“Lukashenko é um ditador cruel. É impossível lidar com esta violência”
Líder da oposição bielorrussa
Aos 38 anos, é a líder da oposição democrática bielorrussa contra a última ditadura na Europa. Svetlana Tikhanovskaya vem a Portugal para a semana dialogar com o governo do país que preside à União Europeia. Diz que “a UE podia fazer muito mais, embora já tenha feito muito”.
Svetlana Tikhanovskaya, quais são as suas expectativas para esta visita a Portugal?
Será a minha primeira visita a Portugal, apreciamos muito a oportunidade, Portugal está na presidência da União Europeia [UE] e pensamos que essa ligação nos pode ser muito útil, tendo em conta a situação na Bielorrússia.
Com quem se vai encontrar? Reunir-nos-emos de certeza com o ministro dos Negócios Estrangeiros e com o ex-presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, e há mais algumas pessoas com as quais gostaríamos de nos reunir mas ainda está a ser preparado nesta altura. Não se sente desiludida com a UE? Não, não me sinto desiludida, porque a UE fez um grande trabalho em relação à Bielorrússia. E o facto de não ter reconhecido [Alexander] Lukashenko como presidente legítimo nem as eleições fraudulentas foi uma mensagem muito poderosa para as pessoas: não estamos sozinhos, todo o mundo está a olhar para nós e a apoiar o movimento da Bielorrússia rumo à democracia. Aquilo que se passa na Bielorrússia é uma dor nossa, somos responsáveis pela situação. Mas precisamos tremendamente de apoio por parte da UE, tendo em conta os abusos dos direitos humanos. Claro que queremos que as decisões da UE sejam mais corajosas e as declarações mais fortes e as ações mais ativas. Também entendo que a UE é uma máquina imensa e, por vezes, parece muito lenta. E o tempo na Bielorrússia é percecionado de forma diferente porque muitas pessoas inocentes estão nas prisões, há mil pessoas com acusações criminais por protestarem. Para essas pessoas, todos os dias são importantes. Portanto, é natural que queiramos decisões mais rápidas, não queremos que a Bielorrússia desapareça da agenda europeia. Para o povo bielorrusso a UE é uma coisa fantástica e sabemos que a UE podia fazer muito mais do que fez, embora já tenha feito muito. Sabe… há uma crise humanitária na Bielorrússia, gostaríamos que o mundo se movesse connosco… mais rapidamente, sim.
Foi importante o Prémio Sakharov, que foi atribuído pelo Parlamento Europeu à oposição democrática bielorrussa?
Com certeza. Todos os passos em direção à Bielorrússia, qualquer reconhecimento, todos os prémios para o povo bielorrusso que realmente mostrou tanta bravura, são importantes. É graças a estes prémios que mais e mais pessoas sabem da situação na Bielorrússia e da luta das pessoas pelos seus direitos, é importante sem dúvida.
Já teve algum contacto com a administração Biden?
Estamos em contacto com a administração Biden e a preparar a nossa visita, embora adiada sem data por causa da situação da covid e do confinamento. Mas estamos a trabalhar com os EUA e têm-nos ajudado bastante. O importante é que os EUA, a UE e outros países consolidem o seu apoio e falem a uma só voz. Quando estão unidos, são mais fortes. Disse que os EUA estão a ajudar-vos. Estão a receber ajuda financeira da América?
Nós estamos sempre atentos às formas de apoio à sociedade civil e em como colocar pressão sobre o regime, tentando que seja cortado o financiamento externo às organizações estatais, transformando isso em apoio à sociedade civil, que está a lutar e a sofrer neste momento. Por vezes, muitos países estão dispostos a ajudar organizações de defesa dos direitos humanos ou os mass media, mas é uma ajuda que pode demorar dois ou três meses a chegar e nós não temos esse tempo. Precisamos de assistência imediatamente e estamos sempre a insistir nisso. Por favor, respondam a esta urgência.
Neste momento, qual é a questão que torna mais difícil a vossa luta pela democracia?
O tremendo nível de violência na Bielorrússia. E contra isso não podemos lutar porque queremos uma transição pacífica do poder. O nosso objetivo são novas eleições, não estamos a lutar pelo poder como um partido. É impossível lidar com esta violência. Por isso é tão importante a assistência da UE e de outros países. Num país onde os direitos humanos são violados e as pessoas são torturadas nas prisões, a voz dos países democráticos é crucial. Considera-se presidente do seu país?
