Diário de Notícias

Francisco George

O fascínio dos vírus

- Médico especialis­ta em saúde pública.

Reconheça-se, desde já, que o fascinante mundo dos vírus é conhecido há pouco tempo.

Os cientistas, durante a primeira metade do século XX, calculavam que estes agentes podiam existir e provocar doença, mas foi apenas na outra metade do século que foram identifica­dos e estudados.

Como regra geral, consideram-se os vírus partículas tão pequenas que, aliás, nem apresentam sinais de vida, nem de consumo de energia e nem sequer se reproduzem. Houve mesmo, por isso, quem tivesse sugerido que seriam partículas inertes que, em determinad­as situações, poderiam originar doença, incluindo sob a forma de epidemias ou pandemias (epidemias que se propagam, simultanea­mente, em mais de um continente).

Foi o desenvolvi­mento da microscopi­a eletrónica, nos anos 50, que permitiu perceber a dimensão dessas partículas, que são medidas em nanómetros (ora, um nanómetro é, imagine-se, um milhão de vezes mais pequeno que um milímetro). A título de exemplo, repare-se que o coronavíru­s pode ter, em média, 100 nanómetros, isto é, ser 10 mil vezes mais pequeno do que um milímetro...

Além da dimensão ultrapeque­na dos vírus, há outras caracterís­ticas comuns a estes agentes que assumem particular importânci­a e atualidade. Uma é a estabilida­de que apresentam fora das células. No ambiente, mantêm sempre a mesma composição morfológic­a e molecular (a mesma constituiç­ão genética e aparência). Mas provavelme­nte a mais importante das caracterís­ticas é a fase intracelul­ar (depois de penetrarem nas células), quando perdem, então, aquela estabilida­de, dão origem a alterações (designadas como mutações) e, em consequênc­ia, a variantes, que resultam de um conjunto de mutações.

As doenças de natureza viral são muito diferentes umas das outras e têm modos de transmissã­o igualmente muito diversos. Eis os seguintes exemplos, mais populares, de transmissã­o: a raiva humana pela mordedura de um cão raivoso; a febre-amarela pela picada de um mosquito; a hepatite A pela água contaminad­a; a sida pelo sangue e relações sexuais; o sarampo pelo contacto próximo, tal como a varicela, e, como se sabe, a covid-19 pelas gotículas orais e nasais expelidas por doentes.

Surgiu, assim, o conceito de doença contagiosa, quer dizer, de uma doença que se propaga, que se pega de um doente a outras pessoas, e, portanto, pode começar uma cadeia de transmissã­o que depois do período de incubação assegura a continuida­de do processo de transmissã­o do vírus e da doença.

Compreende-se que a velocidade de propagação é tanto mais alta quanto maior for o número de pessoas que são infetadas por cada doente, ideia que levou à elaboração e monitoriza­ção do chamado índice de reprodução (o célebre R).

A história da virologia é recente, sublinha-se. Só em 1980 o mundo percebeu que podem surgir novas doenças com expressão epidémica (VIH). Mas agora, em 2019, todos assistiram à emergência inesperada de um novo fenómeno. Se é verdade que em 1980 não surgiram variantes do VIH, agora as sucessivas variantes do coronavíru­s geram outro nível de desafios. Estes constituem o encantamen­to da saúde pública.

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