Como sobreviver a uma Berlinale exclusivamente em streaming?
Arranca hoje em streaming apenas para acreditados da indústria, com filmes protagonizados por Jodie Foster, Tina Turner, Benedict Cumberbatch e Jérémie Renier. O DN vai acompanhar diariamente esta nova experiência cinematográfica.
Oque esperar de um festival global todo ele digital? São muitas questões sem respostas que esta edição da Berlinale coloca. Para um evento que movimentava milhares de pessoas e agitava a capital alemã, esta versão sem público e apenas direcionada para os profissionais da indústria e imprensa não deixa de ser um ato de resistência. De alguma forma, é desta maneira que um festival gigantesco como este não deixa de prestar ajuda a cineastas autores que continuam a poder competir e a não deixar na sombra os seus filmes. Para a organização esta é uma maneira de não cancelar a arte por muito que a festa se torne remota. Ao fim ao cabo, os filmes continuam a ter uma vasta montra internacional e no European Film Market (EFM) os negócios e reuniões online prosseguem. O chamado business as usual sem as habituais festas ou glamour.
Segundo o próprio festival, de hoje até dia 7 (os últimos dois dias apenas para repetição de obras premiadas) o momento intitula-se Industry Event e na próxima sexta-feira já será anunciado o palmarés. Mais tarde, segue-se o Summer Special, de 9 a 20 de junho com sessões presenciais dos filmes selecionados, isto se a situação da pandemia estiver mais controlada. São muitos os que acreditam que esta segunda fase do festival será mais um presente para os locais, sobretudo porque já não teremos competição nem a sempre tão vital presença da imprensa internacional.
Como tudo isto é novidade uma série de fatores vão ser equacionados. Será mesmo que o mercado internacional de cinema beneficia de um evento online onde as obras serão vistas em ecrãs de computador e em televisores? A própria falta de grandes títulos que se guardam para Cannes ou outras andanças parece já dar algumas pistas, mesmo tendo em conta que em janeiro o Festival Sundance tenha tido um feedback positivo a nível de imprensa. Nesse evento fundado por Robert Redford viram-se antestreias mundiais significativas, gerou-se negócio de milhões nas vendas e, pelo que se sabe, o medo da pirataria foi relegado para segundo plano através de um sistema de autenticação dos participantes. Em Berlim, há também regras a proteger estes visionamentos nos quatro cantos do mundo. Regras que incluem códigos, certificações e mais códigos, já para não mencionar que os embargos são controlados e certos filmes interditos consoante a geografia do participante. Aliás, alguns filmes anunciados não tiveram o ok dos produtores para poderem ser vistos no sistema de streaming oferecido aos acreditados, algo que retira qualquer lógica à própria ideia de um festival digital. Por exemplo, a Sony não faculta French Exit, um dos títulos mais esperados da secção Berlinale Speciale, uma comédia com Lucas Hedges e uma Michelle Pfeiffer que andou nas conjeturas da temporada dos prémios. Talvez o acordo seja o filme passar apenas no tal segundo momento de junho...
À parte dos contrassensos inerentes a esta situação, louve-se a coragem de alguns produtores em apresentarem nesta situação as suas obras. Ao vivo ou digitalmente, ter a marca do Festival de Berlim é sempre notícia boa para um filme. E, olhando-se para uma competição encolhida por força das circunstâncias, não deixa de ser estimulante poder encontrar obras tão esperadas como Albatros, de Xavier Beauvois; Wheel of Fortune and Fantasy, de Ryusuke Hamagushi, ou Petit Maman, de Céline Sciamma, cineasta fresca da aclamação de Retrato da Rapariga em Fogo. Ainda assim, ressalve-se a ausência de cinema americano ou nomes de peso.
Fora de competição, na Berlinale Speciale há dois filmes a gerar justificada expectativa: Tina, de T.J. Martin e Dan Lindsay, documentário sobre a vida e carreira de Tina Turner, e O Mauritano, de Kevin McDonald, thriller político com Jodie Foster e Tahar Rahim, a estrear em Portugal mal os cinemas tenham ordem de reabertura.
No pelotão dos portugueses, daremos notícias durante o festival, mas hoje é já exibido no Forum esse tão insólito No Táxi de Jack, de Susana Nobre, aproximação destemida ao universo “antiquado” de Aki Kaurismaki.
Será mesmo que o mercado internacional de cinema beneficia de um evento online onde as obras serão vistas em ecrãs e em televisores?