Nesta altura, considero-me a líder de um país democrático ou a líder eleita porque sei – e as pessoas na Bielorrússia sabem – que o povo votou em mim como a sua líder de transição. Não vou participar em novas eleições. O meu mandato está limitado. Prometi aos bielorrussos que o faria até às próximas eleições e depois as pessoas escolherão o seu novo presidente para uma nova Bielorrússia.
Não se vai candidatar nessas eleições?
Não, não.
É definitivo?
Os cenários podem ser diferentes e não sabemos como as coisas vão acontecer, mas de momento digo que não, não vou participar em novas eleições. Haverá um candidato apropriado às eleições. Não conhecemos os obstáculos até essas eleições, mas de certeza que não serei candidata.
Alexander Lukashenko conseguiu manter-se no poder, apesar da agitação cívica. Empregou força bruta para reprimir a dissidência, 33 mil pessoas foram presas. Como está a situação na Bielorrússia neste momento?
Lukashenko perdeu as eleições e as pessoas sabem disso. Depois das eleições em agosto houve um enorme nível de violência. Ele transformou o país num inferno e perdeu qualquer legitimidade aos olhos do povo, mesmo dos que o tinham apoiado em anos anteriores. Conseguiu manter-se no poder apenas graças à polícia antimotim e à violência. Mas não pode durar para sempre. A mente das pessoas mudou e querem muito fortemente a mudança. Mesmo que as manifestações desapareçam das ruas por causa da violência, as pessoas continuam a lutar. De momento, na clandestinidade, inventando novas formas de colocar pressão sobre este regime. Mas acredito que as manifestações vão regressar num futuro próximo e o mundo vai ver que estamos a lutar. Não desistimos. Continuamos a lutar pelos nossos direitos. As pessoas não estão mais dispostas a viver como viveram nos últimos 26 anos. As suas cabeças mudaram. Esta luta vai continuar. Lukashenko é tóxico para os países europeus, já não é confortável para a Rússia, embora pareça uma irmandade, já não é mais conveniente para o Kremlin. Nós queremos ter boas relações com todos os países do mundo, a Rússia incluída, somos vizinhos e queremos ser bons vizinhos no futuro. Mas é uma pena que o Kremlin tenha apoiado Lukashenko porque neste momento
“Para o povo bielorrusso a UE é uma coisa fantástica e sabemos que a UE podia fazer muito mais do que fez, embora já tenha feito muito. Sabe… há uma crise humanitária na Bielorrússia, gostaríamos que o mundo se movesse connosco… mais rapidamente, sim.”
apoiá-lo significa apoiar a violência no país. E estamos sempre a dizer que a nossa revolução não é sobre a amizade entre a Rússia e a Bielorrússia, mas sim sobre uma crise política e humanitária no nosso país. Acredita que o nível de violência possa aumentar ainda mais depois do inverno se as pessoas regressarem às ruas?
Eu penso que Lukashenko é um ditador cruel e a violência vai continuar. Mas estamos a trabalhar com as estruturas que lhe são próximas como a polícia antimotim, a nomenclatura e eles, na verdade, também não o apoiam. Apenas sentem medo… de ir para a prisão, de serem despedidos. Temos estado a explicar-lhes que vão continuar nos seus lugares depois da vitória. Façam as vossas escolhas agora porque vamos precisar de vocês no futuro. Decidam por vós próprios: querem apoiar a ditadura e que as vossas crianças vivam debaixo desta pressão no futuro? Venham para o nosso lado e lutem connosco. Se não podem sair dos vossos postos, fiquem onde estão, mas ajudem-nos. E essa mensagem tem sido muito produtiva porque nos tem permitido obter muita informação das estruturas internas do poder, bem como provas de violência e tortura. Estão a ajudar-nos subterraneamente. Ou seja, nós vemos que ele está sozinho. Apenas um círculo restrito muito próximo dele o apoia; a maior parte das pessoas que estão nos ministérios e na polícia estão connosco.
