“Portugal devia ter uma fábrica de vacinas. Faz-se em seis meses”
Reitor de Coimbra
Uma universidade que faz na segunda-feira 731 anos já apanhou a peste negra do século XIV. Portanto, esta pandemia não é uma novidade absoluta, mas vem alterar totalmente a forma de funcionar. Como é que Coimbra se adaptou?
A Universidade de Coimbra apanhou a peste negra e também apanhou a gripe espanhola de há cem anos. Tal como sucedeu no passado, a universidade teve a necessidade de se adaptar e creio que o fizemos de forma rápida e eficiente. Implementámos o nosso plano de contingência que construímos por antecipação. A Universidade de Coimbra passou do ensino presencial ao ensino não presencial a 9 de março, juntamente com Lisboa, mas nós tínhamos a noção já há três ou quatro semanas de que a covid chegaria a Portugal e tomámos as nossas precauções. Criámos uma comissão consultiva nesta área com a participação da nossa Faculdade de Medicina e fizemos os nossos planos para tentar que a transição do ensino presencial para não presencial fosse o mais eficiente possível. Testámos vários softwares, depois acabámos por optar pelo Zoom, e fizemos tutoriais e páginas de apoio para os nossos professores e estudantes para podermos passar rapidamente do ensino presencial ao não presencial. Depois, enquanto durou o confinamento, começámos a preparar o desconfinamento da universidade. Fizemos aquilo que a DGS sempre nos pediu e fomos mais além – nós temos um sistema que se mantém ativo neste momento, um sistema de proteção individual muito elevado, um rastreamento de mobilidade, no sentido analítico do termo, de pesquisa de pessoas que são positivas, e, claro, adaptámos toda a universidade.
Adotámos tudo aquilo que a DGS recomendava, nomeadamente o uso de máscaras, o álcool-gel, os fluxos direcionais; avaliámos todas as nossas salas e vimos qual era a capacidade para o número de pessoas que podiam lá estar e também da ventilação dessas salas de aula. Coimbra é a universidade portuguesa que mais alunos tem de fora da cidade, o que significa que, neste momento, com aulas à distância, não só haverá alunos de Coimbra por todo o país, como no estrangeiro, pois há alunos que optaram por ficar nos seus países. É isso que está a acontecer?
Nalguns casos sim, devido até à questão da mobilidade. Cerca de dois terços dos nossos estudantes, e é uma tradição, são da região de Coimbra. Portanto, a nossa mobilidade é grande em termos dos estudantes que temos, não só a nível nacional, pois temos estudantes de todo o Portugal e ilhas, mas também porque somos a universidade mais internacional – temos mais de cem nacionalidades cá dentro. Isso é um fator de agravamento no caso da pandemia porque quer a sua vinda quer a sua ida para os países levanta problemas adicionais de segurança, mas cá dentro obriga-nos também a ter segurança adicional. Na verdade, a nossa taxa de infetados desde setembro, neste ano letivo, tem sido muito baixa. Nunca houve nenhum surto, controlámos muito bem as residências. A Universidade de Coimbra preparou-se muito bem para o ensino presencial e eu, pessoalmente, tenho muita pena que nós tivéssemos de fechar agora, mas houve o confinamento. Nós estávamos preparados e estávamos a funcionar bem dentro dos condicionalismos que tínhamos, e temos, com um grau de segurança muito grande. Creio que a maior parte das pessoas sentem essa segurança na universidade, pois nós temos múltiplos sistemas de controlo. Além do mais, temos um laboratório que faz testagem de covid e onde trabalhamos para a autoridade de saúde, para hospitais. Portanto, os próprios recursos da universidade estão ao serviço da universidade na questão da pandemia?
Exatamente. Temos várias situações dessas: ainda recentemente tivemos 200 voluntários, finalistas de Medicina e de Farmácia que estão a ajudar no rastreio junto da ARS, a contactar as pessoas, os contactos próximos de risco das pessoas infetadas, etc. Nós temos tido uma atitude positiva e muito proativa, quer no apoio à região e à cidade no que diz respeito à pandemia quer na segurança e na promoção desta na nossa comunidade académica, mantendo sempre a qualidade do ensino no nível mais alto possível, recorrendo naturalmente à parte digital quando é necessário e ao ensino presencial quando é possível. Desenvolvemos uma plataforma para ensino não presencial, que nós utilizamos e que vai ser uma ferramenta fundamental para aquilo que será o nosso ambiente de aula do futuro pós-pandemia, e que utilizamos já neste momento, quer para exames quer para as aulas em geral. Está ainda em desenvolvimento e, naturalmente, ainda tem muito para melhorar, mas que nos vai dar uma autonomia importante para aquilo que será o futuro universitário.
Sei que na sua área, a farmacêutica, esteve ligado ao desenvolvimento de medicamentos com a indústria. Quando entrevistei o anterior reitor, ele disse-me que tinha estado ligado a um projeto de computadores, também em relação com empresas. Essa aposta da Universidade de Coimbra na ligação com o mundo empresarial ao usar as valias da universidade para produzir continua válida? Continua válida. É óbvio que está mais complicado, pois a relação com o mundo empresarial é uma ligação que vive muito da relação humana – quando recebemos alguém pessoalmente é uma coisa mais simples, mais empática, quando o fazemos com os meios digitais é sempre mais difícil captar as emoções e perceber exatamente todo o contexto, mas temos feito e continuamos a fazer um trabalho muito positivo. Posso dizer que o nosso nível de prestação de serviços para as empresas aumentou sensivelmente de 2019 para 2020. Na verdade, se pusermos as coisas em termos financeiros, tivemos mais prestações de serviços para empresas em 2020, apesar da pandemia, do que no ano anterior. Aliás, é um crescendo que temos vindo a ter nos últimos anos.
Como disse, e bem, o anterior reitor – eu fui vice-reitor dele – já tínhamos essa vertente e encarávamos a questão empresarial como absolutamente fulcral para o desenvolvimento da universidade, em associação fundamentalmente com o Instituto Pedro Nunes, que é a nossa entidade de incubação e aceleração de empresas e que faz um trabalho excecional sendo uma das melhores incubadoras do mundo. Na última década é sensível a diferença entre aquilo que era a Universidade de Coimbra e aquilo que é hoje.
Falou da questão financeira. Uma receita importante para a universidade era toda aquela visita dos turistas à Biblioteca Joanina e não só, importante para a preservação do património. Sente a falta?
Sentir falta, sinto. Como deve calcular, estamos a falar de um valor importante que não existiu no ano 2020 ou existiu residualmente. O ano de 2020 foi um ano em que a receita que nós tivemos com o turismo deu, no limite, para pagar as despesas com o funcionamento