Até sempre
De toda a gente a quem estou grato, há um conjunto de pessoas para quem tenho uma dívida impossível de pagar: aos jornalistas e demais trabalhadores do DN.
E “agora eu vou-me embora e embora a dor não queira ir já embora agora eu vou-me embora e parto sem dor.” Roubo ao Sérgio Godinho o verso para me despedir do DN e dos leitores que me acompanharam nestes quase doze anos.
Foi um privilégio e um orgulho. O homem que escreve aqui a sua última crónica não é o mesmo que começou a sua colaboração neste jornal com um texto sobre a necessidade de se legalizar o consumo e o comércio das drogas. Há muitas coisas em que a minha opinião não mudou e outras tantas em que é diferente do que era.
Lembro isto porque um dos fascínios desta atividade é os leitores irem assistindo à evolução da nossa relação com o mundo. Percebi cedo isso porque sempre fui leitor de jornais e fui vivendo as vidas dos colunistas que seguia e sigo. Vamos pensando enquanto escrevemos e estou certo de que quem lê percebe primeiro o processo de mudança de pensamento do colunista do que o próprio. Não há melhor forma de pensar do que escrever.
É um privilégio único poder dar a nossa opinião, sentir a tensão para entregar o texto a horas, pensar muitas vezes se aquilo que se vai escrever é exatamente aquilo que se pensa e se o podemos dizer com a máxima confiança. Sim, aquela convicção máxima de que daqui a umas semanas pode ser, afinal, uma enorme dúvida. O que posso garantir é que o que aqui mostrei era exatamente aquilo que pensava na altura. E, sim, esta é uma casa de liberdade onde o respeito pela liberdade de expressão é sagrada.
É mais fácil explicar o orgulho. O DN guarda boa parte da nossa memória coletiva. É uma instituição única. Neste jornal escreveram todas as grandes figuras da nossa comunidade dos últimos 150 anos, ter tido o meu nome e a minha carantonha no mesmo sítio onde toda essa gente esteve faz-me quase rebentar de vaidade.
Tenho de fazer um agradecimento especial ao João Marcelino porque foi ele que me contratou, mas fica um obrigado a todos os diretores que quiseram ter-me aqui: Rosália Amorim, Leonídio Paulo Ferreira, Catarina Carvalho, Ferreira Fernandes, Paulo Tavares, Paulo Baldaia e André Macedo.
Fica um abraço apertado a todos os que me foram lendo durante estes anos, tivessem gostado ou detestado o que escrevi. Esse abraço estende-se às pessoas com quem tive polémicas: não há nenhuma que considere meu inimigo, bem pelo contrário.
Àquelas que acham que as tratei injustamente, lamento se as magoei. Foi a minha opinião e, repito, manteria as mesmas palavras numas situações, noutras não. Para aqueles para quem, agora sei, fui injusto ou me enganei mesmo acerca do que teriam dito ou feito, as minhas sinceras desculpas.
De toda a gente a quem estou grato, há um conjunto de pessoas para quem tenho uma dívida impossível de pagar: aos jornalistas e demais trabalhadores do DN. Gente que trabalha muito para além do limite do exigível, que ganha muito mal para o que tem de fazer todos os dias e que só um enorme profissionalismo, extraordinário sacrifício e espírito de missão faz que este jornal continue vivo. Sei bem que este problema está longe, muito longe, de ser exclusivo deste órgão de comunicação social. A proletarização dos jornalistas e dos colunistas é uma realidade que está a destruir, sobretudo, os jornais. Obrigado, queridos camaradas.
Fica um último pedido: comprem o DN e outros jornais. A reflexão que exige preencher uma folha de papel seja para fazer uma notícia ou para dar uma opinião não se compara com mais nenhuma forma de expressão pública. Os jornais ainda são a melhor forma de intermediação, protegê-los é proteger a democracia e o nosso modo de vida.
E agora vou-me embora. Até sempre.