Conquistam as pessoas para o vosso lado prometendo-lhes que vão conservar os empregos…
Com certeza. Muitos que participaram na violência terão de responder pelos seus crimes, mas asseguramos que serão tribunais justos e honestos, não serão julgados em tribunais sem lei. Toda a gente que cometeu crimes pesados terá de responder pelos seus crimes, mas os que não tenham as mãos manchadas de sangue, que não seguiram as ordens mais criminosas, com certeza que continuarão a poder trabalhar.
Está pronta para o diálogo?
Com certeza. Não só aceitamos diálogo como estamos a lutar para que aconteça. Sempre dissemos que precisamos de diálogo. A maior parte das pessoas do que se consideram oposição e as que estão na nomenclatura querem este diálogo no qual decidiremos quando serão as eleições, as garantias para Lukashenko e muitas outras questões. Queremos uma transição pacífica de poder, não precisamos de qualquer espécie de guerras ou de violações do nosso lado. É pelo diálogo que queremos atingir os nossos objetivos.
Está então disposta a sentar-se com Lukashenko, frente a frente, à mesma mesa?
Se necessário, sim, mas estou certa de que o próprio não participaria, porque podemos ver quão cruel ele é. Mas estamos a pedir aos ministérios e às pessoas que estão no poder neste momento. Não é com Lukashenko. É com as pessoas que estão à volta dele. Elas é que devem estar na mesa de negociações.
Já passaram nove meses desde que o seu marido e candidato presidencial, Sergei Tikhanovsky, foi preso. Que notícias tem dele?
Está à espera do tribunal, preso há nove meses, e as condições dos presos políticos na Bielorrússia são horríveis. Os nossos tribunais que condenam as pessoas à prisão não estão de modo algum relacionados com a lei, com o direito. Ele está como outros presos políticos, à espera de que o povo da Bielorrússia se erga de novo. Já não há esperança na lei, apenas no povo da Bielorrússia. E estamos a lutar diariamente.
Tem falado com ele ao telefone? Não, no nosso país não é possível falar com pessoas que estejam sob investigação, apenas falei com ele uma vez ao telefone, quando a polícia permitiu. De resto, comunicamos através do advogado.
Como é que lida com a situação com as vossas crianças?
Com as crianças? Tenho duas, a minha filha tem 5 anos e o meu filho 10. A minha filha pergunta todas as noites pelo pai e eu digo-lhe que o papá foi numa viagem de negócios, que não pode voltar por causa da covid, invento um conto de fadas qualquer. O meu filho mais velho compreende onde o pai está mas já tem idade suficiente para entender a situação. Mas claro que é muito duro para os meus filhos não verem o pai há tanto tempo.
A sua vida mudou muito nos últimos nove meses…
Sim. Completamente. Ficou de pernas para o ar.
E tem alguma parte boa?
A minha vida é lutar todos os dias. E todos os dias compreendo que estou a fazer algo pela Bielorrússia, mas todos os dias tenho na cabeça as pessoas que estão na prisão, temos de fazer mais, mais e mais para as libertarmos. E temos de convencer os líderes de diferentes países de que precisamos da ajuda deles. As pessoas estão a sofrer. Estamos constantemente sob esta pressão. Não posso descansar, sorrir ou relaxar. E estarei constantemente sob esta pressão até os presos políticos serem libertados.
Falou há pouco num candidato apropriado que aparecerá quando houver eleições. Esse candidato poderá ser o seu marido?
Ele poderá participar nas eleições se assim quiser, com certeza. Terá de ser um desejo dele, mas se for candidato, votarei nele.
Mas deseja que ele seja candidato? Sabe, nós vamos construir um novo país. E estou certa de que a participação dele na construção desse novo país será muito útil. Como candidato, como presidente, ou não, isso realmente não é o que mais importa. Só precisamos de que o nosso povo seja uma nação e sabendo o quanto custa, qual é o preço desta vitória, as pessoas, em conjunto, construirão uma nova Bielorrússia. Não sei se ele desejará candidatar-se mas certamente que será útil, tal como eu.
“Eu penso que Lukashenko é um ditador cruel e a violência vai continuar. Mas estamos a trabalhar com as estruturas que lhe são próximas como a polícia antimotim, a nomenclatura e eles, na verdade, também não o apoiam. Apenas sentem medo… de ir para a prisão, de serem despedidos.”