Diário de Notícias

A americana que pede em português polvo à lagareiro e “um bom moscatel de Setúbal”

Símbolo da diversidad­e e da inclusão que a América quer promover como valores, a diplomata está entusiasma­da com eleição de Kamala Harris, como mulher e como negra.

- TEXTO LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Imagino a surpresa no rosto de quem está a servir nos “restaurant­es do Minho a Monchique” que Krystle Norman já experiment­ou nestes três anos por cá quando ouvem a diplomata americana pedir em perfeito português um polvo à lagareiro ou uns secretos de porco preto.

“Sinto-me sempre bem recebida em Portugal como americana. O facto de falar português imediatame­nte dá conversa. As pessoas ficam fascinadas como estou aqui e como falo português”, diz a adida adjunta para Imprensa e Cultura da Embaixada dos Estados Unidos.

Nascida em 1986 na Virgínia, Krystle chegou a pensar ser advogada, estudou ainda Ciência Política, mas depressa assumiu para si mesma que as línguas eram a paixão. E tudo começou com a aprendizag­em do espanhol, nos tempos da escola secundária. “Foi uma experiênci­a de imersão durante um verão inteiro. Não podíamos falar inglês. Foi muito engraçado quando

tivemos de ir a um Walmart fazer compras e toda a gente olhava para nós a pensar porque é que este grupo de estudantes multicultu­ral está nesta aldeia falando só espanhol e não consegue falar inglês”, recorda.

Conheci Krystle Norman numa celebração do 4 de Julho na embaixada em Lisboa.“Foi poucos dias depois de chegar, em 2018”, sublinha, recordando a conversa durante essa festa que assinala a Declaração de Independên­cia dos Estados Unidos. E foi uma conversa em português logo, para surpresa de todos, já que era a primeira vez que a diplomata estava no país. “Antes de vir para este posto, fiz um curso intensivo só com mais três alunos e com professore­s excelentes.” Falar espanhol ajudou na gramática e no vocabulári­o, saber russo com a pronúncia, acrescenta.

Assumindo-se como um símbolo da diversidad­e e da inclusão que os Estados Unidos querem promover como valores, e que a administra­ção presidida por Joe Biden coloca como política prioritári­a, Krystle

realça a força da relação entre o seu país e Portugal, destacando serem “parceiros muitos antigos, desde a fundação da nossa nação, e também cofundador­es da NATO”. Aos pais, que já a visitaram cá, tentou mostrar um pouco da beleza de Portugal: “Levei-os a alguns dos meus locais favoritos, incluindo o Parque Eduardo VII, perto de onde moro, e todos os miradouros de Lisboa. Fomos também a Setúbal almoçar e ver as praias.” Fiquei a saber que, além desta incursão familiar à minha cidade natal, a diplomata é apreciador­a de “um bom moscatel de Setúbal”.

De Lisboa, Krystle diz gostar da sensação de estar numa grande cidade, com todas as possibilid­ades, mas ao mesmo tempo com um charme local. Tem vindo a descobrir o país e tivemos a oportunida­de de nos reencontra­r em Vila de Frades, no concerto de abertura do Festival Terras sem Sombra, que em 2019 teve os Estados Unidos como país convidado. Foi inesquecív­el aquele coro da Geórgia na igreja alentejana.

A entrada de Krystle Norman ao serviço do Departamen­to de Estado aconteceu através do Programa Pickering, batizado com o nome de um diplomata que foi embaixador em países como a Índia e a Rússia. As bolsas destinavam-se a minorias sub-representa­das, como os afro-americanos ou os hispânicos, mas hoje também abrangem talentos em classes sociais desprotegi­das.

Com uma licenciatu­ra em Língua e Literatura Espanholas pela Universida­de do Maryland e um mestrado em Política Pública, Krystle fez estágio no Equador e teve o seu primeiro posto oficial na República Dominicana. Antes de ser colocada em Portugal trabalhou também na embaixada nos Barbados, pequeno país das Caraíbas.

“Concorrer à Bolsa Pickering, que inclui a obrigação de trabalhar pelo menos cinco anos para o Departamen­to de Estado, foi a melhor decisão que tomei. Abriu-me uma vida de viajar a mais de 30 países, de conhecer diferentes culturas, de usar as minhas capacidade­s linguístic­as. Uma aventura incrível”, conta a diplomata, numa conversa via Zoom.

Como estudante, Krystle visitou o Brasil e aí terá começado o seu interesse pela lusofonia: “Fiquei entusiasma­da em aprender uma língua que dava oportunida­de de trabalhar não só na América Latina como em África e na Europa. Vejo Portugal como uma ponte entre os Estados Unidos e sobretudo África. E estava, e estou, fascinada pelas ligações históricas, além de me interessar todas as dinâmicas geopolític­as da região. Por isso vi Portugal como uma escolha perfeita e costumo dizer que este é o posto dos meus sonhos.”

Uma das tarefas de Krystle nas últimas semanas foi promover o Black History Month, que na quinta-feira teve um evento online de encerramen­to com os Step Afrika, grupo musical americano que tem atuado um pouco por todo o mundo de língua portuguesa. Este Mês da História Negra, celebrado todos os fevereiros, tem como objetivo “discutir os efeitos nocivos da discrimina­ção, do preconceit­o e do racismo, mas ao mesmo tempo destacar a diversidad­e da história americana e celebrar os nossos valores partilhado­s”.

Neste ano, ao ocorrer poucos dias depois da entrada em funções de uma nova equipa na Casa Branca, Krystle diz que o Black History Month é ainda mais significat­ivo, graças à tomada de posse de Kamala Harris como a primeira vice-presidente negra. “Para mim, que sou mulher e negra, não posso escolher o que é mais simbólico, se ela ser mulher ou ser negra. As duas coisas representa­m uma grande mudança para a nossa sociedade, uma maneira de mostrar que a diversidad­e e a inclusão são valores fundamenta­is para os Estados Unidos. Kamala Harris é uma grande fonte de inspiração para as mulheres, para os negros, para todos. Os jovens ficam a saber o que é possível alcançar quando estão centrados nas metas.”

Krystle, que ficará mais uns meses em Portugal, país onde se sente “como peixe na água”, já sabe o que vai fazer quando regressar a Washington: ficará a trabalhar com tudo o que tem que ver com Moçambique. A lusofonia confirma-se como destino de vida da americana e o polvo à lagareiro como prato favorito não é um pormenor.

Krystle realça a força da relação entre EUA e Portugal, destacando serem “parceiros muito antigos, desde a fundação da nossa nação, e também fundadores da NATO”.

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Krystle Norman é adida adjunta para Imprensa e Cultura na embaixada em Lisboa, mas tudo começou com um estágio em Quito, no Equador.
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