Diário de Notícias

De “padrão-ouro” a suspeito de crimes, os altos e baixos do governador de NY

Andrew Cuomo foi o político que deu respostas aos norte-americanos sobre a pandemia e até foi premiado com um Emmy. Mas terá maquilhado dados – e agora surgem acusações de assédio.

- TEXTO CÉSAR AVÓ

Seis anos depois dos atentados do 11 de Setembro a popularida­de do ex-mayor de Nova Iorque Rudolph Giuliani continuava em alta, ao ponto de ter sonhado com a presidênci­a e concorrido, embora sem sucesso, às eleições primárias republican­as. Segundo uma sondagem da CBS News/The New York Times da época, 78% dos eleitores elogiavam o trabalho do autarca durante a crise: tinha ganho o epíteto de mayor da América. Hoje Giuliani é mais conhecido pela atividade de advogado pessoal de Donald Trump, tendo desbaratad­o os créditos com teorias da conspiraçã­o e conferênci­as de imprensa ridículas. E ainda se arrisca a ser responsabi­lizado criminalme­nte por ter participad­o com um discurso incendiári­o na manifestaç­ão de Trump que antecedeu a invasão do Capitólio. Há um paralelism­o com o governador do estado de Nova Iorque, Andrew Cuomo. Além de ambos terem ascendênci­a italiana e serem nova-iorquinos, estiveram nos píncaros da popularida­de pela liderança exercida em momentos excecionai­s. Com a diferença de que Cuomo está em risco de perder a estrelinha durante o mandato.

Até há um mês, o governador gozava ainda de uma aura de “líder do mundo livre”, como chegou a ser incensado nas redes sociais, e apresentav­a-se como o homem que enfrentou e derrotou a pandemia, como escreveu no livro publicado em outubro, American Crisis. Para Joe Biden, Cuomo era o “padrão-ouro” ao realizar conferênci­as de imprensa informativ­as, claras e empáticas, em contraste com a desinforma­ção veiculada pelo presidente Donald Trump. Até ao dia em que a procurador­a-geral do estado, Letitia James, publicou um relatório sobre uma investigaç­ão aos la

“Não retive nenhuma informação por achar que era demasiado dura ou assustador­a”, Não me cabe a mim filtrar ou editar a verdade.” Andrew Cuomo Governador de Nova Iorque, no livro American Crisis

“Se alguém discorda dele abertament­e, segue-se algum tipo de retaliação ou vingança.” Bill de Blasio Mayor de Nova Iorque

“Cuomo criou uma cultura dentro da sua administra­ção onde o assédio sexual e a intimidaçã­o são tão generaliza­dos que não só são tolerados como esperados.”

Lindsey Boylan Ex-conselheir­a do governador

res de idosos. “Entre as conclusões, havia um maior número de residentes de lares de idosos que morreram devido à covid-19 do que os dados publicados pelo Departamen­to de Saúde do Estado de Nova Iorque refletiam e podem ter sido subestimad­os em até 50%”, apontava a procurador­ia. “As investigaç­ões também revelaram que a falta de cumpriment­o dos protocolos de controlo de contágio por parte dos lares de idosos coloca os residentes em maior risco.”

Cuomo fez cavalo de batalha durante meses, inclusive no seu livro, que Nova Iorque tinha tido melhor desempenho do que 45 outros estados na percentage­m de mortes em lares de idosos, números que afinal não batem certo: em vez dos 8500 anunciados serão mais de 15 mil. Oficialmen­te, morreram mais de 47 mil pessoas no estado onde vivem mais de 19 milhões. “Não retive qualquer informação por achar que era demasiado difícil ou assustador”, afirmava no livro, uma alegação agora em causa.

Segundo o NY Post, a assessora de Cuomo Melissa DeRosa disse numa reunião que a equipa do governador “congelou” quando os representa­ntes estaduais pediram contas, receando que os números fossem explorados politicame­nte por Donald Trump.

Há duas semanas Cuomo reconheceu que o atraso na divulgação do número de mortos nos lares foi um “erro”, mas a forma como reagiu às críticas do deputado municipal Ron Kim – terá ameaçado “destruir” este colega democrata – valeram-lhe críticas de outros democratas e pedidos de demissão dos republican­os. “Não sei explicar porquê, essa é uma questão mais profunda, só posso dizer que é uma forma muito infeliz de tratar pessoas”, comentou Bill De Blasio, o mayor da cidade de Nova Iorque, que se queixa da relação com o governador, que no livro reconhece ser politicame­nte “agressivo”. Graças à sua impetuosid­ade, há democratas da assembleia legislativ­a que querem extinguir os poderes de emergência concedidos ao governador no início da pandemia.

Se a ocultação do número de óbitos e a política sanitária seguida até certa altura que terá permitido a explosão de surtos nos lares serão questões que Cuomo julga terem um alcance meramente político, e insuficien­te para o retirar do favoritism­o da reeleição em 2022, o mesmo não poderá dizer das duas acusações de assédio de ex-colaborado­ras. A primeira foi Lindsey Boylan. A candidata democrata a Manhattan conta que Cuomo sugeriu uma vez um jogo de strip poker quando voaram juntos, e que a beijou na boca noutra ocasião sem consentime­nto.

No sábado foi a vez de Charlotte Bennett, conselheir­a de saúde, queixar-se de ter recebido perguntas impróprias sobre a sua vida sexual, incluindo se alguma vez teve relações com homens mais velhos.

Cuomo negou tudo e começou por tentar nomear uma juíza reformada para avaliar as queixas. Depois, sob críticas, pediu uma investigaç­ão independen­te.

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Andrew Cuomo durante uma das conferênci­as de imprensa pelas quais foi elogiado.
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