTIMEN­TO NA SCIENCE4YO­U, VENDI O MEU CARRO.” “UM ÓTIMO ALUNO NÃO É NECESSARIA­MENTE UM ÓTIMO PROFISSION­AL. AS SOFT SKILLS SÃO IMPORTANTÍ­SSIMAS. DEVÍAMOS INVESTIR EM FEIRAS DE CIÊNCIA NAS ESCOLAS, EXPERIÊNCI­AS DE SHOW AND TELL, BANCAS DE VENDA DE LIMONADA... TUDO ISSO DEVIA SER INCENTIVAD­O.”

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