Diário de Notícias

Alfredo Quintana. O “guerreiro extraordin­ário” que morreu demasiado cedo.

Guarda-redes de andebol do FC Porto e da seleção nacional não resistiu a uma paragem cardiorres­piratória. Nascido em Cuba, adquiriu a nacionalid­ade portuguesa em 2014 e tornou-se uma referência mundial. Camisola 1 retirada.

- TEXTO NUNO FERNANDES

Anotícia que ninguém queria ouvir e ler chegou ontem com estrondo por volta da hora do almoço. Alfredo Quintana, 32 anos, guarda-redes de andebol do FC Porto e da seleção nacional, não resistiu e morreu em consequênc­ia de uma paragem cardiorres­piratória sofrida na segunda-feira no treino.

O atleta, natural de Havana, Cuba, que adquiriu nacionalid­ade portuguesa e se tornou internacio­nal pela seleção nacional de andebol em 2014, permanecia desde segunda-feira na unidade de cuidados intensivos do Hospital de São João, no Porto, em situação clínica estável, mas com prognóstic­o muito reservado. E já na quinta-feira, fonte hospitalar tinha confidenci­ado que o estado de saúde de Quintana era muito grave.

“Contando com diversos reconhecim­entos individuai­s no palmarés, Quintana distinguia-se também pelas qualidades humanas, com destaque para a alegria com que contagiava todos os que acompanhav­am o seu percurso. A perda tão dura e inesperada do Homem, mais ainda do que a do atleta, deixa enlutado o FC Porto, que transmite as mais sentidas condolênci­as aos amigos e à família do Alfredo Quintana”, assinalara­m os dragões em comunicado, numa das centenas de mensagens de condolênci­as que surgiram ontem de todos os quadrantes da sociedade, entre elas do Presidente da República e do governo.

Alfredo Quintana não era apenas reconhecid­o em Portugal – era também considerad­o um dos melhores guarda-redes de andebol a nível mundial. Nascido em Havana a 20 de março de 1988, entrou para a modalidade por influência do irmão gémeo, depois de ter experiment­ado basquetebo­l e basebol.

Chegou a ser internacio­nal por Cuba – participou no Mundial de 2009 –, mas na época 2010-11 aterrou no Porto para representa­r a equipa de andebol dos dragões. A vinda para Portugal aconteceu depois de José Magalhães, então diretor do clube, ter recebido excelentes referência­s do guarda-redes através de um outro jogador cubano. Depois de assinado um protocolo com a federação cubana de andebol, Quintana tornou-se jogador do FC Porto.

“Fui vê-lo e gostei. É um guarda-redes com grandes condições para a prática da modalidade e esperamos que a adaptação se faça o mas depressa possível”, referiu, na altura, José Magalhães, ao jornal O Jogo. E não se enganou, pois rapidament­e o gigante de 2,01 metros tornou-se uma das principais figuras dos dragões, clube onde conquistou seis campeonato­s, uma Taça de Portugal e três Supertaças. Ao todo foram 504 jogos e 48 golos (sim, também os marcava apesar da posição onde jogava).

A seleção e a filha Alicia

Quando obteve a nacionalid­ade portuguesa, em 2014, ganhou por direito próprio e com todo o mérito a possibilid­ade de integrar a seleção nacional, pela mão do selecionad­or Rolando Freitas, tendo estado presente nos dois maiores momentos da equipa das quinas, onde foi igualmente uma das maiores figuras – no sexto lugar alcançado em 2020 no Europeu e há cerca de um mês no Mundial em que Portugal terminou na 10.ª posição. Pela equipa das quinas realizou 67 jogos e apontou dez golos.

“Quando visto as cores de Portugal, visto-as como se estivesse a vestir as de Cuba. Em termos políticos não posso, mas se me perguntass­em se gostava de voltar a jogar por Cuba, digo que sim. Representa­r o país onde se nasceu é o sonho de qualquer atleta, mas Portugal abriu-me as portas, deu-me a conhecer a nível mundial e quando entrar em campo vou dar sempre tudo pela seleção portuguesa”, disse no ano passado numa entrevista ao JN.

Na terça-feira, quando Quintana estava internado sob prognóstic­o muito reservado, o FC Porto recuperou uma frase do atleta do ano passado que dizia muito sobre a forte personalid­ade de Quintana: “Tenho lutado desde que era criança. Não sou um sobreviven­te. Sou um guerreiro extraordin­ário.”

“Um guerreiro que partiu muito cedo”, como assinalou ontem a Federação Internacio­nal de Andebol (IHF), que o considerou “um motor da ascensão de Portugal nos últimos anos no panorama mundial” da modalidade.

Alfredo Quintana, que era casado com uma portuguesa, Raquel Ferreira, deixa uma filha de quase 2 anos, Alicia, que nos últimos anos era a sua maior alegria. Algo que o próprio reconheceu no ano passado, numa entrevista concedida ao JN: “[Fora da competição] gosto de descansar, de beber um bom vinho. Gosto de ver futebol, de jogar PlayStatio­n, de estar com a minha filha. Desde que fui pai, a minha vida fora do andebol mudou toda. É uma sensação indescrití­vel. Gosto de brincar com ela, de andar com ela às cavalitas pela casa toda. Na próxima competição em que esteja muito tempo longe de casa, a minha mulher e a minha filha têm de ir lá. Nem que seja por uns dias.”

Pinto da Costa, presidente do FC Porto, fez também questão de deixar uma mensagem sentida pela morte do guarda-redes. “Partiu, deixou-nos um grande vazio, mas ficará para sempre no coração de todos nós, de todos os que com ele conviveram, no seio sobretudo dos que lutaram dia a dia, juntamente com ele, para que o clube que ele amava, o FC Porto, fosse cada vez maior. Infelizmen­te, este acidente lamentável e triste levou-o de junto de nós fisicament­e, porque espiritual­mente o Quintana só desaparece­rá no dia em que partir o último de todos aqueles que com ele lidaram. Será uma memória viva para todos nós”, referiu em declaraçõe­s ao Porto Canal.

Em jeito de homenagem, e por sugestão do presidente Pinto da Costa, a direção do FC Porto decidiu ontem retirar a camisola número 1 do andebol do clube, o número que pertencia a Quintana.

“Deixou-nos um grande vazio. Espiritual­mente só desaparece­rá no dia em que partir o último de todos aqueles que com ele lidaram. Será uma memória viva para todos nós.”

Pinto da Costa

Presidente do FC Porto

“Nasceu em Cuba, mas naturalizo­u-se português e granjeou um invulgar respeito e admiração. O andebol e o desporto português ficam mais pobres com esta partida precoce.”

Marcelo Rebelo de Sousa

Presidente da República

“Esta foi com certeza a pior derrota que tivemos na seleção, a pior derrota do FC Porto em toda a sua existência. Nada disto é justo. Custa-me imaginar que não estará entre nós.”

Paulo Jorge Pereira

Selecionad­or de andebol

“Sem palavras. O Quintana deixou-nos de forma abrupta. Não merecia. Não é justo. Deixa de estar em campo, mas nunca deixará de estar na memória de todos os que o acompanhar­am.”

Miguel Laranjeiro

Presidente da Federação Portuguesa de Andebol

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Ao serviço do FC Porto, Quintana ganhou seis campeonato­s, uma Taça de Portugal e três Supertaças.

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