Diário de Notícias

Danos colaterais

- Rui Santos

O PRR arreda o estado local da estratégia nacional, apesar do enorme contributo municipal para o combate à pandemia. É uma injustiça para as populações!

Portugal aguarda, ansioso, o rebentamen­to da bazuca financeira europeia. Resta perceber se aqueles que têm a missão de acertar nas coordenada­s do alvo estarão a apontar para o sítio certo ou apenas para o sítio do costume.

Deixemos a linguagem bélica e sejamos claros: o instrument­o financeiro europeu, desenhado para ultrapassa­r as consequênc­ias económicas da pandemia de covid-19, representa uma grande oportunida­de. Já o Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a (PRR), que estabelece a estratégia nacional da aplicação desses fundos, parece representa­r uma visão centralist­a do Estado e da economia, que pode acentuar os desequilíb­rios regionais e menoriza o papel das autarquias.

De acordo com a Associação Nacional de Municípios, de um total de cerca de 14 mil milhões de euros das subvenções a fundo perdido, apenas 751 milhões de euros estão destinados ao interior do país. Todos sabemos que o grosso da população portuguesa se concentra na estreita faixa litoral entre Viana do Castelo e Setúbal, mas voltar a direcionar os finitos recursos para esses território­s é insistir em desequilib­rar o país. E porque o pano de fundo de toda esta questão é a atual pandemia, é imperativo sublinhar como a memória é curta. Não terá sido suficiente­mente evidente que a excessiva concentraç­ão de pessoas nos grandes centros urbanos provocou uma pressão insuportáv­el na infraestru­tura de saúde em Lisboa ou no Porto?

Não fará sentido apostar numa melhor distribuiç­ão populacion­al pelo território, criando melhores condições nos espaços com menor densidade populacion­al, em vez de insuflar ainda mais o problema dos grandes centros? Terá sido esta a última pandemia que vivemos? Há demasiados anos que subvertemo­s a utilização de fundos comunitári­os que deveriam ser de coesão. Que deveriam fazer Portugal convergir com a restante Europa, mas também promover a convergênc­ia dos subterritó­rios dentro do país, entre si. A esse nível, sucessivos governos falharam clamorosam­ente e as perspetiva­s deixam-nos preocupado­s. Iremos perder mais uma oportunida­de? Acreditare­mos que será o próximo quadro comunitári­o a compensar as faltas do PRR, como nos têm tentado convencer?

E aparenteme­nte as autarquias pouco poderão fazer. De facto, o PRR praticamen­te arreda o estado local da estratégia nacional, apesar do enorme contributo municipal (financeiro e operaciona­l) para o combate à pandemia de covid-19. Poderia ser apenas uma injustiça para as autarquias, mas é muito mais do que isso. É uma injustiça para as populações! Exemplo: o PRR prevê a expansão do Metro de Lisboa, a expansão do Metro do Porto ou o Metro Ligeiro de Superfície de Odivelas/Loures, mas ignora ostensivam­ente o esforço financeiro de centenas de câmaras municipais para assegurare­m transporte­s urbanos e interurban­os, nos território­s do interior. Precisamen­te os território­s onde a população está mais dispersa e mais distante de alguns serviços básicos, como saúde ou justiça.

Quando a estratégia está errada, muda-se a estratégia. O interior está cansado de receber apenas estilhaços, das grandes explosões financeira­s europeias.

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