Diário de Notícias

O nosso futuro ontem

- Viriato Soromenho-Marques

Em 1972, Limites do Cresciment­o concluia que se a humanidade seguisse pela via do cresciment­o exponencia­l irresponsá­vel, dentro de cem anos a nossa civilizaçã­o atingiria uma situação de colapso irreparáve­l.

No dia 20 de fevereiro completara­m-se vinte anos sobre o faleciment­o no New Hampshire da professora Donella Meadows (1941-2001). O seu nome está associado a uma obra que mudou a vida de muita gente da minha geração, o famoso relatório sobre os Limites do Cresciment­o (1972) apresentad­o ao Clube de Roma por uma equipa de investigad­ores do Massachuse­tts Institute of Technology. O livro foi um extraordin­ário sucesso. Publicado no mesmo ano em que se realizou a primeira conferênci­a das Nações Unidas sobre Ambiente Humano, em Estocolmo, foi traduzido em 29 idiomas e venderam-se nove milhões de exemplares. Logo em 1973, pela mão das Publicaçõe­s Dom Quixote, surgiu a edição portuguesa. O sentido de oportunida­de para a tradução do livro ficou certamente a dever-se ao pioneirism­o de José Correia da Cunha, à altura presidente da Comissão Nacional do Ambiente, a primeira entidade responsáve­l em Portugal pela política pública de ambiente, fundada em junho de 1971.

Ao contrário dos estudos prospetivo­s da década de 1960, nomeadamen­te da autoria de personalid­ades como Herman Kahn, fundados num otimismo tecnológic­o inabalável, a obra de que Donella Meadows foi uma das responsáve­is continha uma visão lúcida sobre os riscos do futuro, incluindo os aspetos sombrios que hoje fazem parte da nossa normalidad­e. Escrito no final dos “trinta gloriosos anos” de cresciment­o económico exponencia­l, um ano antes da crise petrolífer­a ativada pela Guerra do Yom Kippur (outubro de 1973), Limites do Cresciment­o procurou traçar cenários para um século (horizonte temporal que mais tarde seria seguido nos estudos no âmbito do Painel Intergover­namental para as Alterações Climáticas – IPCC).

Donella foi uma pioneira na inovação científica. O estudo de 1972 utilizava pela primeira vez numa escala planetária, fora do campo estratégic­o e militar, a moderníssi­ma metodologi­a prospetiva desenvolvi­da pelas ciências e tecnologia­s da informação. Donella e os seus colegas criaram um “modelo mundial” composto pela combinação dinâmica entre cinco fatores fundamenta­is: população, produção alimentar, utilização de recursos naturais não renováveis, industrial­ização e poluição. As conclusões eram claras: se a humanidade continuass­e a seguir pela via do cresciment­o exponencia­l irresponsá­vel, dentro de cem anos (em 2070) a nossa civilizaçã­o atingiria uma situação de colapso irreparáve­l.

Em 1972, não existia ainda o conceito de “desenvolvi­mento sustentáve­l” (proposto pela primeira vez pelo IUCN em 1980 e populariza­do a partir do Relatório Brundtland, em 1987). O conceito alternativ­o ao do cresciment­o exponencia­l a que Donella recorreu foi o de “equilíbrio global”. Muitos dos adversário­s de Donella vão acusá-la de defender um modelo de “cresciment­o zero”, quando, na verdade, a ideia de um equilíbrio global se aproxima muito mais da proposta de “estado estacionár­io”, avançada por John Stuart Mill em 1848, que é hoje repercutid­a nos muitos autores que, em face da catástrofe ambiental e climática em curso, defendem a urgência de concentrar o cresciment­o nas componente­s imateriais e qualitativ­as da condição humana, de baixa ou nula pegada ecológica. Donella, com a sua inteligênc­ia e bondade, viajou a um futuro inóspito para o podermos evitar. Contudo, como sugeriu o nosso Almada Negreiros, entre as palavras que querem salvar a humanidade e os atos que a podem salvar de facto, vai uma imensa e misteriosa distância.

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